Acórdão nº 270/11.9TJLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelGILBERTO MARTINHO DOS SANTOS JORGE
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório D ..., com sede em Lisboa, intentou e fez seguir contra B..., com sede em Lisboa, a presente acção declarativa na forma sumária pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia dos cheques indevidamente liquidados que ascende a € 5.115,02 (cinco mil cento e quinze euros e dois cêntimos), acrescida de juros legais vencidos, após o referido pagamento indevido, no montante de € 1.400,87 (mil quatrocentos euros e oitenta e sete cêntimos) e ainda dos juros vincendos até integral pagamento. Para tanto alegou ter emitido três cheques sacados sobre a ré, da qual é cliente e que, apesar de extraviados e adulterados, procedeu ao pagamento de dois deles, sem cuidar de verificar da sua regularidade, não obstante a evidência de sinais de adulteração.

Alegou ainda que a ré violou os deveres de cuidado que lhe assistiam e que é responsável perante a autora pelo montante indevidamente pago e retirado da sua conta, acrescido de juros desde esse pagamento.

O réu contestou pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

Para tanto e em síntese alegou ter cumprido todos os deveres que lhe assistiam e que a autora contribuiu de forma substancial e decisiva para a ocorrência dos factos pois não cuidou de enviar os cheques por um meio mais seguro, não cruzou os cheques e o seu preenchimento foi feito de forma a tornar fácil a sua adulteração.

Mais alega que a adulteração tenha sido evidente e reitera o cumprimento dos deveres de cuidado que assistiam aos seus colaboradores que receberam os referidos cheques.

A autora replicou pugnando pela improcedência das excepções invocadas, com as devidas consequências legais, concluindo-se como na petição inicial.

Findos os articulados, tentou-se em vão conciliar as partes, seguindo-se o saneamento do processo, com dispensa da fixação da matéria assente e da base instrutória face, conforme refere o respectivo despacho, à simplicidade da causa e à posição assumida pelas partes.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada a matéria de facto provada, sem reclamações, após proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o réu do pedido.

Inconformada com tal decisão dela a autora interpôs recurso que foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

A apelante apresentou alegações que concluiu do modo seguinte:

  1. A douta sentença ora recorrida é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida, justificando aqueles a procedência da acção.

  2. Os colaboradores do Banco ora apelado efectuaram o pagamento dos cheques sobre si sacados, extraviados e adulterados, sem cuidar de verificar da sua regularidade, não obstante a evidência de sinais de adulteração, conforme se considerou provado na douta sentença recorrida, a qual reconhece ser tal perfeitamente perceptível agora que se sabe ter havido adulteração, até pelo diferente tipo de caneta utilizado.

  3. Nas alíneas O) e P) dos factos indicados como provados na douta sentença recorrida, indica-se não ser compreensível o nome das beneficiárias dos cheques adulterados, como se verifica da sua análise, tendo no entanto sido pagos pelos colaboradores do Banco «que se limitaram a verificar se a assinatura aposta no verso do cheque coincidia com a assinatura constante do documento de identificação apresentado, o que acontecia».

  4. Quando a final apenas um dos cheques está endossado e quando nem sequer esse dever cabia aos colaboradores do Banco apelado, dado que o endossante por norma não coincide com o portador do cheque, tendo os funcionários do Banco que examinar antes de mais se a pessoa do endossante corresponde ao beneficiário constante da face do cheque (art. 35.º da LUCh), o que não poderiam validamente ter feito, por ser imperceptível o nome dos beneficiários do cheque após a sua adulteração.

  5. A douta sentença recorrida julgou não existir negligência por parte da ora apelante, cliente do Banco apelado, no que não merece censura, sendo que o facto de os cheques não estarem cruzados, nem tracejados os espaços em branco, agrava ainda a obrigação de os colaboradores do Banco apelado agirem com redobrado cuidado, mais avisados que estavam, enquanto profissionais da área, para os perigos inerentes e para a maior probabilidade de tais cheques poderem ter sido adulterados.

  6. Ou seja, a douta sentença, considerando provada a adulteração dos cheques, indicando não conseguir sequer ler-se o nome das beneficiárias após a adulteração, considerando ainda ser fácil perceber-se a adulteração pensando nisso, até por causa do diferente tipo de caneta utilizada e não existir negligência por parte da ora apelante, cliente do Banco apelado, ainda assim julga improcedente a acção por considerar não ser exigível aos colaboradores do Banco apelado que se apercebessem então de todos estes factos, por não estarem alertados pela apelante para a possibilidade dos cheques poderem ter sido adulterados – o que não se pode aceitar – devendo antes estar os mesmos, por dever profissional, sempre alertados para tal possibilidade.

  7. Dando a douta sentença recorrida relevância ao facto de passarem vários cheques pelas mãos do colaborador bancário que se encontre na caixa, facto que de todo o exime do dever de cuidadoso exame da genuinidade do cheque e de todos os seus elementos, devendo de antemão, pelos seus conhecimentos profissionais e experiência, saber da possibilidade de o cheque apresentado poder ser falso ou falsificado (Ac. do STJ de 08.05.2012; Ac. da Rel. da Lisboa de 11.03.2010; Cunha, Paulo Olavo, «Cheque e Convenção de Cheque» 2009; Galvão, Sofia de Sequeira «O Contrato de Cheque», ed. Lex, 1992). H) Além disso quando, sendo a apelante cliente do Banco apelado, um simples telefonema dos colaboradores deste para aquela para obter confirmação, em face da apresentação dos cheques cujos nomes dos beneficiários eram imperceptíveis, com letras encavalitadas nos nomes e nos montantes por extenso que não estavam cruzados, nem tracejados nos espaços em branco, teria evitado qualquer prejuízo – telefonema aliás vulgar em várias instituições bancárias em iguais circunstâncias, para com os seus clientes quando surgem duvidas quanto à genuidade /teor dos cheques apresentados a pagamento.

  8. Foi o facto de não terem sido identificados os agentes do crime de falsificação dos cheques que levou ao arquivamento do inquérito crime pelo Ministério Público, não sem antes referir a Digníssima Procuradora que, em face da «falsificação grosseira» que os cheques apresentavam, nunca deveriam os mesmos ter sido pagos por parte da entidade bancária (cf. certidão judicial do despacho de arquivamento junta aos autos em 14.02.2012 pela ora apelante).

  9. O funcionário bancário tem o dever de considerar sempre de antemão a possibilidade de qualquer cheque que lhe é apresentado a pagamento, para mais ao balcão, sem depósito em conta, poder ter sido adulterado, possibilidade que, a ser considerada, como deveria ter sido, evitaria o pagamento e o prejuízo, pois – como reconhece a douta sentença – considerando o cheque como tendo sido adulterado são, de facto, perfeitamente visíveis os sinais de adulteração.

  10. A violação de tais deveres pelos funcionários do Banco apelado torna este responsável pelos prejuízos causados à apelante, sua cliente, com quem celebrou a convenção de cheque, presumindo-se a culpa, conforme determinam os artigos 798.º, 799.º n.º 2 e 800.º todos do Código Civil.

  11. Prejuízos correspondentes ao valor dos cheques indevidamente pagos pelo Banco apelado, no montante total de € 5.115,02, acrescido dos juros de mora à taxa legal para as operações comerciais desde a data de...

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