Acórdão nº 41/13.8 SMLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução27 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório Na 4ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, por acórdão de 14/03/2014, constante de fls. 703 a 733, foi o arguido, RD...

, solteiro, desempregado, nascido a 12 de Novembro de 1972, (…) , condenado, - pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada previsto e punível pelos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal, de que se encontrava acusado e que se provou que cometeu, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, computado do trânsito em julgado do presente acórdão mediante acompanhamento em regime de prova pelo Instituto de Reinserção Social, do qual fará parte constante a continuação da formação escolar e profissional do arguido.--- - no pagamento ao Centro Hospitalar de Lisboa Central E.P.E., na totalidade do pedido (6.086,41) euros e respectivos juros vincendos à taxa legal aplicável *** Não se conformando o Ministério Público interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes de fls 743 a 757, com as seguintes conclusões: (transcrição) 1º O douto acórdão proferido fez uma incorrecta subsunção jurídica, violando o disposto no art° 14° do Código Penal.

  1. Com efeito e como decorre dos factos provados, designadamente do facto 12, o arguido agiu com dolo directo e intenso.

  2. Salvo o devido respeito o tribunal colectivo avaliou erradamente todas as circunstâncias que antecederam, rodearam e se seguiram à prática dos factos, fundamentando a brandura da pena aplicada no entendimento de que o mesmo actuou com dolo eventual.

  3. Pela parte do corpo visada, pelos meios utilizados e pela persistência revelada em atingir a ofendida - no peito, com uma faca de grandes dimensões, correndo atrás da mesma, procurando-a pela rua - só se pode concluir que a morte da ofendida era o fim que o arguido pretendia atingir, tendo querido e previsto "como segura a produção do resultado típico".

  4. Caso assim se não entenda, sempre se dirá que o douto Acórdão proferido enferma de um vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410°, n° 2, al. b), do Código de Processo Penal.

  5. Assim e se por um lado se deu como provado que o arguido ao agir pretendia "matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgãos vitais" (facto 12), sustentou-se, contraditoriamente, que o mesmo agiu com dolo eventual.

  6. Com efeito, menciona o acórdão na fundamentação, que "de modo deliberado e gratuito o arguido espetou a faca na zona do peito da ofendida V(...). "... considerou a acusação que o arguido, ao desferir a faca no corpo da ofendida (...), teria pretendido de forma directa atingir mortalmente a ofendida (...) Sucede, porém, que tal não ficou demonstrado, mas sim que o arguido configurou a possibilidade de matar a vítima e se conformou com ela, verificando-se uma situação de dolo eventual e não de dolo directo".

  7. É patente a contradição ao dar-se como provado ter o arguido agido com dolo directo, para de seguida se negar este dolo e se sustentar que afinal apenas agiu com dolo eventual, fazendo-se reflectir este entendimento na brandura da punição.

    9ª O arguido ao desferir uma facada, com uma faca de cozinha com 13 cm de lâmina, no lado direito do tórax da ofendida, sabia que lhe podia ocasionar a morte, o que queria, tanto mais que, após isso, virou costas à sua vítima, indiferente ao facto da mesma se estar a esvair em sangue; 10ª O arguido sabia que tal ferimento era adequado a matar a ofendida.

  8. O arguido sabia que, por se tratar de um domingo de Verão, não havia quase ninguém na rua antevendo assim, a morte da ofendida, como consequência directa e necessária do ferimento produzido.

  9. Por via da procedência da primeira ou segunda questões suscitadas, ou mesmo que nenhuma venha a ser considerada procedente, sempre haverá que ponderar a pena a aplicar ao arguido.

  10. Ao crime de homicídio na forma tentada cabe uma pena de prisão situada entre 1 ano, 7 meses e 6 dias e 10 anos e 8 meses de prisão.

  11. A determinação da medida da pena "é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção", ponderando-se, nomeadamente os factores elencados no art° 71° do Código Penal.

  12. A vida humana, enquanto bem jurídico protegido por esta incriminação legal, é, tal como a CRP o define, um direito inviolável (art.° 24.°, n.° 1).

  13. Na determinação da medida da pena haveria que ponderar que: a) O arguido não demonstrou qualquer arrependimento; b) Persistiu no seu projecto criminoso procurando atingir a ofendida quando ainda se encontrava em casa e perseguindo-a depois pela rua; c) Demonstrou total desprezo pela vida da ofendida, deixando-a na rua a sangrar abundantemente, enquanto ia mudar de roupa e lavar a faca com que a atingira; d) Tem "fraca consciência crítica face aos factos praticados"; e) Praticou o crime, num domingo de verão, em plena Lisboa, sabendo que, nessas circunstâncias, poucas pessoas circulavam pela rua, sendo previsível que ninguém socorresse a ofendida; f) Os factos praticados tiveram graves consequências para a ofendida, na altura jovem de 27 anos de idade, que, para além das dores sofridas, dos 48 dias de incapacidade, ainda teve como sequelas permanentes, cicatrizes no tórax que configuram "o conceito de desfiguração grave" e permanente.

    g) O arguido não só nunca confessou como ainda procurou responsabilizar a vítima pelo acto que praticou.

    h) As necessidades de reprovação e de prevenção deste tipo de crime são particularmente elevadas, face à gravidade do mesmo e à indiferença com que se vem entendendo a vida humana.

    i) constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância.

    1. A pena deve adequadamente repor a confiança e o respeito na validade das normas violadas.

    2. São igualmente intensas as exigências de prevenção especial tendo em conta designadamente a personalidade do arguido, a frieza com que actuou, a absoluta indiferença e insensibilidade que manifestou pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana.

  14. Ponderando-se todas estas circunstâncias, entende-se que a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, não deverá nunca ser inferior a 5 anos e 6 meses de prisão.

  15. Sem conceder, ainda que assim não se entendesse e se considerasse que uma pena até 5 anos de prisão atingiria as finalidades que se pretendem obter com a punição, não se vê qualquer fundamento para suspender a execução da mesma.

  16. A ausência de anteriores antecedentes criminais apenas significa que o arguido não foi anteriormente julgado e condenado o que é diferente de dizer que nunca praticou qualquer crime.

  17. O próprio tribunal deu como provado que o arguido "perante situações de tensão emocional evidencie baixo auto - controlo e alguma dificuldade em antever a consequência dos seus actos" (facto 27) e que "revela fraca consciência crítica face aos factos praticados".

  18. Atendendo à personalidade do arguido, à falta de arrependimento, à sua postura, à tentativa de culpabilizar a ofendida, a suspensão decretada pelo tribunal é temerária, desajustada e inadequada, devendo ser revogada, impondo-se ao arguido uma pena de prisão efectiva.

  19. Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40°, 70° e 71°, todos do Código Penal.

  20. Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e o douto Acórdão a quo substituído por douto Acórdão que condene o arguido nos termos supra expendidos. (fim transcrição) *** Não se conformando, a arguido RD... interpôs igualmente recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 809 a 854, com as seguintes conclusões: (transcrição) 1– o presente recurso tem, ao abrigo do preceituado no art. 410.º do Código de Processo Penal (doravante, CPP), como fundamentos: questões que a decisão recorrida não conheceu mas podia (e devia) explanadas em sede própria (art. 410.º, n. 1 do CPP); insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP); erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º2, alínea c) do CPP).

    2- Nos termos do art. 431.º, alíneas a) e b) do CPP, a Relação de Lisboa tem poderes de cognição que permitem modificar a decisão recorrida quanto à matéria de facto.

    3- A 4.ª Vara Criminal de Lisboa revelou uma falta de sensibilidade judicativa decepcionante na análise de prova produzida em julgamento, maxime no que respeita à consideração da prova documental e prova testemunhal produzida analisada segundo as regras de experiência comum e daquilo que seja a normalidade das condutas humanas.

    4 - A prova documental junta aos autos – nomeadamente relatórios médicos de fls.38 e 39, 96 e 97 não valorados pelo tribunal recorrido, bem como os valorados de fls, 180 e 181 e 201 e 211, registo de chamadas efectuadas não valorado pelo tribunal a quo e junto na contestação do arguido como doc. n.º 1, o auto de audição e transcrição de contactos efectuados pelo arguido ao 112 de fls. 390 e 391 não valorado pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, a declaração médica junta em audiência -, é importante e pertinente no que concerne à real motivação da ofendida V... depor e qual o grau de credibilidade que o tribunal poderá conferir ao seu depoimento em função, justamente, do ardil por si criado para se furtar, mais uma vez, às consequências daquela que é a sua habitual conduta.

    5 - A prova documental referida em 4 demonstra cabalmente que, ao contrário do depoimento prestado pela ofendida V..., a mesma NUNCA correu perigo de vida.

    6 - A prova documental junto aos autos, bem como os estudos científicos apresentados, em alegações, pela defesa, provam matematicamente que jamais poderia ter sido aquela a arma utilizada.

    7 - O tribunal deu como provada toda a acusação pública com base no depoimento contraditório, incoerente...

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