Acórdão nº 6180/11.2 TDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFILOMENA LIMA
Data da Resolução07 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo supra referido, no seguimento da instrução, realizada a requerimento do assistente, após despacho de arquivamento pelo MºPº, foi proferido despacho de pronúncia contra o arguido Z..., pela prática dos factos que constam da acusação formulada pelo assistente nos pontos 1 ° a 17°, 19° a 21°, os quais no entender da Ma. Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, consubstancia a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 150°, n° 2, do C. Penal.

Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento.

1.2.

Vem interpor recurso, o arguido, alegando em síntese: 1- O Arguido é cirurgião plástico, e o Assistente procurou-o para lhe aumentar o volume peniano, com injecções de gorduras retirada do seu corpo.

2- A última intervenção cirúrgica para correcção ocorreu em 13.05.2011.

3- Após essa data o Assistente não mais compareceu às consultas de acompanhamento pós-operatório para regularização morfológica, nem usou o extensor que lhe foi recomendado pelo Arguido.

4- Em Setembro de 2011 apresentou queixa-crime contra o Arguido, alegando a morfologia irregular do seu pénis.

5- Findo o inquérito o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, tendo concluído, em síntese, que durante o mesmo não foram apurados factos donde se concluísse ter o Arguido violado qualquer norma da legis artis, outrossim tendo-se apurado além do mais, que o Assistente após a última intervenção cirúrgica não mais compareceu nas consultas de vigilância pósoperatórias, sabendo, por ter dado o seu consentimento, que todas as cirurgias comportam riscos.

6- Inconformado com tal despacho, o Assistente solicitou a abertura da instrução.

7- Da prova produzida, nada mais se acrescentou aos factos recolhidos em sede de inquérito, como expressamente reconhece a Sa.

Juiz do Tribunal de Instrução — vide fls. 7 da decisão instrutória.

8- Porém, a Ma. Juiz fundamenta que não obstante essa circunstância, o Arguido deve ser submetido a julgamento, porquanto o relatório do IML a que foi sujeito, em sede de inquérito, em 14.02.2013, conclui existir nexo de causalidade entre as sequelas alegadas pelo Arguido e a intervenção cirúrgica, a que foi sujeito, mas não diz quais as causas dessas sequelas, mormente se elas são resultado de acto médico violador da legis artis.

9- Entendemos que tal conclusão do IML é absolutamente insuficiente, tal como se considerou no despacho de arquivamento para conduzir o Arguido a julgamento porquanto, o Assistente se recusou a um acompanhamento pós-operatório, como está demonstrado. Aliás, o médico urologista autor do relatório que instruiu o do IML, ouvido em sede de instrução, conforme a M. Juiz reproduziu na decisão instrutória — fls.

5, disse não ser possível afirmar qual a causa da deformação.

10- Sendo a obrigação de um médico uma obrigação de meios como tem vindo a ser aceite pela maioria da nossa jurisprudência, só as intervenções e os tratamentos médico-cirúrgicos levados a cabo violando a legis artis, são penalmente consideráveis artigo 150° C.

Penal.

11- Ora, quer em sede de inquérito, quer em sede de instrução, não foram recolhidos indícios suficientes de que o Arguido tenha violado a legis artis, e como tal o mesmo não deveria ter sido pronunciado, antes deveria ter sido proferido despacho de não pronuncia, em consonância com o disposto no artigo 308° do C.

P. Penal, que a decisão recorrida viola.

Termos em que se requer a substituição da decisão instrutória por outra que não pronuncie o Arguido.

1.3.

Respondeu o M°P°, concluindo: 1) - Resulta dos autos que o assistente, com vista aos tratamentos efectuados na clínica onde o arguido trabalha subscreveu um termo de autorização donde constava o seguinte: "declaro que consinto nas intervenções cirúrgicas a realizar (com a anestesia considerada necessária pelo cirurgião), e que aceito como bons os resultados obtidos pelas mesmas. Tomei conhecimento, por me terem sido devidamente explicados, todos os riscos inerentes a estes actos terapêuticos (,.)" 2) - Pese embora ter prestado consentimento para a intervenção cirúrgica a que foi sujeito, ter aceite os resultados que seriam obtidos, e o conhecimento dos riscos inerentes a tal acto médico, o assistente não compareceu no consultório do arguido na data previamente designada a fim de retirar os pontos e ser observado, nem fez qualquer revisão cirúrgica (a marcar 2, 4 e 6 meses após a data da cirurgia), deixando de comparecer na referida clínica a partir de 13 de maio de 2011.

3) -Ou seja, o assistente após a última intervenção cirúrgica não mais compareceu nas consultas de vigilância pós-operatórias, sabendo, por ter dado o seu conhecimento, que todas as cirurgias comportam riscos, e largou os tratamentos sem justificação aparente, abandonando as prescrições médicas necessárias.

4) - Resulta ainda dos autos que para além de não ter comparecido às consultas de acompanhamento pós-operatório para regularização morfológica, o assistente não usou o extensor que lhe foi recomendado pelo arguida 5) - O assistente pretendia um aumento do perímetro peniano, o que se concretizou através de uma lipoplastia do pénis, sendo porém discutível que tenha sido essa cirurgia a causa adequada e real da complicação surgida, e que tenha sido eventual violação de legis artis que esteja na base de eventual deformação peniana.

6)- Em medicina, os actos cirúrgicos estão sujeitos a um elevado grau de aleatoriedade, não sendo necessário que haja um erro técnico para que as coisas corram mal.

7) - Um médico cirurgião não pode controlar o improvável. A própria natureza da actividade do médico implica uma série de riscos, e nem tudo é susceptível de previsão, só podendo ser considerada como falta do médico a não previsibilidade do risco previsível, e não a do risco imprevisível.

8) - Como o enxerto aplicado no corpo do arguido está sujeito a grande aleatoriedade podem ter ocorrido circunstâncias exteriores não controláveis pelo arguido, designadamente rejeição do mesmo, relações sexuais precoces ou falta de cuidado no tratamento pós-operatório, que aliadas às supra referidas, não equivalem à existência de erro médico, não se podendo sem mais concluir que o procedimento levado a cabo pelo arguido não tenha estado dentro da legis artis 9) - As complicações morfológicas de que o assistente se queixa e que atribui ao acto médico de cirurgia plástica que o arguido realizou no seu corpo podem não ter resultado em termos de causalidade adequada, da intervenção cirúrgica e do tratamento médico ministrados pelo arguido, podendo ficar a dever-se a actos de indisciplina do assistente no pós-operatório, sendo impossível ao arguido, enquanto cirurgião, - sem a colaboração estreita do paciente aqui assistente -, manter o controlo clínico da situação.

10) - Como já se referiu, consta dos autos que, encontrando-se o assistente numa fase de regularização morfológica, e sendo do seu interesse contribuir para o sucesso dos tratamentos efectuados, abandonou os tratamentos pós-cirúrgicos de correcção, não compareceu a uma consulta pós operatória, o que dificultou necessariamente o controlo da situação por parte do arguido.

11) - Dúvidas não existem que para o assistente resultaram as sequelas descritas no douto despacho recorrido por referência ao relatório da perícia médico-legal.

12) - E para o que ao presente recurso interessa são relevantes as conclusões tecidas nos seguintes documentos: a) -Perícia médico-legal: (..)"os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre as intervenções cirúrgicas constantes da informação e as sequelas urológicas resultantes. Do evento resultaram as sequelas urológicas atrás descritas, que terão resultado das intervenções cirúrgicas descritas. As sequelas urológicas são as seguintes: Aumento irregular do volume peniano nos seus dois terços proximais, com múltiplos nódulos subcutâneos, endurecidos, de dimensões variáveis e pele peniana com múltiplas pequenas cicatrizes lineares.

Do ponto de vista funcional, tais sequelas são passíveis de interferir com a cópula"(..) b)-Do relatório médico de fls. 110 consta que o assistente sofria de: deformação grave do corpo do pénis nos seus dois terços proximais, com irregularidade de contorno do órgão,' Presença de múltiplos nódulos subcutâneos de dimensões variáveis, duros, móveis, que produzem aumento muito relevante do diâmetro do pénis nos dois terços proximais,' cicatrizes do corpo do pénis, terço médio. A situação observada é compatível com acto cirúrgico anterior referido pelo doente. A deformação descrita é passível de perturbar, de forma grave, o desempenho sexual do doente, nomeadamente no momento da penetração." 13) - E se é certo que de acordo com o disposto no art° 127 do CPP, "salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente"; no caso dos autos, e tratando-se o relatório do INML de prova pericial, a Mm° JIC está limitada ao que dispõe o art°163 do CPP, que, no que concerne ao valor da prova pericial preceitua no seu " n°1- que " o juízo técnico, científico ou artístico inerente á prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador'; e no seu n°2- que "sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no...

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