Acórdão nº 5824/12.3T2SNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução01 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I- Relatório: M… e marido J… moveram contra A… a presente ação declarativa, na forma sumária, pedindo que se declare que a sociedade “M.. e A…” é irregular e, consequentemente, se declare a nulidade, se condene a Ré a reconhecê-lo e se determine a entrada da aludida sociedade em liquidação.

Alegaram, em resumo, que a Autora M… e a Ré são irmãs consanguíneas e que no início do ano de 1981, o pai de ambas, sugeriu-lhes e incentivou-as a que constituíssem uma sociedade comercial, para que através dessa sociedade, desenvolvessem uma atividade comercial de compra e venda de artigos de artesanato e turismo na Vila de S…, e que tendo ambas aceite essa sugestão do seu progenitor, decidiram que cada uma delas contribuiria com igual quantia em dinheiro para que em nome de uma sociedade, fosse desenvolvida uma atividade comercial, mais acordando que repartiriam os lucros que resultassem da atividade comercial dessa terceira entidade, na proporção correspondente aos respetivos contributos em dinheiro, ou seja, 50% para cada uma delas. Nesse sentido, e com vista a constituir um fundo comum para suportar os encargos inerentes ao início de atividade da sociedade, a A. M… disponibilizou 950.000$00, sendo de igual montante o contributo da Ré para a constituição do capital necessário ao início de atividade da sociedade que constituíram e à qual atribuíram a designação de “M… e A…”.

Foi com essa designação, e sede na Praça da…, que em 28 de Maio de 1981, participaram na Repartição de Finanças de S… o início de atividade dessa sociedade, na sequência do que foi atribuído à sociedade, pelos serviços fiscais, o número de identificação fiscal nº 000, tendo no ano de 1981, a sociedade começado a vender ao público os artigos do seu comércio, atividade que manteve, ininterruptamente, desde esse ano e até à atualidade, tendo toda a documentação relativa à referida atividade passado a ser emitida com a referida designação, assim se verificando, designadamente, com as faturas e os recibos emitidos no âmbito dessa atividade, tendo o produto da venda das mercadorias que comercializa passado a ser depositado numa conta bancária aberta com essa exclusiva finalidade e sendo através das quantias depositadas nessa conta bancária que são pagos os fornecedores, impostos e encargos de funcionamento da sociedade.

O contrato de sociedade celebrado entre a Autora M… e a R. nunca chegou a ser reduzido a escritura pública, não tendo, consequentemente, sido objeto de registo comercial qualquer ato de constituição dessa sociedade, consubstanciando, pois, uma sociedade irregular, quer de acordo com o disposto no artigo 107º do Código Comercial em vigor à data da constituição da sociedade, quer de acordo com o Código das Sociedades Comerciais, que no artigo 7º estabelece como formalidade ad substantiam do contrato de sociedade comercial a celebração de escritura pública A Ré foi regularmente citada e veio contestar, impugnando os factos relativos aos valores despendidos na constituição da sociedade e aqueles à constituição de um fundo comum e ao valor entregue aos anteriores arrendatários do local onde a sociedade instalou a sua sede, confirmando, porém, a circunstância de o contrato de sociedade não ter sido reduzido a escritura pública, nem submetido a registo e que o pedido constitui abuso de direito, porque mantiveram o exercício da atividade da sociedade, ininterruptamente, desde1981, sem nunca terem invocado a nulidade, e que apenas desde 2006/2007 pretendem, contra a sua vontade, cessar tal atividade, o que se prende com a passagem à reforma do Autor, que foi empregado do estabelecimento até à idade da reforma, e pela abertura de uma loja em nome do filho dos Autores, concluindo pela improcedência do pedido.

E deduziu pedido reconvencional, pedindo que seja decretada a exclusão de sócia da Autora M... da sociedade, alegando, em resumo, que passar a haver uma alteração de comportamento da A. reforçou-se, em especial com a reforma do A. marido em 2008 e a abertura da loja em nome do filho dos AA. (N…), em data que não pode precisar mas que situa em finais de 2008 inícios de 2009.

Responderam os Autores, sustentando a sua posição inicial e pugnando pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido saneador sentença, não se admitindo o pedido reconvencional e julgando a ação procedente declarou-se nulo o contrato de sociedade celebrado entre Autora e Ré por inobservância da forma legal; e nos termos do disposto no artigo 52º do Código das Sociedades Comerciais, determinou-se a entrada da sociedade em liquidação.

Desta sentença veio a Ré interpor o presente recurso, e após alegações concluiu: 1- Relativamente ao pedido reconvencional considera a apelante que o mesmo é admissível por via do disposto no artº 266º nº1 al. a) do CPC, pois que pretendendo os AA. que a R. seja condenada a reconhecer a existência de uma sociedade irregular e que se declare nula a mesma por falta de forma e sendo aplicável a estas sociedades irregulares as disposições relativas às sociedades civis, por força do disposto no artº 36º nº2 do CSC, o pedido da R. emerge assim do facto jurídico que serve de fundamento á ação, isto é, a existência de uma sociedade irregular.

Em qualquer caso, 2 - Considera a apelante que os factos vertidos nos artº.s 11º., 12º., 13º., 14º., 21º. (desde ” ao longo dos anos que” até “questão”) e 22º da contestação deveriam ter sido objeto de julgamento, por serem controvertidos e relevantes para a determinação da existência de abuso de direito.

3 - Não podia pois o Tribunal concluir, como conclui, que a apelante não invocou qualquer razão que permita censurar o exercício do direito de pedir a declaração de nulidade.

4 - Pelo exposto, o Tribunal deveria ter proferido despacho nos termos do nº 1 do artº 596º do CPC, destinado a identificar o objeto do litígio e os temas da prova, para saber se os factos invocados pela R. permitiam censurar o exercício do direito de pedir a declaração de nulidade e, consequentemente, considerar improcedente a arguição de nulidade da sociedade em questão.

5 – Assim não o tendo feito violou o disposto nas al.s b) do nº1 do artº 595º e al. do nº1 do artº 596º ambos do CPC.

6 - Ainda que se entenda que o processo continha todos os elementos para se conhecer do mérito da causa, ainda assim dos factos dados como assentes sempre se teria de concluir pela procedência da invocação do abuso de direito, considerando por isso a ação improcedente (a nulidade não foi conhecida oficiosamente).

7 – Os AA. mantiveram, ininterruptamente desde 1981, o exercício da atividade nos termos referidos, nomeadamente, nos pontos 1., 3., 5., 7., 8., 11., da fundamentação de facto da Sentença recorrida, sem nunca terem invocado a aludida nulidade.

8 - Resulta assente que se mostra “… aberta em nome do filho dos Autores uma loja na Vila de S..., na qual se exerce a atividade de venda de artigos de artesanato;” e que “O ora Autor ajuda nesta loja o seu filho, pelo menos aos Domingos, dia de folga do seu filho, estando a Autora mulher na loja, pelo menos, nesses dias, cerca da hora do almoço.” – cfr. pontos 20. e 21. da fundamentação de facto.

9 - Tais factos são mais do que indiciadores de que os AA. perderam interesse no prosseguimento da atividade da sociedade constituída com a R., unicamente por passarem a exercer a mesma atividade através de outra entidade, violando desta forma de modo grosseiro o principio da confiança e da boa-fé subjacente ao contrato de sociedade, ainda que não efetivado por escritura publica, o que não pode merecer a tutela do direito com a procedência da nulidade pelos mesmos invocada.

10 - Às sociedades irregulares aplicam-se as disposições relativas às sociedades civis, por força do disposto no artº 36º nº2 do CSC, pelo que não pode proceder o argumento de que impedir os AA. de invocar a nulidade do contrato implicaria manter a A. vinculada a uma sociedade contra a sua vontade, pois que a mesma sempre poderá pedir a sua exoneração nos termos do artº 1002º do CC.

11 - O Tribunal a quo fez pois incorreta interpretação e aplicação dos artº.s 334º e 1002º do CC que nesta medida violou.

Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente.

*** Contra-alegaram os Autores, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** II - Direito processual aplicável.

No caso concreto, estamos em presença de ação instaurada em 7 de março de 2012 e a decisão recorrida foi proferida em 17/03/2014.

Aos recursos de decisões proferidas a partir de 1 de setembro de 2013, em processos instaurados após 1 de janeiro de 2008, é aplicável o regime de recursos do atual C. P. Civil aprovado pela Lei n.º41/2003, de 26 de junho, nos termos do seu art.º 5.º/1 (posição assumida igualmente por Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 16).

Assim, será aplicável o regime do atual Código de Processo Civil.

*** III – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas...

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