Acórdão nº 700/13.5TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelEURICO REIS
Data da Resolução21 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 1. “A–, IPSS - INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL” intentou contra “I, SA” a presente acção declarativa de simples apreciação negativa que, sob o n.º …, correu termos pela.., e na qual foi proferida a sentença de fls 219 a 226 dos autos, cujo decreto judicial tem o seguinte teor: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, declarando que, por ora, o regime do Título I da Lei 6/2006, intitulado Novo Regime do Arrendamento Urbano, não é aplicável ao contrato objeto da presente ação, no que respeita ao aumento da renda e à transição do contrato para arrendamento com prazo certo de cinco anos (sendo aplicável o Título II da mesma Lei 6/006, intitulado Normas Transitórias, arts. 26 a 58).

Custas pela A. que deu causa à ação, ao pedir que se declare nada mais que o que consta da lei.

Registe e notifique.” (sic).

Inconformada com essa decisão, a Autora dela recorreu, pedindo que seja “… a Decisão recorrida … revogada e substituída por Acórdão que declare a presente acção procedente e em consequência, declare que o regime do NRAU não é aplicável ao locado/contrato objecto desta acção, no que respeita ao aumento da renda de 3000%,” (sic - fls 252), formulando, para tanto, as seguintes 25 conclusões: “

  1. A A. é uma instituição particular de solidariedade social constituída há mais de setenta anos, que desenvolve a sua atividade através de uma escola denominada “Externato …”, frequentado por cerca de cento e vinte crianças carenciadas de L… e ..e instalado, há mais de 70 anos. Subitamente, a Ré, aproveitando a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe é dada pela Lei n.º 31/2012 da Lei, aumentou a renda do locado, de 65 euros, para 1.654,00 euros: um aumento de 2500 por cento.

  2. A A. instaurou a presente acção de mera apreciação, a fim de ver declarado que o regime resultante do NRAU não lhe é aplicável, quer por se tratar de uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos, quer em consequência de vários vícios do processo de aumento de renda.

  3. A decisão recorrida, julgou a acção parcialmente procedente, declarando que «“por ora”, o regime do Título I da Lei 6/2006, intitulado Novo Regime do Arrendamento Urbano, não é aplicável ao contrato objeto da presente ação, no que respeita ao aumento da renda e à transição do contrato para arrendamento com prazo certo de cinco anos (sendo aplicável o Título II da mesma Lei 6/006, intitulado Normas Transitórias, arts. 26 a 58)», uma vez que, « (…) o senhorio, após oposição do arrendatário, (…) pode unilateralmente aumentar a renda de acordo com os critérios previstos no art. 35, n.º 2, als. a) e b). Foi o que a R. fez, e bem.».

  4. As instituições particulares de solidariedade social, através do seu associativismo filantrópico, mesmo sendo pessoas de direito privado, perseguem funções sociais e por isso públicas (daí o reconhecimento do seu interesse público, nestes casos, particularmente proeminente), pelo que, ao interesse privado do senhorio no aumento da renda, contrapõe-se o interesse público por elas perseguido, máxime, o interesse público que determina a sua existência, razão pela qual, o legislador, ao sonegar qualquer tutela, justificada e mesmo imperiosa, destas instituições, condenando-as, assim, à extinção, viola o interesse público, com o fito e fim de proteger interesses privados, máxime, o interesse privado do senhorio proprietário.

  5. A interpretação do Tribunal a quo relativa às disposições conjugadas da lei 6/2006, artigos 51º, nº4, 54, nº1 e 35º, nº2, na parte em que permite o aumento da renda, limitado a 1/15 do Valor Patrimonial Tributário do prédio, quando o arrendatário seja uma instituição particular de solidariedade social, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade.

  6. Tal declaração de inconstitucionalidade, até poderia ser evitada, por via do recurso ao instituto do abuso de direito, questão de conhecimento oficioso, dado que, o aumento de renda de 2500%, de 65 euros, para 1.654,00 euros, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultante do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, não sendo sequer exigível a consciência de que o seu procedimento é abusivo.

    Acresce que, g) O princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1.ª revisão, não pode permitir um aumento de renda, de 65€, para 1650€, sequer, com carácter geral.

  7. O princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1.ª revisão, não pode permitiu um aumento de renda, de 65€, para 1650€.

  8. Um aumento de cerca de 3000%, de uma só “assentada”, inviabiliza a posição contratual do Arrendatário, pelo que, a violência que resulta desta solução legal, esta inusitada insensibilidade deste legislador, deve ser rejeitada pelo sistema jurídico, não podendo estes “critérios” legais deixar de estar sujeitos ao escrutínio judicial, porquanto, aliás, o legislador foi de tal forma imprevidente, que nem sequer previu qualquer cláusula de salvaguarda, ou, ao menos, qualquer mecanismo de reacção ao dispor dos arrendatários, sejam eles pessoas físicas, sejam empresas, ou como no caso dos autos, uma pessoa colectiva que é uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos.

  9. Os tribunais não podem a continuar a legitimar leis que deixam sem qualquer protecção quem mais precisa de ser protegido, como esta, que é uma lei demasiado má e demasiado mal feita, demasiado injusta para ser aceite, num país onde, aparentemente, as expectativas do povo pouco ou nada valem face ao arbítrio de um legislador perdido na defesa de interesses privados, sonegando toda e qualquer tutela a todos os que estejam numa posição mais desprotegida, deixando “rédea solta” a uma situação social cada vez mais calamitosa, ao que a crise financeira e económica não será alheia, mas as soluções legais, totalmente despropositadas e desproporcionais, também não o são.

  10. O regime instituído pela Lei n.º 31/2012, aplica-se, assim, às relações jurídicas de locação “já constituídas” que subsistiam “à data da sua entrada em vigor” (em conformidade com o que se prescreve na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil), tratando-se, por conseguinte, de uma norma retrospectiva - ou, se se preferir, de um caso de retroactividade inautêntica - que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 232/91, vol. 19.º, pp 341 e segs).

  11. Tal lei, ao permitir aumentos de renda na ordem dos 3000%, suscita a questão da eventual violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, que “garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica [...].”, ao atingir “de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm que respeitar”, (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/91, publicado nos Acórdãos citados, vol. 19.º, pp 143 e segs.), ou seja, “a ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica” (cf. citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/91), tal como sucede, sempre que os destinatários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas que a lei afecte de forma “inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa”.

  12. De acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/91, "uma norma retrospectiva só deve ser havida por constitucionalmente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada, pelo que as normas contidas no Título II da lei 6/2006 (NRAU), introduzidas pela Lei 31/2012, que permitem um inusitado aumento de renda de 3000%, de 65€, para 1650€, são inconstitucionais, por afrontar e violar o princípio da segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica, e bem assim, o princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

  13. Em suma, a proporcionalidade e a protecção das legítimas expectativas geradas por 70 anos de execução de um contrato, não está garantida através do regime transitório que obriga à fixação do valor da renda por referência ao valor matricial do prédio, uma vez que tal regime, permitiu, no caso concreto, um aumento da renda na ordem dos 2500%. Caso contrário, sugere-se a V. Ex.ª que elaborem sumário, para publicação, do qual resulte que um aumento de renda de 2500% não fere o princípio da proporcionalidade e o princípio do Estado de Direito na sua dimensão normativa de protecção das expectativas.

  14. A pessoa que assinou as cartas remetidas pela Ré, MG, não tem poderes para representar a sociedade Ré, porquanto não é administrador da Ré, nem indicou, ao menos, qual a qualidade em que assinou as referidas cartas, razão pela qual, a A. invocou p) O NRAU exige claramente a forma escrita para as propostas de alteração contratual ali previstas. O nº 4, do artigo 260° do Código das Sociedades Comerciais, obriga à intervenção da Administração da sociedade anónima Ré, com aposição de assinatura(s) para representação da sociedade, quando estão em causa actos cuja forma legalmente prevista seja a escrita; E o art.º 252º do Código das Sociedades Comerciais, no seu nº 6, não exclui que a gerência possa “nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados...

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