Acórdão nº 836/14.5YRLSB-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução02 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Em 27/08/2014, foi detido pela PJ[1] o Requerido XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 26), em face da existência de MDE emitido pelas autoridades judiciárias da Itália.

O Requerido foi ouvido neste tribunal em 28/08/2014 (cf. acta de fls. 26/29), tendo-se oposto à execução do mandado e declarado não prescindir do benefício da regra da especialidade.

Nesta diligência, foi proferido despacho que julgou válida a detenção e determinou que o Requerido aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva e concedendo o prazo de 10 dias, para a dedução da oposição.

Em 23/09/2014, o Requerido deduziu a sua oposição a fls. 93/123, nos seguintes termos: “…INTRODUÇÃO O Estado Italiano emitiu em 19.10.2013, um MDE contra o ora requerido.

Resulta assim, deste MDE, que o requerido tem ainda a cumprir uma pena de 13 anos e 12 dias de prisão em cumprimento da sentença 3419/02 do Tribunal da Relação de Turim, proferida no processo 1891/01 RGNR, por factos praticados entre 1995 e 1997, e que transitou em julgado no dia 6.11.2007 no Tribunal Supremo Italiano.

APLICAÇÃO DO REGIME DO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Âmbito Temporal Salvo sempre o devido respeito por posição diversa, é firme convicção do requerido que tendo em conta o momento da prática dos factos, não é possível ao Estado Italiano lançar mão do instrumento implementado pela decisão quadro 2002/584/JAI.

Na verdade, como indica o MDE, os factos foram praticados entre 1995 e dia 17 de Maio de 1995.

O artigo 32º da DQ 2002/584/JAI dispõem o seguinte: Artigo 32º Disposição transitória 1. Os pedidos de extradição recebidos antes de 1 de Janeiro de 2004 continuarão a ser regidos pelos instrumentos em vigor em matéria de extradição. Os pedidos de extradição recebidos a partir de 1 de Janeiro de 2004 serão regidos pelas regras adoptadas pelos Estados com a presente decisão-quadro. Todavia, qualquer Estado-Membro pode, no momento da aprovação da presente decisão-quadro, fazer uma declaração indicando que, enquanto Estado-Membro de execução, continuará a tratar de acordo com o sistema de extradição aplicável antes de 1 de Janeiro de 2004 os pedidos relacionados com factos praticados antes de uma data que especificará. A data em questão não pode ser posterior a 7 de Agosto de 2002. A referida declaração será publicada no Jornal Oficial, podendo ser retirada a qualquer momento.

Ou seja, o n° 1 do artigo 322 da D.Q. 2002/584/JAI conferiu aos estados membros a possibilidade de declararem, no momento da aprovação do instrumento, que apenas aplicariam o regime do mandado com respeito a factos praticados após uma determinada data, a indicar, desde que anterior a 7 de Agosto de 2002.

Foi exatamente o que aconteceu com o Estado Italiano, conforme a declaração que fez constar aquando da aprovação daquela decisão quadro.

Declaração da Itália A Itália continuará a tratar de acordo com as normas em vigor em matéria de extradição todos os pedidos relacionados com factos praticados antes da data de entrada em vigor da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu, tal como previsto no artigo 32.º da mesma.

Não subsistem dúvidas em relação à data do pedido, ocorrido em 18/10/2013, ou seja, após a entrada em vigor da presente lei de transposição da disciplina do mandado de detenção europeu; todavia, o que impede a aplicação dessa normativa é a data da prática dos crimes pelos quais, em virtude do despacho de execução da pena, foi emitido o mandado de detenção europeu.

Trata-se de crimes realizados anteriormente a 1995 até 17.5.1997, data da detenção do arguido.

Por este motivo, na nossa opinião, a disciplina aplicável não pode ser a relativa ao mandado de detenção europeu (decisão-quadro 2002/584/JAI transposta para a ordem interna italiana com a Lei n. 69/2005 e para a lei Portuguesa n.9 65/2003) mas a prevista pelas disposições em matéria de extradição vigentes antes das citadas decisões.

III QUESTÃO RELATIVA AO JULGAMENTO NA AUSÊNCIA Conforme resulta bem claro do ponto 72 da promoção apresentada pelo M2P2 para a execução do mandado de detenção Europeu, a decisão foi proferida na ausência e que o sistema italiano prevê a possibilidade de revisão da pena aplicada e a aplicação de medidas de clemência, pelo que se suscitam duvidas sobre se a pena de prisão foi imposta por uma decisão proferida na ausência, e sobre quais as garantias legais conferidas à pessoa procurada.

Esclarecimentos e garantias que foram solicitadas por despacho proferido no auto de audiência e de acordo com o requerido no ponto c) da promoção do MºPº.

É assim que surge a resposta do Procurador Italiano no Tribunal de Turim a 28.8.2014.

O esclarecimento prestado pela MP italiano é a todos os níveis evasivo, sendo que, além do mais, falha na questão central colocada pelo tribunal da Relação de Lisboa: quais as garantias legais conferidas ao requerido em conformidade com o disposto no art.° 5º n.º1 da DQ 2002/584/JAI e no artigo 4ºA da DQ 2009/299/JAI.

De facto, basta comparar a carta do MP Italiano de 28.8.2014 com o que consta do ponto 3 d) do MDE para se perceber que não responde à questão fundamental e não indica qualquer garantia.

Escreveu-se claramente no MDE – ponto 3 d) – que o interessado não foi notificado pessoalmente ou informado de outro modo da da e do local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, mas são-lhe dadas as seguintes garantias legais após a sua entrega às autoridades judiciárias, sendo certo que logo se diz que estava representado por um advogado de defesa e esteve em prisão preventiva entre 17 de Maio de 1997 até o dia 3 de junho de 1998.

Ora uma coisa parece certa – e isso também parece ter entendido o MP no Tribunal da Relação de Lisboa – o arguido foi julgado na ausência, o que o MDE confirma no seu ponto 3 d), e deve o estado Italiano prestar garantias de revisão da pena e aplicação de medidas de clemência.

Parece claro para o requerido, analisando a carta de 28.8.2014, que o MP italiano quer fugir à questão central: quais as garantias de revisão de pena e de clemência ? Antes, preferiu não dizer, por exemplo, como, e se, entre a data da libertação de 3 de junho de 1998 e 28.11.2012, não obstante os seus advogados terem conhecimento e estarem presentes em julgamento, se foi dado por qualquer meio conhecimento ao requerido da hora e local do julgamento e das decisões posteriores.

É que acreditando no que foi escrito no MDE, ponto 3 d), o requerido, não obstante ter estado preso — veja-se que passaram cerca de 4 anos até à decisão (1998-2002) — e ter sido representado por advogado, não_ foi notificado pessoalmente ou informado de outro modo da data e do local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência.

Sobre isto, a carta do MP Italiano nada diz, e muito menos presta as necessárias garantias.

A decisão proferida na ausência da pessoa não notificada não transita em julgado.

Assim, de acordo com o regime processual português, quando um arguido foi julgado na sua ausência, a sentença não transita em julgado e é- lhe notificada logo que ele seja detido ou se apresente voluntariamente.

Nas situações de impossibilidade de notificar o arguido, a lei impede que o mesmo seja julgado na sua ausência e determina a suspensão dos termos do processo até à apresentação ou à detenção daquele.

Neste caso, foi o que aconteceu, pois o requerido não foi sequer notificado da data e hora do julgamento e nem sequer da decisão, o que, a acreditar no ponto 3 d) do MDE, seria impensável em Portugal.

Conforme dispõem o artigo 13.9 da Lei 65/2003: Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias: a) Quando o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tiver sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor recurso ou de requerer novo julgamento no Estado membro de emissão e de estar presente no julgamento; Tal como decorre deste MDE, foi precisamente assim que aconteceu, a que acresce o facto de a carta de 28.8.2014 do MP italiano não fornecer qualquer garantia adicional.

Neste sentido – embora para a alínea c) do artigo 132 - o acórdão...

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