Acórdão nº 1048/12.8TBPD–G.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelGILBERTO JORGE
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Por apenso aos autos de insolvência de RM e LM e na sequência da declaração de abertura do presente incidente de qualificação da insolvência, veio o Sr. Administrador de Insolvência juntar parecer a que se refere o artigo 188.º n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - na redacção vigente à data da prolação da sentença e anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril (CIRE) - propondo a qualificação da mesma como fortuita por inverificação dos pressupostos legais de que a Lei faz depender para a qualificação como culposa.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa.

Para tanto e em síntese alegou que os devedores não cumpriram o dever de se apresentarem à insolvência no prazo legal o que acarretou aumento do passivo/diminuição do activo e dispuseram de património a favor deles mesmos e de terceiros.

Os devedores deduziram oposição, pugnando pela não qualificação da insolvência como culposa por inverificação dos respectivos pressupostos de direito, genericamente impugnados e, concomitantemente, pela qualificação da insolvência como fortuita.

Nenhum credor se pronunciou.

Notificado da oposição, o Ministério Público sustentou a pronúncia.

Posteriormente, teve lugar a audiência prévia destinada, para além do mais, à discussão de facto e de direito, por se ter entendido que o estado dos autos permitia o conhecimento do mérito da causa face à inexistência de matéria de faco controvertida.

Daí que o Mm.º Juiz a quo tenha decidido nos termos seguintes: “(…) Em face do exposto: 1. Qualifico a insolvência dos devedores RM e LM como culposa; 2. Ficam afectados pela qualificação ambos os devedores, RM e LM; 3. Decreto a inibição do devedor RM, pelo período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses, para administrar o património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; 4. Decreto a inibição da devedora LM, pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, para administrar o património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; 5. Determino a perda de quaisquer eventuais créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por ambos os devedores, RM e LM; 6. Condeno ambos os devedores, RM e LM, na restituição dos bens ou direitos que eventualmente já tenham recebido em pagamento desses créditos referidos em 5; 7. Condeno ambos os devedores, RM e LM, solidáriamente, a indemnizarem os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, em liquidação de sentença.

(…)”.

Inconformados com tal decisão dela os insolventes interpuseram recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os recorrentes apresentaram alegações que sintetizaram do modo seguinte: 1. O presente recurso tem por objecto a sentença que decretou a qualificação de insolvência dos recorrentes como culposa.

  1. Ficará, porém, a interposição do recurso da sentença proferida nos autos prejudicada em caso de vir a ser julgada procedente a declaração de nulidade do despacho que declarou aberta a audiência prévia realizada aos 21.01.2014, consignando aí que “ a falta do Ilustre Mandatário dos insolventes não constitui fundamento para adiamento da diligência pelo que iniciar-se-á de imediato (art. 591.º n.º 3 do NCPC) ” e, consequentemente, de todos os actos processuais praticados a partir da comunicação do impedimento do Ilustre mandatário dos Insolventes.

  2. Com efeito, a audiência teve início por volta das 11:44:32, tendo esta sido declarada encerrada quando eram 11:49:42, sem a presença do ilustre mandatário dos insolventes, quando não existiu uma verdadeira “falta” para os estritos efeitos do artigo 591.º CPC – ausência tout court – mas apenas um atraso do mandatário prévia e tempestivamente comunicado ao tribunal.

  3. De facto, no dia designado para a realização da audiência prévia, o ilustre mandatário dos recorrentes informou a secção que às 10h30 tinha agendada audiência de julgamento na acção de processo sumário n.º 3108/11. 3TBPDL, do 1.º Juízo, à qual iria comparecer e que poderia chegar cerca de 10 a 20 minutos atrasado à diligência dos presentes autos, dando cabal cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 151.º, o que constitui justificado obstáculo ao início pontual da diligência nos termos no n.º 6 do mesmo dispositivo legal.

  4. Ora, o Mm.º Juiz a quo apesar de saber que o mandatário estava presente no tribunal e que, com probabilidade, a muito breve trecho se apresentaria para o início da diligência, no termo de 20 minutos após a hora marcada já a diligência havia sido realizada e encerrada, sem a presença do ilustre mandatário dos insolventes.

  5. Este facto colocou em crise os direitos, garantias de defesa e patrocínio judiciário constitucionalmente previstos (art. 20.º CRP) dos insolventes, o que constitui nulidade processual com influência no exame e decisão da causa, nos termos do disposto no art. 195.º do CPC, estando pendente reclamação sobre a qual o douto tribunal recorrido ainda não se pronunciou. Sem prejuízo do exposto e por mero dever de cautela: 7. Mal andou o Tribunal a quo ao proferir sentença decretando a qualificação de insolvência dos recorrentes como culposa, com fundamento no alegado incumprimento do dever de apresentação à insolvência por parte dos devedores e, ainda, por disposição de património a favor deles mesmos e de terceiros.

  6. O parecer do Sr. Administrador de Insolvência, a que se refere o artigo 188.º n.º 2 do CIRE, foi no sentido da qualificação da insolvência como fortuita, o qual não foi devidamente considerado na sentença “a quo”.

  7. Os devedores eram sócios, sendo o devedor RM gerente da sociedade M Ld.ª, quando a 17.04.2012 se apresentaram à insolvência.

  8. Os devedores prestaram diversas garantias a empréstimos contraídos pela M Ld.ª junto de diversas instituições financeiras, de modo que ambos os recorrentes foram “contaminados” pelas dívidas da sociedade a partir do momento em que esta se viu impossibilitada de cumprir as suas obrigações.

  9. Entendeu, erroneamente, o douto Tribunal a quo que pelo menos desde inícios de 2010 e com maior incidência no ano de 2011, a sociedade e os devedores estavam impossibilitados de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas, estribando esta convicção na pendência de acções executivas às quais não foi deduzido incidente de oposição à execução.

  10. Porém, a pendência de acções executivas e a não apresentação de oposição à execução, não basta para, sem mais, se concluir que os recorrentes se encontravam em situação de insolvência nos anos de 2010 e 2011 e daí que incumpriram com o dever de apresentação à insolvência.

  11. De facto, a sociedade M levou a cabo inúmeras negociações com a banca com vista à reestruturação do passivo e apenas a frustração destas, em inícios de 2012, motivou a apresentação à insolvência em 17 de Abril de 2012 e que veio a ser decretada em 24 de Abril de 2012.

  12. Assim, só após 24 de Abril de 2012, efectivamente e na prática, foram os recorrentes chamados a cumprir a totalidade das obrigações avalizadas junto das instituições financeiras e bancárias – o que representava a quase totalidade do seu endividamento – pelo que apenas, nesse momento se constituiu a situação de insolvência daqueles. 15. O Tribunal a quo não efectuou correcta ponderação do conjunto do passivo e das circunstâncias do incumprimento, não podendo, como fez presumir a impossibilidade de cumprimento, com base no não cumprimento de algumas obrigações.

  13. O incumprimento de algumas obrigações ainda que reveladoras de dificuldades económicas ocasionais podem ser passageiras.

  14. Assim, fez o Tribunal a quo incorrecta aplicação dos artigos 3.º, 238.º n.º 1 al. d) e 18.º do CIRE, porquanto não se verificou o incumprimento do prazo de apresentação à insolvência.

  15. Conforme reconhece o douto Tribunal a quo, a recorrente LM não era titular de empresa, razão pela qual não estava obrigada ao dever de presentação à insolvência, nos termos e para os efeitos do art. 18.º nº 2 do CIRE. 19. Em consequência, e por força do n.º 5 do art. 186.º do CIRE, não poderá a presente insolvência ser considerada como culposa com fundamento no incumprimento do dever de apresentação à insolvência.

  16. Sustenta, ainda, o tribunal recorrido que os recorrentes dissiparam parcialmente bens do seu património e que dispuseram dos mesmos em proveito pessoal ou de terceiro, nos termos aludidos nas alíneas a) e d) do nº 2 do art. 186.º do CIRE.

  17. Porém, os recorrentes não se encontravam em situação de insolvência aquando dos negócios de venda de quinhões hereditários em causa, os quais tiveram por base a compensação de montantes mutuados pelas irmãs dos recorrentes.

  18. Por outro lado, as dividas que ditaram a sua situação de insolvência resultaram das garantias prestadas a favor da sociedade M pelo que não é possível, sem mais, afirmar que os recorrentes actuaram com dolo ou culpa grave.

  19. Fez ainda o Tribunal a quo incorrecta interpretação da alínea a) e d) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE uma vez que partindo de uma interpretação literal da norma, não pode concluir-se que a venda do quinhão hereditário configure um acto de destruição de bens, inutilização...

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