Acórdão nº 6645/10.3TXLSB-Q – 3. de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o recluso P…; I - RELATÓRIO: 1. Em 13 de Outubro de 2014 foi proferida nos autos principais uma decisão[1] de não concessão de liberdade condicional ao arguido acima identificado, atualmente recluso.

  1. Inconformado com tal decisão, o arguido acima identificado interpôs recurso da mesma, terminando a motivação com um conjunto de conclusões que podem ser sintetizadas nos seguintes termos: O recorrente encontra-se a cumprir sucessivamente as penas de 8 anos de prisão efectiva por abuso sexual de criança e 120 dias de prisão subsidiária, pela prática de ofensa à integridade física simples.

    O cumprimento do meio da pena deu-se em 26 de Março de 2013.

    O cumprimento dos dois terços da pena deu-se em 24 de Julho de 2014.

    A concessão da liberdade condicional por cumprimento do meio da pena foi indeferida.

    A concessão da liberdade condicional por cumprimento dos dois terços da pena foi indeferida.

    O Recorrente não se conforma com esta decisão, que salvo o devido respeito, é ilegal por incorrecta apreciação dos factos e aplicação do direito.

    Beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, que passou na "REMAR".

    O recorrente deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional.

    Desde o início do cumprimento da pena efectiva que exerce actividade laboral na oficina dos componentes eléctricos, sendo assíduo e responsável na execução das tarefas laborais.

    Frequentou em 2010, os cursos de "Formação Social e Humana" e "Educação para a Cidadania".

    Frequentou voluntariamente o programa de Intervenção direcionado para agressores sexuais.

    Frequenta o ginásio de musculação e cardiofitness.

    Tem mantido o apoio por parte da mãe e do padrasto.

    Projecta trabalhar na "REMAR" como motorista, como já o fez anteriormente.

    Tem uma declaração de empregabilidade como motorista na empresa "V…" empresa do ramo cabeleireiro.

    Assume a prática dos crimes, interiorizando a gravidade dos mesmos e a sua responsabilidade.

    No caso, estão reunidos os requisitos objectivos estabelecidos quanto às condições mínimas de cumprimento da pena, ou seja, o recorrente já cumpriu dois terços da pena.

    Também quanto aos requisitos substanciais, mormente quanto à prevenção especial onde se valora "...no facto do recorrente só muito recentemente vem verbalizando um verdadeiro sentido crítico relativamente aos crimes de natureza sexual por si cometidos.", entendemos que foi valorizada em excesso, violando o disposto no art. 61° do C.P..

    Na verdade, ao colocar o cerne do indeferimento da liberdade condicional no facto do recorrente só muito recentemente ter revelado um verdadeiro sentido crítico relativamente aos tipos de crimes que foi praticado, a decisão recorrida foi mais além da letra e do espirito da lei, porque o referido artigo não faz depender a concessão da liberdade condicional do tipo de crime praticado pelo agente ou de ter um verdadeiro sentido crítico relativamente aos mesmos.

    O que a lei dispõe é que é importante que o recluso seja capaz de conduzir a sua vida, logo que restituído à liberdade, de forma socialmente responsável, compatível com os valores da ordem pública e da paz social.

    Pelo que houve uma incorrecta apreciação de facto e clara violação do disposto no art. 61° do C.P..

    Em suma, nos presentes autos ficou provado que o recorrente reúne os requisitos objectivos e substanciais para lhe ser concedida a Liberdade Condicional.

  2. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público[2] junto do Tribunal a quo apresentou contra-alegações, de forma fundamentada, concluindo pela sua improcedência, na medida em que a decisão recorrida não apresenta qualquer dos vícios apontados pelo recorrente: O recorrente viu ser-lhe negada, pela decisão de que recorre, a concessão da liberdade condicional cumpridos que são os dois terços da pena.

    A concessão da Liberdade Condicional aos dois terços da pena depende da verificação do seguinte requisito de natureza substantiva "For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" (vd., al. a), do n.° 2 do art. 61.°, ex vi do n.° 3, do mesmo artigo).

    Este requisito reporta-se e assegura finalidades de prevenção especial positiva, a qual, em essência, visa a reintegração do agente na sociedade, associada à ideia de que a pena é um instrumento de actuação positiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro ele cometa crimes.

    Na concessão de liberdade condicional o julgador faz um juízo de prognose favorável de que, em liberdade, o recluso orientará a sua vida de forma fiel ao direito e às regras de vivência em sociedade Neste juízo de prognose entram vários factores de ordem material, como sejam a) As circunstâncias do caso (natureza do crime praticado e factores ponderados na determinação da medida concreta da pena); b) Vida anterior do agente - Antecedentes criminais; c) Personalidade do recluso - antes e durante a execução da pena, sua evolução através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre; d) Execução da pena (devendo ter-se em conta não só os padrões de boa conduta - ausência de sanções disciplinares, empenho no trabalho/actividades/programas - como também a consciência do condenado em relação ao crime cometido).

    Donde, no caso concreto, temos a considerar que o recorrente: a) cumpre as penas em que foi condenado pela prática de três crimes de abuso sexual de criança cometidos entre os meses de março e abril de 2008, nas circunstâncias descritas no acórdão proferido no processo n.° 906/08.9PCSNT, da Comarca da Grande Lisboa Noroeste - Sintra - Juízo de Grande Instância Criminal - l.a secção - Juiz 1 (fls. 57 a 179), e de um crime de ofensa à integridade física, no qual foi condenado, por sentença transitada em julgado em 31 de julho de 2008, na pena de 180 dias de multa que não pagou, tendo sido convertida em 120 dias de prisão subsidiária, por despacho de 23 de outubro de 2010 (fls. 193-194); b) foi condenado nos processos n.°s 1194/00.0GCALM, do 3.° Juízo de Competência Criminal de Almada, pela prática de crime de detenção de arma proibida (fls. 316), 223/03.OPDAMD, do 5.° Juízo Criminal de Lisboa - 2.a Secção, pela prática de 1 crime de desobediência (fls. 319); c) As condenações sofridas revelam uma personalidade com dificuldade em se reger pelas normas do direito e pelas regras sociais comummente aceites; durante a execução da pena o ora recorrente iniciou a frequência do programa destinado a agressores sexuais em outubro de 2013 com termo em outubro de 2014, mas em agosto de 2014, aquando da realização do relatório da DGRS, ainda evidenciava reduzida consciência crítica face às duas vítimas dos crimes de abuso sexual de criança, desculpabilizando-se com o facto de ter consumido bebidas alcoólicas em excesso, sendo que, apenas à aproximação da realização do Conselho Técnico, no dia 2 de outubro de 2014, para apreciação da concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, deu sinais de começar a interiorizar a gravidade destes crimes e a sua responsabilidade, revelando uma personalidade imatura a carecer de consolidação da interiorização do sentido da pena; o recorrente é também detentor de uma personalidade marcada por altos níveis de ansiedade que determinam o seu acompanhamento psiquiátrico e medicação; beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, bem sucedida, concedida em 27 de março de 2014, todavia no dia 15 de julho de 2014 foi-lhe negada uma outra licença com fundamento em sério receio de insucesso e falta de condições logísticas na habitação onde a pretendia gozar (fls. 17 a 21 do Apenso M e 402 v.°); d) No meio prisional, está ininterruptamente privado da liberdade desde 27 de maio de 2008 (fls...

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