Acórdão nº 295/04.0TBSSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa … propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra …l, Herança …, e ….

Pediu a sua condenação solidária no pagamento de 75.000,00€, a título de danos não patrimoniais, de 30.758,72€ a título de danos patrimoniais e de 198.300,00€ a título de lucros cessantes, perfazendo a quantia total de 304.058.72€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Alegou, em síntese: no dia 30.04.2001 sofreu um acidente de viação quando circulava como passageiro no veículo propriedade da R …, conduzido pela falecida nesse acidente,…; nessa altura o veículo não tinha seguro que garantisse a responsabilidade civil emergente da sua circulação, pelo que aquela é solidariamente responsável com o 1ºR pelo ressarcimento dos danos sofridos por si na sequência do acidente; porque o acidente se deveu à culpa da falecida …, a respectiva herança é também solidariamente responsável pelo ressarcimento dos danos; e os danos são avaliáveis segundo o pedido.

Tendo sido chamado o …, nos termos dos artºs 1º e 3º do DL nº 59/89 de 22.02, o mesmo requereu o reembolso do montante pago a título de subsídio de doença de 5.760,52€, acrescido dos juros legais desde a data da notificação até integral pagamento.

O 1º R e a 2ª R contestaram.

O 1ºR, em súmula, alegou: desconhecimento de factos; nos danos patrimoniais futuros, deverão sempre ser descontados os montantes que o A já recebeu da Segurança Social; verificava-se excepção da confusão ante o facto do A ser proprietário do veículo, embora registado ainda em nome da anterior proprietária, 3ª R; a condução do veículo pela falecida era no interesse do A, logo não lhe assistindo o direito a ser indemnizado; e é parte ilegítima, por apenas estar acompanhado da herança jacente por morte da condutora, já que o proprietário que incumpriu a obrigação de segurar deve ser demandado solidariamente consigo.

A 2ª R, alegou, genericamente: a falecida condutora não deixou quaisquer bens; o A era o proprietário do veículo conduzido pela falecida, que o conduzia segundo as suas instruções; sobre ele impendia a obrigação de segurar o veículo; e o contrato de seguro garantindo apenas os danos causados a terceiros e não aos detentores e condutores do veículo, não lhe assiste o direito de ser indemnizado.

O A respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência, pelo que negando que fosse o proprietário do veículo.

A 3ª R Sandra Canas foi julgada parte ilegítima.

Proferido despacho saneador, julgou-se o 1º R parte legítima relativamente ao pedido da chamada e seleccionou-se a matéria de facto assente e a base instrutória que foram reclamadas, na sequência do que ordenou-se, respectivamente, o aditamento de uma alínea e uma base.

Procedeu-se a audiência de julgamento.

Proferida sentença em 14.01.2014, decidiu-se a matéria de facto e julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se os RR dos pedidos.

O A recorreu, recurso admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Extraiu as seguintes conclusões: I - A recorribilidade da decisão ora em crise, tem por único fundamento a improcedência total do pedido indemnizatório deduzido conta os Réus, no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação.

Em síntese, são os seguintes os fundamentos do recurso: II - A sentença enferma das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d), do n.° 1, art. 615.°, do CPC, porquanto: a) a fundamentação da decisão é ininteligível e contraditória, já que o tribunal considerou válido o registo automóvel a favor de Sandra Margaridas Canas, bem como o negócio que lhe serviu de base, concluindo igualmente que o Autor era o proprietário da viatura registada.

  1. o tribunal não apreciou os factos alegados pelas partes - arts. 57.º a 63º e 66.º a 68.º, da base instrutória -, e, por outro lado, fundamentou a decisão em factos que não haviam sido alegados, violando os princípios do contraditório e inquisitório.

  2. apesar da falta de pronúncia aos factos invocados pelas partes, o tribunal considerou-os provados, sem no entanto fundamentar a decisão.

  3. o tribunal não se pronunciou quanto ao incidente suscitado pelo Autor a fls. 697 e 698, relativo à admissibilidade da prova documental junta a fls. 688 a 692, 699 e 700, tendo no entanto firmado a sua convicção com base na mesma, em violação do disposto nos nº 1, do art. 446.°, e n° 2 e 3, do art. 449.°, do CPC.

    III - Quanto à matéria de facto: a) o tribunal errou no julgamento dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, dos Factos Não Provados, ao ignorar as declarações que constavam da participação de acidente a fls. 29 e 30, e o depoimento testemunhal de ….

  4. na verdade, as regras da experiência, os raciocínios lógicos e as presunções judicias, seriam suficientes para ajuizar qual o sentido de marcha da viaturas e manobras realizadas, devendo considerar-se provados os referidos factos.

  5. acresce que, verifica-se uma contradição entre o ponto 9, dos Factos Provados e o ponto 3, dos Factos Não Provados.

  6. o tribunal errou no julgamento dos pontos 55, 56, 57, 58, 59 e 60, dos Factos Provados, ao fazer uma interpretação enviesada da prova, ignorando os meios probatórios oferecidos pelo Autor e valorando outros, em violação das regras processuais de direito probatório, pelo que os mesmo devem considerar-se não provados.

  7. o mesmo ocorrendo em relação aos pontos 9, 10 e 11, dos factos não provados, que, em razão da prova produzida no processo, devem considerar-se provados.

  8. o tribunal incorreu numa nulidade processual, pois tendo admitido que houve confissão do depoente, só poderia fundamentar a sua convicção na declaração confessória, se a mesma tivesse sido reduzida a escrito, o que não sucedeu, em violação do disposto no n.° 1, do art. 463.°, do CPC.

  9. ademais, os factos alegadamente confessados pelo Autor, implicavam a indivisibilidade da declaração confessória, pelo que sempre teria o depoimento de ser reduzido a escrito, nos termos da 2.ª, parte, do n.° 1, art. 463.°, do CPC e do art. 360.°, do CC.

  10. outra das nulidades processuais, consistiu no facto do tribunal não ter-se pronunciado quando à admissibilidade da prova documental de fls. 688 a 692, 699 e 700, na sequência do incidente suscitado pelo Autor, ao abrigo do n.° 1, do art. 446.°, do CPC, tendo no entanto fundamentado a sua convicção nesses documentos, o que não poderia ter feito, já que considerou provada a condição de analfabeto do Autor, em violação do disposto no n.° 2 e 3, art. 449.°, do CPC e n.° 3, art. 373.°, n.° l, art. 376.°, do CC.

  11. consubstancia igualmente uma nulidade processual, o conhecimento pelo tribunal de factos que não constavam da base instrutória e que julgou essenciais para decidir a questão da propriedade da viatura acidentada, a saber o facto do contrato de empréstimo para aquisição da viatura e a conta bancária para pagamento do mesmo, serem da titularidade do Autor, estando este na posse das chaves e documentos do automóvel, apesar de terminada a relação com a Sr.ª Sandra Canas.

    IV - quanto à matéria de direito: j) o tribunal errou ao decidir que não ficou provada a culpa da condutora falecida Fernanda Teixeira, uma vez que o auto de participação de acidente, as regras da experiência e aos raciocínios lógicos, bem como às presunções judiciais (art. 349.° e 351.°, do CC, permitiam concluir que o acidente foi da exclusiva responsabilidade da condutora do veículo 41-12-BD.

  12. além de que, a não ficar provada a culpa da condutora, ainda assim a mesma seria responsável pelos danos, no âmbito da responsabilidade pelo risco, art. 503.°/1, do CC.

    1) o tribunal errou ao considerar ilidida a presunção decorrente do registo automóvel, sem que os Réus tivessem pedido a nulidade do registo ou a invalidade do negócio, e, simultaneamente, o respectivo cancelamento, salvaguardando desse modo a conformidade entre a publicidade registal e a titularidade efectiva do direito inscrito.

  13. os Réus só poderiam afastar o valor probatório pleno da presunção legal e dos documentos autênticos, arguindo e provando a sua falsidade (art. 347.° e n.° 1, do art. 372.°, do CC , o que não lograram fazer.

  14. não tendo sido invocada a invalidade do contrato de compra e venda, a propriedade do veículo (ou do direito real de aquisição, visto que estarmos perante uma compra e venda a prestações, com reserva de propriedade), pertencia à Sr.ª Sandra Canas, na qualidade de compradora, por força do disposto nos arts. 879.°, alínea a) e 409.°, do CC.

  15. portanto, foi na qualidade de compradora que a Sra Sandra Canas requereu o registo de propriedade, conforme resulta da declaração verbal de compra e venda a fls. 681 e 682.

  16. pelo que, inexistindo qualquer acto jurídico que legitimasse a aquisição originária ou derivada do direito de propriedade pelo Autor, nunca poderia este ser considerado proprietário da viatura, para mais existindo cláusula de reserva de propriedade a favor do Banco Banif S.A.

  17. com efeito, o Autor não actuava como proprietário, já que não utilizava a viatura nem disponha dela, e mesmo que resultasse provado (o que não sucedeu) a posse das chaves e dos documentos, bem como a titularidade do empréstimo para aquisição, ainda assim, estaríamos perante uma situação de posse ou mera detenção, r) pelo exposto, deveria o tribunal ter decidido de acordo com o ónus da prova, assente na presunção legal derivada do registo e na força probatório da certidão registal, considerando que a propriedade da viatura pertencia à Sra Sandra Canas, pelo que incorreu na violação das disposições arts. 344,°/l, 347.°, 350,°/l, 363.°/2, 371,°/1, 372.°/1, todos do CC, art. l.° e 29.°, do DL 54/75, de 12/02.

  18. o tribunal errou ao decidir que o Autor não poderia ser considerado terceiro lesado, em virtude de ser o proprietário da viatura e a pessoa obrigada a celebrar o contrato de seguro automóvel.

  19. com efeito, tratando-se de compra e venda de automóvel, com reserva de propriedade, a obrigação de segurar impendia sobre o...

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