Acórdão nº 414/12.3TVLSB.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelGOUVEIA BARROS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção): Maria D., com domicílio na Rua … em …, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário contra A. R. F., viúva, pedindo que, com o reconhecimento do direito de propriedade, se condene a ré a restituir-lhe o rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Rua X, em …e se condene a ré a pagar-lhe uma indemnização pela ocupação do mesmo, não inferior a €750,00 mensais a contar da citação e até à restituição efetiva do imóvel.

Alega para tal e em síntese que é dona do referido andar o qual foi dado de arrendamento, em 1940, a M. F., falecido em 1969, tendo-se transmitido o arrendamento à viúva do inquilino, E. F., falecida, por sua vez, em 1983.

Com o decesso da mencionada inquilina o contrato de arrendamento transmitiu-se para o seu filho, A. P. F. que, por sua vez, faleceu em 29/03/2002, no estado de casado com a ora Ré.

Assim, alega a autora, o contrato de arrendamento caducou com o falecimento de A. P. F., carecendo a demandada de título que legitime a ocupação que vem fazendo do identificado rés-do-chão.

Alega ainda que não obstante ter sido interpelada a devolver as chaves do andar, a ré não o fez, o que causa um prejuízo à autora de €750,00 mensais, valor que corresponde ao mínimo de renda que poderia obter se desse de arrendamento o andar em causa.

Contestou a ré para dizer, em síntese, que a presente ação se configura como uma verdadeira ação de despejo e não de reivindicação e, assim sendo, o direito da autora prescreveu em face do disposto no nº1 do artigo 65º do RAU, dado que a autora tomou conhecimento do decesso do anterior inquilino logo quando o mesmo ocorreu, em 29/3/2002.

Por outro lado, alega que a autora, após ter tomado conhecimento de tal falecimento, reconheceu-a como locatária, fazendo-lhe saber que podia continuar a habitar no locado, mediante o pagamento da mesma renda que era paga pelo inquilino falecido.

Replicou a autora para sustentar a propriedade do meio processual empregue e para impugnar o invocado conhecimento da morte do inquilino e o alegado reconhecimento da ré como inquilina, pugnando pela improcedência das exceções e reiterando causa de pedir e pedido.

Por despacho tabelar de fls 120 e seguintes foi conferida a regularidade formal da instância e julgada improcedente a exceção de prescrição, selecionando-se a matéria de facto com interesse para a decisão de mérito.

Discutida a causa, foi a final proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a entregar à autora o andar reivindicado e a pagar à autora “uma indemnização pela ocupação da referida fração, no valor de €400,00 mensais, ao qual deve ser descontado o valor pago pela ré como contraprestação pelo uso da fração, desde 24-02-2012 até à efetiva restituição do imóvel”.

** Após a prolação da sentença foi dada notícia nos autos do falecimento da Autora, ocorrido em 25 de Setembro de 2013, sendo requerida a habilitação pelos seus sucessores, com base na escritura de fls 215/216, vindo a ser proferida sentença a julgar habilitados os sobrinhos da falecida, para em sua substituição prosseguirem os termos da causa.

** Inconformada com a decisão, recorreu a ré para pugnar pela revogação da sentença, louvando-se nas seguintes razões: 1. Com o devido respeito, não apreciou convenientemente a prova a Meritíssima Juíza “a quo” no que respeita ao facto 15 dos factos provados e ao facto 5 dos factos não provados.

  1. Com efeito, referiu a primeira testemunha da Autora, AC, que quando se deslocou ao locado não entrou em todas as divisões, sendo certo que quem lhe abriu a porta foi a bisneta C. T.

    Mais referiu, quando inquirido pela Mandatária da Ré que não podia afirmar que a Ré não se encontrava em casa, mas apenas que não a havia visto. Igualmente referiu que se deslocou à wc por causa de umas infiltrações e que não entrou, por exemplo, nos quartos.

  2. Referiu ainda, que em outra ocasião, se deslocou ao locado tendo sido atendido pela Ré e que esta lhe referiu ter um pouco de pressa porque iria sair.

  3. Ora, o facto desta testemunha não haver visto a Ré, não significa que a mesma não esteja no locado!!! 5. E mais, o facto da Ré se ausentar não quer dizer que ali não habite.

  4. O cidadão comum viaja, visita familiares, vai a estabelecimentos de saúde, etc, etc, etc., e quando de avançada de idade fá-lo acompanhado de seus familiares.

  5. A segunda testemunha da Autora, pessoa também de alguma idade, João Lopes, referiu que ainda há dias que havia visto a Ré no locado.

  6. Por fim as testemunhas da Ré NP foram consentâneas e credíveis de que a Ré habita no locado, sendo certo que acompanhada por familiares, principalmente a neta C. T., e sendo certo também, que pela sua avançada idade e estado de saúde (praticamente cega) passa alguns períodos de tempo em casa de sua filha no Alentejo.

  7. Dúvidas não podem restar de que a Ré habita o locado, sendo certo que na companhia de sua bisneta C. T., mas isto nada tem de ilícito, como igualmente nada tem de ilícito passar temporadas em casa de sua filha quando se encontra mais debilitada ou quando a sua bisneta não a pode acompanhar em Lisboa.

  8. Por essa razão não deveria constar no facto 15º dos factos provados que a Ré habita em ..., mas antes que a Ré habita em Lisboa na companhia de sua bisneta C. T., desaparecendo consequentemente o facto 5º dos factos dados como não provados.

  9. O que é aliás compreensível atendendo à sua avançada idade.

  10. E nem tal constitui fundamento de despejo.

  11. É verdade que a transmissão do arrendamento só opera em um grau, exceto se a primeira transmissão for para o cônjuge, mas não menos verdade será que os mesmos pressupostos que estão na base dessa doutrina são exactamente os mesmos que aplicam ao caso concreto.

  12. Isto é, ao dizer-se que a primeira transmissão do primitivo arrendatário para o cônjuge não conta como tal, está subjacente a ideia de que o arrendamento é, no fundo, do casal, e por isso é que qualquer acção de despejo, independentemente de quem figure como titular do contrato, deve ser sempre intentada contra o cônjuge também, sob pena de ilegitimidade e de impossibilidade de execução do despejo.

  13. Do mesmo modo, não se poderá pensar de forma distinta, já que A. P. F. era à data da morte de sua Mãe casado com a Apelante (Ré).

  14. É pois defensável e de acordo com os princípios gerais de direito e até com o espirito da lei dizer-se que esta transmissão não conta, ou melhor que não é uma verdadeira transmissão, já que a transmissão para A. P. F. foi no fundo feita para o casal, ou seja para a Apelante também.

  15. De outra maneira, não existiria qualquer segurança nem qualquer tutela para este tipo de situações, sendo que “os viúvos” teriam que no fim da vida procurar outro lugar para viver distinto daquele onde teriam vivido todo o matrimónio, como é o caso.

  16. Temos pois, que, com o devido respeito por opinião diversa, dizer que a Ré é legítima arrendatária do imóvel a que se reportam os autos por haver sucedido no arrendamento de seu marido.

  17. E mesmo que assim se não entendesse.

  18. Seguindo o ensinamento do Professor Menezes Cordeiro in “Do Abuso do Direito: Estado das Questões e Perspectivas”, que se passará a citar, dir-se-á então o seguinte: 21. Os comportamentos típicos abusivos são: venire contra factum proprium; inalegabilidade; suppressio; tu quoque; desequilíbrio.

  19. No caso em apreço interessa abordar o comportamento abusivo típico da inalegabilidade.

  20. Segundo o Professor Menezes Cordeiro “(…) a inalegabilidade exige, à partida, os pressupostos (os quatro) da tutela da confiança, tal como vimos a propósito do venire; 24. - além disso, temos de introduzir mais três requisitos: 1.° Devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas e não, também, os de terceiros de boa fé; 2.° A situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a responsabilizar; 3.° O investimento de confiança deve ser sensível, sendo dificilmente assegurado por outra via.(…)” 25. Podemos afirmar que casos típicos deste instituto são os seguintes: - aqueles em que o senhorio teve um comportamento censurável no sentido de induzir o arrendatário a celebrar o contrato sem observar o formalismo legal, com vista a posteriormente vir invocar a sua invalidade formal; - aqueles em que o senhorio assegurou ao inquilino que nunca invocaria aquela invalidade, criando neste a confiança de que não seria feita tal invocação e, consequentemente, levando-o a fazer investimentos com base na validade do contrato; - aqueles em que, atento o tempo de execução especialmente duradouro do contrato, se criou uma situação de confiança tutelável pelo instituto do abuso de direito, ao gerar nas partes, nomeadamente no inquilino, a confiança que não seria invocada a invalidade por falta de forma.

  21. Indubitavelmente, estas duas últimas situações são subsumíveis no caso concreto.

  22. O comportamento do Autora, ao intentar a presente ação de reivindicação, não reconhecendo agora a qualidade de arrendatária da Ré, é censurável pela consciência social dominante no sentido de se concluir que está a exercer o seu direito em termos clamorosa e intoleravelmente ofensivos da...

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