Acórdão nº 50/10.9TBSVC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução18 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO O ESTADO ------ intentou contra ANTÓNIO …. residente …., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede a condenação do réu a pagar ao Estado a quantia global de 36 401,00 euros, acrescida de juros vencidos, no valor de 4 172,75 euros e nos vincendos até integral pagamento.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de o réu, durante o exercício das suas funções de …. no Tribunal ……., se ter apoderado de valores que totalizaram 36.401,00 euros, que lhe estavam confiados, depositados na conta bancária do Tribunal e que integravam dotações orçamentais do Tribunal ….

Mais alegou que, pelo facto de o réu se ter apropriado de tais valores, que não lhe pertenciam, deixou por pagar várias facturas correspondentes a fornecimentos de material e serviços prestados ao Tribunal …….

Citado, o réu apresentou contestação, impugnando os factos articulados e excepcionou a incompetência do tribunal, da forma seguinte: (…) 3º No art. 22º da pi é referido pelo A. que: “Contra o réu foi instaurado em 14/01/2008 procedimento criminal, encontrando-se pendente o respectivo processo com o n.º 2.., tendo decorrido mais de oito meses sem decisão e só agora serem conhecidos os danos em toda a sua extensão e quem tem legitimidade para os reclamar.” 4º Contudo, constata-se que no processo-crime que está a correr termos com o n.º ……, em que é Arguido o ora R., foi proferido despacho de acusação no dia 24/07/2009.

  1. Tendo o R. sido notificado da acusação no dia 16/06/2010 (cfr. Proc. n.º …..

  2. Ou seja, se foi proferido despacho de acusação no referido processo-crime no dia 24/07/2009, o A. já estava, nessa data, na posse de todos os elementos necessários para o pedido cível.

  3. O disposto no art. 71º do CPP estabelece a regra da obrigatoriedade de dedução do pedido de indemnização cível no processo penal.

  4. E não se verificando nenhuma das excepções previstas no art. 72º do CPP, há a preclusão do direito de indemnização invocado pelo A.

  5. Contudo, o A. invoca que passaram 8 meses sem decisão e só agora serem conhecidos os danos em toda a sua extensão.

  6. Ora, dispõe o art. 72º do CPP: 1.

    O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; (…) 11º Já o n.º 1 do art. 77º do CPP dispõe que quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.

  7. O certo é que acção cível de indemnização, fundada na prática de factos que constituam crime deve ser deduzida no processo penal.

  8. Assim, o A. deveria ter deduzido o pedido de indemnização cível no respectivo processo-crime que está a correr termos com o n.º …….

  9. Tendo o A. instaurado o pedido de indemnização cível em separado, sem observância das condições estabelecidas no n.º 1 do art.º 72º do CPP, a presente acção não poderá prosseguir, por falta de um requisito de validade, que se reflecte na competência, material do tribunal.

  10. Pelo que deverá ser declarada a excepção dilatória de incompetência do tribunal e, em consequência, deverá o R. ser absolvido da instância.

    Notificado, o autor apresentou articulado de réplica no qual respondeu à excepção invocada.

    No despacho saneador, o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção de incompetência do Tribunal invocada pelo réu, com os seguintes fundamentos: Do vertido nos artigos 3.º a 15.º da contestação que apresenta, a ressalta a invocação, pelo R., da excepção dilatória de incompetência do Tribunal, arreigando-se este no fundamento de se encontrar a correr termos processo crime sob o n.º -------, em que é o mesmo arguido e em que foi proferido despacho de acusação em 24 de Julho de 2009, tendo deste sido notificado em 16 de Junho de 2010.

    Com base em tal, alega que, ao tempo do proferimento do despacho de acusação, o A. estava na posse de todos os elementos necessários para deduzir pedido cível, que, a seu ver, se impunha no processo penal, por obrigatório, em virtude do disposto no artigo 71.º, do Código de Processo Penal, e de não se verificar nenhuma das excepções previstas no artigo 72.º, do mesmo diploma legal, tendo, por isso, precludido o direito de indemnização invocado e pugnado pelo A. Na sua tese, a invocação do A. em sede de petição inicial de que passaram oito meses sem decisão e só agora serem conhecidos os danos em toda a sua extensão, não deverá, pois, constituir argumentação válida face aos normativos adjectivos penais que invoca.

    Replicando à excepção invocada, e reiterando ignorar a extensão dos prejuízos que imputa ao R., o A. sustenta que tendo o inquérito crime referente sido instaurado em 14 de Janeiro de 2008, e volvidos oito meses, em 15 de Setembro de 2008, ainda não ter sido deduzida acusação, o que só veio a acontecer em 27 de Julho de 2009, desde 15 de Setembro de 2008 que cessou a vinculação legal à adesão imposta pelo artigo 71.º, do Código de Processo Penal, razão pela qual é admissível a dedução de pedido cível em separado, não renascendo tal vinculação por via de, entretanto, a acusação se ter antecipado à presente lide.

    A tudo faz acrescer que, também à data, prosseguia contra o R. processo disciplinar que só veio a concluir-se com a respectiva nota de culpa, em momento também posterior à dedução da acusação.

    Termos em que pugna pela improcedência da excepção alegada.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Não obstante as posições extremadas pelas partes na lide, do acervo documental relevante junto à mesma e aludido por ambas sem impugnação, importa considerar a seguinte cronologia fáctica: - Em 14 de Janeiro de 2008, foi instaurado contra o R. procedimento criminal, encontrando-se pendente o respectivo processo com o n.º -----, a correr termos no Tribunal -------- (facto este, aliás, dado o acordo das partes, merecedor de catalogação na matéria de facto assente conforme infra).

    - Em 24 de Julho de 2009, foi proferido despacho de acusação no processo n.º ------ contra o R. (aí arguido).

    - Em 31 de Julho de 2009, ainda prosseguia contra o R. o processo disciplinar n.º -----, instaurado pelos Serviços de Inspecção do ……...

    - O A. deu início à presente lide, com a apresentação em juízo da respectiva petição inicial na secretaria deste Tribunal, em 07 de Maio de 2010.

    - Em 16 de Junho de 2010, o R., enquanto arguido, foi notificado do despacho de acusação proferido no processo n.º ------.

    De acordo com a conjugação exegética dos artigos 71.º e 72.º, do Código de Processo Penal, consagrou-se entre nós o princípio da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, de harmonia com o qual o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no processo penal, mediante o enxerto do procedimento civil na estrutura do processo penal em curso, com a excepção, entre nós consagrada nos artigos 72.º e 82.º, ambos também do Código de Processo Penal.

    Como estatui o artigo 71.º do Código de Processo Penal: “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”.

    E estas excepções são as previstas nos aludidos artigos 72.º (Pedido em separado) e 82.º (Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis), ambos do mesmo Código.

    Da conjugação destes preceitos tem de concluir-se existir no nosso ordenamento jurídico uma adesão obrigatória do mecanismo civil ao penal, nos termos do que a indemnização cível decorrente da prática de um ilícito criminal tem, por regra, de ser conhecida e...

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