Acórdão nº 19875/12.4T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução24 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa .I - A e B, intentaram acção declarativa de condenação sob a forma sumária, contra “C”, pedindo sejam os mesmos condenados a devolver-lhes em singelo a quantia prestada de € 20.000,00, por incumprimento do objecto do acordo, por razões alheias à vontade da R., nos termos da alínea a) da cláusula 5ª , acrescida de juros vencidos e vincendos a contar da data da acção.

Alegam que pretendiam adquirir um lote de terreno que estava integrado num prédio rústico a cuja comercialização de venda a R. procedia, e que esta, visto que esse lote de terreno não estava ainda constituído, sugeriu ao A. que procedesse à reserva desse futuro lote, comprometendo-se ela a proceder ao destaque do mesmo e a desenvolver e aprovar projectos destinados à construção de moradias familiares isoladas. Formalizou então o A. tal intenção de aquisição por escrito, tendo a mesma ficado condicionada à efectivação do destaque do terreno com uma precisa metragem e à celebração da venda a terceiros pela R. de outros lotes de terreno integrados no mencionado prédio, tudo a efectuar no prazo de 24 meses a contar de 22/9/2006, tendo os AA. entregue à R., nesse acto, a quantia de € 20.000,00. Convencionou-se ainda que o “documento de reserva” seria substituído por um contrato promessa de compra e venda logo que o lote que o A. pretendia comprar estivesse inscrito nas Finanças e Conservatória, altura em que a importância entregue passaria a valer como sinal. Porém, o destaque apenas veio a ser concretizado em 16/1/2009, sendo que o terreno destacado apresenta uma dimensão inferior àquela que consta do dito escrito, mais sucedendo que a R. não logrou vender, nem adquirir, os demais lotes de terreno. Alegam ainda que só em 23/9/2010 tomaram conhecimento de que fora aprovado o projecto de arquitectura e o licenciamento da obra, e que a R., sabendo que eles não tinham conseguido financiamento para a aquisição pretendida, e não desconhecendo que não providenciara pela substituição do dito ajuste por um contrato promessa de compra e venda, como naquele se previra, e que o terreno não tinha a dimensão pretendida, interpelou-os para procederem à marcação da escritura pública, tendo ulteriormente, resolvido unilateralmente o acordo em apreço sem que tivesse procedido à devolução do valor que os AA. lhe haviam entregue. Terminam invocando que, mesmo que o incumprimento não possa ser atribuído à responsabilidade da R., ainda assim, esta dever-lhe-ia ter devolvido a quantia de € 20.000,00 prestada por eles, uma vez que o negocio de compra e venda não foi possível de realizar, tal como previsto na al a) da cláusula 5ª.

A R. contestou sustentando que ajustara com os AA. um contrato promessa de compra e venda, pelo que não existiria incumprimento pelo facto de não ter sido proposta a substituição do referido escrito, e que procedeu diligentemente pelo deferimento das licenças e pela inscrição do lote de terreno na conservatória e nas finanças, que a redução da dimensão do terreno se explica pela cedência ao domínio público, facto de que os AA. estavam a par, e que todos os lotes estão vendidos, sendo que o desinteresse dos mesmos pela celebração do negócio deriva do facto de não terem obtido financiamento bancário, o que, aliás, não era condição essencial para a concretização do negócio prometido, pretendendo que a culpa na inviabilização do negócio se deveu aos AA.. Em reconvenção, alegou a falta de pagamento do valor de € 3.000,00 respeitante a um projecto de execução que lhe foi encomendado pelos AA.

Ao AA. responderam impugnando a factualidade aduzida na reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e, tendo sido seleccionada a matéria de facto, veio a ter lugar o julgamento, tendo, após, sido proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido, e igualmente improcedente a reconvenção, absolvendo os AA. do pedido reconvencional.

II – Do assim decidido, apelaram os AA. que concluíram as respectivas alegações, nos seguintes termos: 1. A principal questão controvertida nos autos prende-se com a interpretação das declarações negociais transcritas no ponto n.º 5 dos factos provados.

  1. É consabido que o n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil consagra a teoria da impressão do destinatário, nos termos da qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal lhe daria se fosse colocado na posição do declaratário real.

  2. Como explica Carlos Mota Pinto, “releva o sentido que seria considerado poruma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da eclaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do claratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer” (Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, 1994, pp. 447-448).

  3. No campo dos negócios formais, o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil exige ainda que a declaração prevalente tenha na letra do contrato um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.

  4. Assim, na interpretação da declaração negocial controvertida nos autos, deverá tomar-se em consideração o texto do designado “Documento de Reserva” celebrado entre os Apelantes e a Apelada, transcrito no ponto n.º 5 dos factos provados, mas também a vivência da relação contratual estabelecida.

  5. No que ora interessa, os Apelantes e a Apelada convencionaram, na Cláusula Terceira do “Documento de Reserva”, que “este "Documento de Reserva" será substituído por Contrato Promessa de Compra e Venda logo que o Lote esteja devidamente constituído e inscrito nas Finanças e Conservatória, valendo como sinal, o valor ora aqui instituído e pago com a assinatura do presente documento de reserva” (Cfr. ponto n.º 5 dos factos provados) (sublinhado nosso).

  6. Por outro lado, foi ainda dado como provado que “como o lote de terreno ainda não se encontrava constituído, nem existia, em agosto de 2008, qualquer licença camarária que autorizasse uma construção, a Ré sugeriu aos Autores a possibilidade de aqueles procederem à reserva de um futuro lote de terreno, mediante a entrega de determinada quantia monetária (alínea d) dos factos assentes)” (Cfr. ponto n.º 4 dos factos provados) (sublinhado nosso).

  7. Tendo os Apelantes e a Apelada denominado o acordo entre ambos celebrado de “Documento de Reserva”, o referido nome deverá, também, servir como um lemento a ter em consideração na interpretação do real sentido das declarações de vontade, ainda que não seja vinculativo.

  8. O acordo firmado entre os Apelantes e a Apelada não configura um contrato promessa de compra e venda, desde logo, porque a citada Cláusula Terceira do “Documento de Reserva” estipula que o mesmo seria substituído por um contrato promessa de compra e venda, valendo, nessa circunstância, como sinal o valor pago.

  9. Por outro lado, a conversão automática do referido acordo num contrato promessa de compra e venda, defendida pela ora Apelada em sede de contestação, não seria consentânea com as exigências de forma vertidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do Código Civil, tendo o Tribunal a quo dado como factos não provados que, “aquando da celebração do acordo descrito em 5., Autores e Ré assumiram que quando o lote de terreno se encontrasse registado nas Finanças e na Conservatória do Registo Predial competente, o mesmo passaria, por substituição automática, a valer como contrato promessa de compra e venda”.

  10. Por último, como se reconhece na douta sentença recorrida, os ora Apelantes e a ora Apelada não se vincularam, no designado “Documento de Reserva”, à prolação, no futuro, de declarações negociais de compra ou de venda do lote de terreno controvertido nos autos, tanto mais que, na data da celebração do referido acordo, o lote de terreno em causa não pertencia à ora Apelada, mas à sociedade D, pelo que aquela não poderia prometer vender algo que não lhe pertencia.

  11. Arredada que está a qualificação do acordo controvertido nos autos como um contrato promessa de compra e venda, deverá o mesmo ser qualificado como um “acordo de reserva”, qualificação essa que é consentânea com a denominação dada pelas próprias partes ao acordo, mas também com os factos vertidos no ponto n.º 4 da matéria provada.

  12. Como se refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de fevereiro de 1991, “a reserva, constitui quando muito como que um pré-sinal; no âmbito, não do contrato-promessa, mas das negociações preliminares que, se forem interrompidas por ato culposo de um dos intervenientes pode dar lugar a indemnização para ressarcimento dos danos causados por esse comportamento culposo, nos termos do que dispõe o artigo 227º do Código Civil” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de fevereiro de 1991, disponível em formato digital em www.dgsi.pt).

  13. A quantia de € 20.000,00 entregue pelos Apelantes à Apelada, cuja restituição peticionam nos presentes autos, constitui, quando muito, um “pré-sinal”, entregue a título de reserva de um imóvel.

  14. Pelo contrário, “o sinal pode configurar-se como confirmatório-penal, funcionando como pena convencional no caso de incumprimento culposo da obrigação principal, ou como penitencial, comportando, neste caso, a reserva de um direito de arrependimento de que constitui remuneração ou contrapartida” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de novembro de 2013, disponível em www.dgsi.pt).

  15. A quantia entregue pelos Apelantes à Apelada, no momento da assinatura do designado “Documento de Reserva”, não pode ter – seja qualquer for a perspetiva que se adote – a natureza de sinal, nos termos prescritos no artigo 442.º do Código Civil, porquanto, como se referiu, o sinal funciona como meio de coerção ao cumprimento e assume, em sede de contrato promessa, o valor de verdadeira indemnização prefixada convencionalmente pelo não cumprimento da obrigação de celebrar o contrato definitivo.

  16. Não...

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