Acórdão nº 927/09.4GLSNT.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução24 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

1. No processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, procedente da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra -Juízo de Média Instância Criminal- 2ª secção, Juízo 3, o arguido A...

foi condenado, por sentença proferida em 21/11/2013, como autor material, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelo artigo 108º nº 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, na pena de 3 meses de prisão e na pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 euros, tendo sido substituída a pena de prisão aplicada pela pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 €, ficando o arguido condenado numa pena única de 180 dias de multa à mesma razão diária, num total de 1.080,00 euros.

  1. O arguido, não se conformando com esta decisão, dela veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I. Na douta decisão recorrida os factos provados sob os números 1, 2, 14, 16, 17, 18 e 19 deveriam ter sido dados como não provados. Impõem-se a renovação da prova testemunhal de S... e a reanálise do exame de fls. 80 a 84. O facto provado em 14 traduz-se numa presunção sem suporte probatório. Os factos provados 16, 17 e 19 não tem na sua apreciação qualquer prova, mas antes a explicação de que está enraizada no cidadão comum a proibição de jogos que atribuam dinheiro, sendo certo que não foi feita prova de que o aparelho destes autos atribua dinheiro, pois que do exame de fls. 80 a 84 não se menciona a qualquer mecanismo de atribuição ou distribuição de moedas ou dinheiro em função dos pontos obtidos.

    II. A sentença recorrida violou o artº 108º, nºs. 1 e 2 do DL 422/89, 127º do CPP e artº 374º do CPP.

    III. A sentença recorrida é nula porque utiliza a perícia para qualificar o jogo e a máquina como proibida e ao mesmo tempo usa regras de experiência comum para imputar esse mesmo conhecimento específico ao recorrente, considerando demonstrado o preenchimento do elemento subjectivo do tipo do crime.

    IV.A sentença recorrida é nula remete para um testemunho que em si não é esclarecedor, é pouco claro, incoerente e impreciso, pois resulta da prova produzida em audiência de julgamento total esquecimento dos factos e a ocorrência por banda da testemunha, considerando demonstrado o crime apenas com a conformação da assinatura do auto pelo órgão de polícia criminal, sem mais nenhuma testemunha.

    V. A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar (...).

    VI. A decisão recorrida é nula porque não cuidou de avaliar as condições actuais de vida, profissionais e familiares do recorrente, não existindo relatório social nos autos que acautele esta omissão, para a decisão de direito no que toca à aplicação da pena e ao seu cômputo, pois tal matéria é essencial à justificação da boa decisão da causa em ordem ao cumprimento dos arts. 97º e nº 4 do artº 20º da CRP –encontra-se, por esta omissão, verificado o vício previsto no artº 410º, nº 2, al. a) do CPP.

    VII. A falta do mencionado elemento, determinará a anulação da decisão recorrida e a reabertura do julgamento para essa avaliação e nova decisão de facto, que depois motivará a decisão de direito quanto á medida da pena.

    VIII. Mostram-se violados os arts. 70º e 71º do CP, pois a pena aplicada não teve em conta as condições de vida do recorrente.

    1. Caso assim se não entenda, sempre se dirá que a pena aplicada é exagerada e deverá ser reduzida, pois após a data destes factos o recorrente não teve nova condenação, o que é sintomático de que se encontra conforme com a lei, e tal constitui uma atenuante a ter em conta no cálculo da medida da pena.

    2. A pena aplicada ao recorrente deveria ter-se situado entre próximo do limite mínimo e bem assim a pena de multa deveria ter-se situado nos limites mínimos não devendo ter ultrapassado 50 dias de multa (o recorrente não praticou crimes posteriormente à data dos factos 2009).

    Pelo exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que absolva o recorrente da prática do crime e pelo qual foi condenado ou caso assim não se entenda deve o tribunal ordenar a repetição do julgamento para reapreciação das condições de vida do recorrente a fim de fundamentar a aplicação de uma pena ao recorrente, ou caso assim se não entenda, deve a pena ser reduzida para os limites mínimos”.

    3. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. despacho de fls. 269).

    4. O Ministério Público veio responder ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “1. A máquina apreendida ao recorrente foi alvo de exame pericial, concluindo-se que desenvolvia jogo de fortuna ou azar, uma vez que os resultados das jogadas dependiam exclusivamente da sorte, independentemente da perícia ou destreza do jogador, o qual não tem qualquer tipo resultado final do jogo analisado.

  2. O arguido, como comerciante, explorava o estabelecimento dos autos, pelo que não podia ignorar a ilicitude da sua conduta, ainda que a título de dolo eventual, já que sabia bem o tipo de máquinas que expunha no seu estabelecimento, disso tirando proveito económico, prevendo como possível a ilicitude do jogo, e conformando-se com o resultado.

  3. O jogo desenvolvido pela máquina, descrita nos primeiros pontos da matéria de facto, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos, que depois seriam convertidos em dinheiro, sendo a destreza e experiência do jogador completamente indiferentes para o resultado do jogo.

  4. A máquina apreendida apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, encontrando-se abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, onde se inclui nos jogos de fortuna ou azar.

  5. O facto do agente autuante ter sido confrontado com o Auto de notícia a fim de lhe ser avivada a memória, não torna o seu depoimento menos credível, uma vez que não é exigível a uma testemunha que, no âmbito das suas funções, elabora um auto e nele verte os factos que presenciou em 2009, tenha ainda de memória os pormenores das circunstâncias em que o Auto de notícia foi lavrado, tanto mais se atendermos á frequência deste tipo de fiscalização aos estabelecimentos de restauração. 6. Tendo sido aplicada ao recorrente pena de prisão substituída pela pena de multa, cuja taxa diária foi fixada junto do limite mínimo exigido por lei, pelo que o Tribunal não vislumbrou necessidade de produção de demais prova para fundamentar a opção pela pena não privativa da liberdade e o seu doseamento.

  6. Assim, e porque em momento algum a decisão recorrida violou qualquer normativo legal, tendo decidido de forma correcta, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se aquela decisão, assim se fazendo a costumada Justiça!” 5. Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu o parecer que consta de fls. 284 e 285, concluindo pela confirmação da sentença recorrida, aderindo à argumentação do Magistrado do Mº Pº da 1ª instância, sublinhando que em face da específica natureza e modo de funcionamento da máquina em causa nos autos - detalhadamente descritos na decisão – é inequívoco tratar-se de um jogo de fortuna e azar.

    6. Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, sem que tenha sido oferecida qualquer resposta.

    Cumpre apreciar e decidir.

    * II-Fundamentação.

  7. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal superior tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

    Atentando nas conclusões apresentada as questões colocadas no recurso são as seguintes: -Da nulidade da sentença.

    -Do enquadramento jurídico dos factos.

    -Da medida da pena.

  8. Da decisão recorrida.

    2.1. Para bem apreciar as questões suscitadas, importa conhecer os factos que o Tribunal recorrido considerou provados: “Factos provados: 1.O arguido, em 6 de Junho de 2009, explorava comercialmente o estabelecimento comercial denominado "O ... ", sito na ..., nºs ..., Sintra.

  9. Nesse dia, pelas 15.00 horas, o arguido tinha, para a respectiva exploração, no interior do mencionado estabelecimento, visível e acessível ao público, ligado à corrente eléctrica, uma máquina, sem qualquer designação e sem referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou de série, consistente num móvel tipo portátil, com estrutura em contraplacado, tendo na parte frontal um painel em vidro acrílico.

  10. No lado direito encontrava-se o mecanismo de introdução e de recuperação de moedas de 0,50€, 1€ e 2€.

  11. Na parte frontal, encontrava-se um painel em vidro acrílico, onde se situava um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio, eram identificados pelas legendas 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20, e 200.

  12. No enfiamento de cada número, situava-se um orifício, que se iluminava à...

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