Acórdão nº 21127-A/1980.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução16 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

A sociedade P, S.A.

, instaurou, em 26/05/1998, junto do Tribunal Judicial da Comarca de A..., contra o Município de A…, execução de sentença, com dedução de liquidação preliminar articulada, a pedir o pagamento de uma indemnização no valor 1.233.793.506$00, equivalente a € 6.154.163,00, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da sentença exequenda, decorrente da ocupação ilícita de um prédio da propriedade da exequente desde 1977.

  1. O Município executado contestou aquela liquidação a sustentar, em resumo, que não existe nexo de causalidade entre a ocupação e parte dos danos alegados, impugnando ainda tanto a existência como o valor dos prejuízos alegados, que considera não deverem ultrapassar o montante de 283.350$00, equivalente a € 1.413,34.

  2. Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 313-317), tendo sido efectuada prova pericial.

  3. Realizada a audiência final com a gravação da prova, foi proferida sentença (fls. 993-1006), em 06/06/2013, na qual foi inserida a decisão de facto, sendo julgada parcialmente procedente a liquidação, fixando-se a indemnização global no montante de € 1.533.288,53, correspondente à so-ma de € 1.283.889,59, a título de danos emergentes, e de € 249.398,94, relativos a lucros cessantes, ao que fez acrescer juros de mora, à taxa supletiva para as obrigações civis, desde a citação do executado.

  4. Inconformadas com tal decisão, dela apelaram ambas as partes, formulando as seguintes conclusões: 5.1.

    Por parte do executado Município de A...: 1.ª - O n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 48051, prescreve que mesmo actuando em caso de necessidade as entidades públicas tem o dever de indemnizar os lesados; 2.

    ª - Para apuramento da indemnização devida nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 48051 deve fazer-se apelo aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual; 3.

    ª - Assim sendo, para efeito de determinação da culpa, deve apreciar-se a existência de actuação em caso de necessidade e da exclusividade da culpa; 4.

    ª - Ao caso “sub judice”, era por isso aplicável o disposto no artigo 239.º do CC, dadas as circunstâncias em que o terreno foi indicado, pelo que a sentença assim não o decidindo violou o disposto no n.º 2 do art.º 9.º do DL n.º 48051 e o art.º 339º do CC; 5.

    ª - Na sentença recorrida decidindo que a executada não tinha actuado com mera culpa porque tinha a possibilidade de expropriar e assim indemnizar a exequente, não tomou em consideração que foi considerado provado que tinha diligenciado pela expropriação do prédio, sendo certo, que a competência para a declaração de utilidade pública da expropriação cabia ao Governo e não à executada, o que deveria ter sido considerado para efeitos de apreciação do grau de culpa, o que não tendo sido feito redundou na violação do disposto nos artigo 487.º e 484.º do CC; 6.

    ª - No julgamento por equidade da privação do uso de um prédio, deve atender-se ao valor investido e ao valor de mercado do prédio ocupado; 7.

    ª - Tendo o terreno em causa em 1972, segundo a própria exequente o valor de 6.885.900$00, em 1977, data da ocupação o valor do prédio não diferirá muito do seu valor em 1972, atendendo às circunstâncias do mercado, que como se sabe na data não era florescente; 8.

    ª - A indemnização a fixar por equidade deve atender igualmente ao valor locativo do prédio ou, se esse não poder ser determinado ao juro do capital investido, não havendo por isso de se considerar a fixação autónoma de lucros cessantes; 9.

    ª - Não existe nexo de causalidade entre a situação financeira da exequente e a privação do uso do terreno, como bem o demonstram o despacho de intervenção de 1975 junto aos autos e os contratos de viabilização celebrados, em que o prédio ocupado foi dado de garantia, por fazer parte do património da exequente; 10.

    ª - É excessiva, a quantia de 15.000 contos /ano fixados em indemnização por equidade, em prédio cujo valor é de cerca de 7.000 contos; 11.

    ª - O valor indemnizatório a fixar actualizado, aplicando o princípio da equidade ao caso concreto, não deve ser superior a mais de 1.000 €/ano de ocupação, valor este já actualizado; 12.

    ª - Ao decidir que o valor da indemnização deveria ser fixado em € 1.533.288,53, acrescido de juros, a sentença recorrida violou o princípio da equidade, isto é, o da justiça no caso concreto; 13.

    ª - No julgamento por equidade, o valor da indemnização deve ser o valor actual, isto é, o da data em que a sentença é proferida, sendo devidos juros a partir dessa data; 14.

    ª - Ao condenar a executada em indemnização actualizada e juros a sentença recorrida procedeu a uma dupla condenação, violando o disposto nos artigos 566.º, n.º 3, 804º, n.º 3, e 806.º, n.º 1, todos do CC.

    Pedeo 1.º apelante que seja revogada a sentença recorrida.

    5.2.

    Por parte da exequente “P.”: 1.ª - A executada ocupou, em 1977, um terreno propriedade da exequente devidamente infra-estruturado e licenciado para construção, cujo valor era em 1972 de 6.885.900$00, tendo-o, somente devolvido à exequente em 1999; 2.ª - Nesse terreno estava licenciada a construção de 162 fogos; 3.ª Por não ter podido vender nem onerar o terreno, a exequente teve que, para a sua reestruturação, pedir dinheiro emprestado, tendo pago de juros 514.793.506$00; 4.ª - A necessidade de pedir dinheiro emprestado não foi exclusivamente motivada pela impossibilidade de vender e/ou onerar o referido prédio, sendo, contudo, essa impossibilidade um dos grandes factores para essa necessidade de pedir dinheiro emprestado; 5.ª - Deste modo, não se tendo provado a parte concreta de responsabilidade que há que imputar à impossibilidade de vender e/ou onerar o referido prédio, deve o valor indemnizatório ser calculado em 2/3 do montante de juros pagos pela exequente, que foi no valor de 514.793.506$00, ou seja, na cifra de 343.195.670$00, equivalente a € 1.711.850,00; 6.ª - Por outro lado, não se tendo provado completamente que a licença de construção estava válida aquando da aprovação do PDM por não se ter fixado, de forma indiscutível que as infra-estruturas estavam terminadas aquando da ocupação, é razoável pensar que a indemnização por lucros cessantes decorrentes da privação do uso do prédio, tenha que ser fixada por equidade e determinada, pela privação do seu uso que o mesmo originaria por ano durante os vinte e dois anos da ocupação; 7.ª - No prédio foram instaladas pela executada, casas correspondentes aos 162 fogos que nele se podiam construir; 8.ª - Tendo em conta o período de vinte e dois anos, começado em 1977 e terminado por isso em 1997 – período da valorização máxima dos terrenos – será razoável pensar como um valor de ocupação, por fogo para efeitos indemnizatórios e por cada ano de 60.000$00, o que equivalente a € 300,00, ou seja, 5.000$00 por mês, usando um critério modesto e abaixo da realidade; 9.ª - Deste modo, o valor indemnizatório pela privação do uso do prédio terá que ser calculado multiplicando 60.000$00/ano/fogo por 162 fogos e posteriormente por vinte e dois anos o que totaliza 213.840.000$00, equivalente a € 1.066.630,00; 10.ª - Assim, a indemnização global para execução da sentença deve ser liquidada no montante global de € 2.778.480,00 (€ 1.711.850,00 + € 1.066.630,00), dando assim com este valor cumprimento ao n.º 3 do art.º 566.º do CC; 11.ª - A sentença exequenda transitou em julgado em 18 de Outubro de 1996; 12.ª - A exequente solicitou a condenação da executada em juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado da sentença da acção declarativa (18.10.96); 13.ª - Os juros, nos termos do n.º 3 do art.º 805.º do CC, devem ser contados desde o trânsito da sentença declarativa; 14.ª - Deve assim a executada ser condenada a pagar juros moratórios sobre o montante indemnizatório, atrás apurado, desde 18 de Outubro de 1996, até à data do efectivo pagamento.

    15.ª - A sentença em causa não teve em conta o n.º 3 do art.º 566.º nem o n.º 3 do art.º 805.º ambos do CC Pede a 2.ª Apelante que seja revogada a sentença ora recorrida e substituída por decisão que condene a executada no pagamento da quantia de € 2.778.480,00 acrescida de juros moratórios contados desde o trânsito em julgado da sentença exequenda, ocorrido em 18-10-1996, até efectivo pagamento.

  5. A 2.ª Apelante apresentou contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objecto do recurso Tendo em conta o teor das conclusões recursórias em função das quais deverá ser delimitado o objecto dos recursos interpostos, as questões a decidir circunscrevem-se ao plano jurídico e são as seguintes: A – Quanto à apelação do executado, Município de A...

    : a) – a questão da culpa relativa aos factos de que decorrem os danos em causa; b) – a questão do nexo de causalidade entre a situação financeira da exequente e o dano daí emergente pela privação do uso do terreno enquanto activo financeiro; c) – a questão da determinação da indemnização, a título de lucros cessantes relativos à perda do valor edificativo, pela privação do uso do terreno, d) – a questão do momento da constituição em mora do devedor.

    B – Quanto à apelação da exequente: a) – a questão da determinação dos montantes indemnizatórios arbitrados: (i) - quer a título de danos emergentes derivados da imobilização lucrativa do terreno e das infra-estruturas nele promovidas, enquanto activos financeiros; (ii) - quer a título de lucros cessantes pela frustração da expectativa de edificação no terreno ocupado pelo executado.

    1. – a questão do momento da constituição em mora do devedor.

    Tais questões serão, no entanto, entrosadas e apreciadas pela ordem seguinte: 1.º – A questão da culpa referente aos factos de que decorrem os danos em causa; 2.º - As questões da determinação das modalidades de dano e do respectivo valor, suscitadas por ambos os recorrentes; 3.º - A questão do momento...

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