Acórdão nº 6783-07.0TBALM.L2-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: * RELATÓRIO: I – MLL intentou a presente acção declarativa nos termos do DL 108/2006, de 8-6, contra o Município de A/Câmara Municipal de A.
Alegou a A., em resumo: A A. é rendeira/enfiteuta/cultivadora directa das «Terras de...», sitas na freguesia de..., concelho de Almada, há mais de 40 anos – é enfiteuta/arrendatária por si e seus antecessores, por contrato verbal celebrado há mais de 100 anos - e a R. comprou a chamada «Quinta...», vulgo «Terras ...», por escrituras de 16-11-71 e 17-3-72.
Em 1976 um diploma legal extinguiu a enfiteuse dos prédios rústicos, radicando a propriedade plena no enfiteuta. Os rendeiros das «Terras ...» reúnem todos os requisitos para poderem invocar a enfiteuse por usucapião.
O anterior arrendatário, J..., na courela arrendada fez obras e plantou árvores, mas a A. fez uma horta toda irrigada, produtora de várias espécies agrícolas que a A. vende diariamente nos mercados. O espaço das «Terras de...» que a A. vem explorando tem a área total de 20.845 m2, com uma área de construção de 498,51 m2. As construções de obras ali implantadas ao longo dos últimos 40 anos, obtiveram sempre autorização de implantação por parte do Município, servindo de habitação aos rendeiros e de apoio á sua actividade agrícola.
Concluindo, formulou o A. os seguintes pedidos: 1. Deverá declarar-se ser a A. legítima enfiteuta/rendeira/ utilizadora/possuidora dos seus invocados direitos; 2. Condenar-se o Réu/Município de A/CM A a reconhecer à A. os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o A. na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição.
O R. contestou negando, no essencial, a versão dos factos apresentada pela A..
Foi proferido despacho que absolveu o R. da instância por julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva.
A A. agravou daquele despacho, tendo a Relação de Lisboa negado provimento ao agravo mas, interposto recurso para o STJ, foi revogada a decisão recorrida e determinado que os autos prosseguissem os seus termos posteriores.
Não admitido, porque julgado intempestivo, o requerimento de prova apresentado pelo R.
interpôs este recurso de agravo, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: I. O tribunal "a quo" decide não atender ao requerimento probatório apresentado pela Ré, com fundamento na circunstância de ao presente processo ser aplicável o regime experimental, aprovado pelo Decreto-lei n° 108/2006, de 8 de Junho.
II. A verdade é que o presente processo nunca tramitou como processo experimental de acordo com as regras definidas no decreto-lei n° 108/2006, de 8 de Agosto, com as alterações que entretanto lhe foram sendo introduzidas, em momento algum foram respeitadas as normas legais impostas pelo diploma legal em apreço.
III. O artigo 3°, sob o título "Actos processuais", dispõe "Os actos processuais, incluindo os actos das partes que devam ser praticados por escrito, são praticados electronicamente nos termos a definir por portaria do Ministério da Justiça".
IV. Acontece que no caso vertente, nenhum dos actos praticados pelo Autor foi praticado electronicamente.
V. A maior parte das peças processuais apresentados pelo Autor encontram-se manuscritas, mas ainda assim foram admitidas.
VI. Também as notificações efectuadas pela secretaria foram na sua grande maioria remetidas por correio, julga-se que apenas um ou dois despachos foram notificados por via electrónica, através do citius.
VII. Este regime processual experimental tem em vista acções de pouca complexidade, em que por norma não há sequer a necessidade de seleccionar a matéria de facto, remetendo-se a produção de prova para os articulados das partes.
VIII. Não obstante o disposto no artigo 1° do Decreto-lei n° 108/2006, abarcar a generalidade das acções declarativas cíveis, sem ter em conta outro critério que não esse - que a acção declarativa e cível -, a verdade é que deixa ao Juiz o poder-dever de adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa.
IX. A matéria em discussão e a sua manifesta complexidade impunha que a mesma tramitasse como qualquer acção declarativa civil, e não de acordo com este novo regime, o qual se mostra manifestamente desadequado.
X. Deveria ser declarada a nulidade da maioria dos actos praticados no âmbito do presente processo e em consequência não atender o Tribunal à maior parte dos articulados e documentos juntos aos autos, nomeadamente os apresentados pelo autor; XI. No caso vertente, este regime processual simplificado é manifestamente desadequado, já que não tem em conta as especificidades inerentes à mesma e que não são indiferentes à dinâmica processual e à dialéctica da intervenção das partes.
XII. Em especial no que diz respeito ao momento para apresentação dos meios de prova, na medida em que vincula as partes a, antes de conhecerem os factos a provar, indicar as provas a produzir, as quais, aliás, se poderão tornar inúteis; XIII. Essas questões foram suscitadas em sede de reclamação e com fundamento nas mesmas, requereu-se a revogação do despacho que indeferiu o requerimento probatório apresentado pela ré.
XIV. Requereu-se também que para a presente acção seja adoptada a tramitação adequada as suas especificidades e a sua complexidade, conforme o imposto pelo artigo 2°, alínea a) do decreto-lei n° 108/2006.
XV. O douto despacho recorrido, não só indeferiu a pretensão da ré, como não se pronunciou sobre as questões suscitadas. Sobre este último pedido, o tribunal "a quo" nem sequer se pronuncia.
XVI. Mas a admitir-se, que à presente acção será aplicável e tramitará sob o Regime Processual Experimental, então o mesmo terá que ser seguido em todas as suas vertentes, tanto pelas partes como pelo Tribunal.
XVII. Nas acções acobertadas pelo RPE, os actos processuais, incluindo os actos das partes que devam ser praticados por escrito, terão de ser praticados electronicamente, em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça. É o que dispõe o n" 3 do decreto-lei n° 108/2006.
XVIII. Como é óbvio, naturalmente, que a disciplina a seguir, mesmo nas acções cíveis cobertas pelo (novo) RPE, e enquanto a regulamentação faltar, seja a do Código de Processo Civil, sem qualquer especificidade.
XIX. A respeito da forma electrónica dos actos processuais, deverão às acções a coberto do RPE, aplicar-se o artigo 138° - A, e consequentemente as Portarias n°s 1417/2003 e 114/ 2008.
XX. Aliás, e não obstante o disposto no artigo n° 5 do artigo 8°, do DL 108/2006, que impõe a indicação dos meios de prova seja efectuada com os respectivos articulados, admite-se na presente acção, aliás, admitem os Tribunais, que o rol de testemunhas possa ser alterado ou aditado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, conforme resulta do disposto no artigo 512-A do CPC.
XXI. Não se entende por isso, porque numa situação se aplica por analogia, o disposto no CPC e não quanto à prática de actos por via electrónica, porque quer se concorde ou não com a prática electrónica dos actos processuais, a verdade é que ela veio "acelerar" o andamento dos processos judiciais.
XXII. O douto despacho viola assim, entre outras disposições legais, os artigos 2°e 3°, do Decreto-lei n° 108/ 2006, e bem assim o disposto no artigo 138°- A do CPC, ainda o princípio da igualdade das partes no processo impondo-se inconsequência a sua revogação.
Foi determinada a realização de perícia, sendo junto aos autos o respectivo relatório pericial.
A final, realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, decidiu julgar procedente o pedido formulado e declarar o direito de propriedade da A. sobre a parcela identificada, condenando-se o R. a reconhecer esse direito.
Apelou o R. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: A. A Douta sentença recorrida ao fazer prevalecer o pedido de declaração judicial de aquisição da enfiteuse por usucapião com base na utilização do prédio altera o objecto do pedido, transformando-o em pedido diverso do formulado pelos autores, infringindo a regra segundo a qual "re eat judexultra vel extra petita partium", que o disposto na alínea e) do artigo 615° do CPC, sanciona com a nulidade; B. E ao fazê-lo, sem que o réu fosse ouvido, violou igualmente o princípio do contraditório e da igualdade das partes consagrado nos artigos 3° e 4° do CPC, geradores da nulidade da sentença; C. A douta sentença recorrida enferma também de nulidade por oposição entre a decisão e os seus fundamentos (artigo 615°, n° 1 alínea c) do CPC) e não relevou factos de extrema importância, que constam dos autos, e que importariam decisão diferente da proferida; D. A douta sentença recorrida não relevou, entre outros, os factos constantes do documento n° 13 junto pelos autores (cópia do despacho saneador proferido no processo n° 5301, que correu termos pelo 1° juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, em que era autor o ora réu e réus, entre outros, alguns dos autores ou seus alegados antecessores); E. Esta ação visava a declaração da extinção dos contratos de arrendamento, que pediam sobre as parcelas de terreno objecto da presente lide e que haviam sido denunciados por carta datada de 17 de Julho de 1972, solicitando que os então rendeiros entregassem as terras; F. A extinção dos contratos de arrendamento operada em 1972 revela-se de extrema relevância para a boa decisão da causa; G. Nos Factos Assentes e na Base Instrutória considerou-se provado que a "sucessão" havia sido acompanhada pela transmissão da posse do terreno. E não poderia ter sido dado como provado, porque nem sequer foi alegado, e não tendo sido alegado não poderia ser...
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