Acórdão nº 1481/05.1TBOER.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | OLINDO DOS SANTOS GERALDES |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Brites instaurou, em 26 de janeiro de 2005, no então 2.º Juízo Cível da Comarca de Oeiras (Comarca de Lisboa Oeste, Oeiras, Instância Local, Secção Cível), contra Maria e marido, Deodoro, e Incertos, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que se declarasse que a Autora adquirira, por usucapião, a propriedade do prédio rústico identificado na petição inicial, sito em Oeiras, com uma área aproximada a 10 000 m2.
Para tanto, alegou em síntese, que, em 14 de julho de 1980, comprou, com mais dois irmãos, à R. e sua mãe, um lote de terreno, para construção, com a área de 2 200 m2, desanexado do prédio rústico, descrito, sob o n.º ..., do Livro B6, fls. 148v. (atual ficha 1426/Paço de Arcos), na Conservatória do Registo Predial de Oeiras; a partir da data da referida compra, a A. começou a cultivar e a semear em toda a área circundante, aproximadamente com 10 000 m2, fazendo-o em nome próprio, sem oposição, publicamente e de boa fé.
Contestaram os RR. Maria e marido, impugnando os factos, designadamente a alegada posse, e concluindo pela improcedência da ação.
Em 7 de julho de 2008, o Município requereu a sua intervenção principal espontânea, coligado com os RR., a qual foi admitida, por despacho de 22 de fevereiro de 2010.
Prosseguindo o processo, com a organização da base instrutória, realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, com gravação, e foi proferida, em 28 de julho de 2014, a sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, quanto aos Réus Maria, Deodoro e Interveniente, reconheceu o direito de compropriedade à Autora, na proporção de 50 %, sobre a parcela de terreno identificada, determinando ainda o cancelamento do registo correspondente. Inconformados com a sentença, recorreram os Réus Maria e Deodoro e, tendo alegado, formularam essencialmente as seguintes conclusões:
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O Tribunal a quo, ao reconhecer a propriedade em comum, está a violar o disposto no art.609.º do CPC, o que conduz à nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
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A matéria de facto dada como provada padece de erro de julgamento, concretamente a identificada sob os n.º s 4, 9, 10, 11, 12 e 14.
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Mesmo considerando os factos dados como provados na sentença, nunca se poderiam ter dado como verificados os requisitos da usucapião.
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A posse que a A. invoca é não titulada e de má fé.
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Não se verificou o requisito temporal de vinte anos para a usucapião.
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A sentença violou o disposto nos arts. 1286.º, 1290.º, 1292.º, 323.º e 1296.º, todos do Código Civil.
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A sentença efetuou uma inversão do ónus da prova, violando o disposto no art. 342.º do CC.
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A sentença gera uma completa indefinição no que respeita aos prédios do Interveniente e dos RR., que vão ser sujeitos ao cancelamento, violando os arts. 1.º e 13.º do Código do Registo Predial.
Pretendem, com o provimento do recurso, a declaração de nulidade da sentença e, subsidiariamente, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva os RR. do pedido.
Também inconformado com a sentença, recorreu o Interveniente e, tendo alegado, extraiu essencialmente as seguintes conclusões:
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A sentença recorrida é nula, nos termos conjugados dos artigos 609.º e 615.º, n.º s 1, alínea e), e 4, do CPC, tendo feito errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1305.º e 1403.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil.
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Ao considerar provados os quesitos 4, 5, 9, 10, 11, 12 e 14, a sentença recorrida claramente errou na apreciação da prova produzida.
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A A. sempre agiu como mera detentora do terreno, aproveitando-se da tolerância do titular do direito.
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Nunca a pretensão da A. poderia ser procedente, por falta de decurso do período de tempo necessário para o efeito.
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Ao não determinar sobre que prédios incide o cancelamento do registo, a sentença cria uma situação de total indefinição e insegurança jurídica quanto à situação dos prédios dos Apelantes e até o da A.
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Assim, violando o disposto nos artigos 1.º, 13.º e 34.º do Código do Registo Predial.
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A A. litigou com má fé, ao omitir que a parcela de terreno de que se arroga proprietária se encontrava descrita a favor do Apelante, querendo fazer crer que desconhecia quem seriam os eventuais afetados pelo direito que se arrogava.
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Assim, a A. deverá ser condenada em multa e indemnização ao Apelante.
Pretende, com o provimento do recurso, a declaração de nulidade da sentença ou, subsidiariamente, a revogação da sentença recorrida, julgando-se a ação totalmente improcedente e a condenação da A. em multa e indemnização, a liquidar posteriormente, como litigante de má fé.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mmo. Juiz a quo limitou-se a determinar a subida dos autos (fls. 777).
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nos dois recursos, está essencialmente em discussão, para além da nulidade da sentença e da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o reconhecimento do direito de propriedade, por efeito da usucapião, o cancelamento do registo e a litigância de má fé.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1.
Encontra-se descrito o prédio rústico constituído por terra de semeadura com árvores, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o n.º ..., do Livro B-6, a fls. 148 v. (atual ficha n.º 1426/Paço de Arcos), como tendo 9437,15 m2 presentemente, do qual foi desanexada uma parcela de terreno com 130 m2, e que indica como confrontações a norte, sul e poente, a Ré Maria e, nascente, a Câmara municipal.
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Em 14 de julho de 1980, a A., juntamente com os seus irmãos, Domingos e Francisco, comprou, em comum e partes iguais, à R. e sua mãe, Valentina(viúva e já falecida), um lote de terreno para construção, com a área de 2200 m2, desanexado do prédio rústico identificado em 1. e onde foi construído um prédio de rés-do-chão para arrecadação e primeiro andar para habitação, e quatro anexos para arrecadações.
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A Câmara municipal remeteu à A., que as recebeu, as cartas, sob as referências SPM/SAEE, de 17/06/2004, 046346, SPM/SAAE, de 19/11/2004 082041, a fls. 37, e ainda a carta, sob a referência SPM/SAAE, de 4/01/2005 000089, a fls. 39.
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Em data não concretamente determinada, mas não posterior a 1986, a A., conjuntamente com o seu irmão Domingos, começou a cultivar, semear, plantar, colher, nomeadamente milho, batata, fava, aveia, numa área circundante ao terreno identificado em 2., à exceção daquela em que se encontrava a “UCAL”, a “Companhia dos Telefones” e a “Estrada do Cemitério” (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
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Para esse efeito, a A., conjuntamente com o seu irmão Domingos, adquiriu um trator para a lavra e restantes trabalhos do campo (2.º).
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No prédio identificado em 2. e numa área adjacente para o lado nascente, a A., conjuntamente com o seu irmão Domingos, criava galinhas, pombos, patos, coelhos, porcos, ovelhas, carneiros, vitelas e vacas.
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A A., conjuntamente com o seu irmão Domingos, colocou no terreno algumas vedações para, designadamente, proteger e isolar os animais.
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A A. e o seu irmão Domingos eram ainda ajudados pelos familiares, amigos e outras pessoas, sempre que disso necessitavam e chegaram a ter um empregado efetivo.
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O terreno circundante referido em 4. a 7. tem, presentemente, como limites, a poente o prédio identificado em 1. e o terreno em que se encontra a “Portugal Telecom”, a sul o “Viaduto do Espargal”, a norte a Rua António Passaporte, a nascente e desde o viaduto, numa linha reta, paralela às traseiras dos prédios da Rua José Barroso Júnior e perpendicular aos prédios da Rua António Passaporte, até ao Largo onde se inicia esta Rua (esquina mais a leste, a norte), correspondente sensivelmente à parcela tracejada a azul e vermelho da planta de fls. 124, com as restrições acima descritas, e com uma área não concretamente apurada, mas inferior a 8271,54 m2 (6.º).
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A A. vem possuindo a...
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