Acórdão nº 771/12.1TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução21 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO MC (tendo-lho sucedido por habilitação no decurso do processo, CC e AC), PG, SN e JR intentram ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra MP e SC, pedindo: a)- A declaração dos autores como comproprietários da parte comum consubstanciada pelo alojamento da porteira e, consequentemente, a condenação dos réus a entregá-la aos autores livre e devoluta de pessoas e bens.

b) A condenação dos réus no pagamento à autora de sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00 por dia, após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo a este processo, até à efetiva entrega.

Para fundamentarem o pedido, alegaram, em suma, que a 1.ª autora é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, F, H, I, J e L do prédio sito na Av. (...), em Lisboa.

O 2.º autor é proprietário da fracção designada pela letra G do mesmo prédio.

Os 3.º e 4.º autores são proprietários da fracção designada pela letra E.

No seu conjunto, os autores são titulares das fracções que correspondem à permilagem de 1000/1000.

No 2.º andar do prédio em questão existe uma dependência, que é parte comum do prédio, composta por um quarto, cozinha e casa de banho, destinada a casa da porteira, onde tem residido a que foi a porteira do prédio.

Nessa dependência vêm habitando os réus, os quais, desde 29/03/2012, não têm qualquer título jurídico para tal.

A 1.ª ré esteve vinculada aos autores por contrato de trabalho como porteira e, nessa qualidade, exercia ali funções em horário parcial, contra uma retribuição, sendo deduzida na mesma um valor correspondente à prestação em espécie consubstanciada no direito ao alojamento.

A 1.ª ré completou 70 anos em 29/09/2011.

Por carta registada de 01/10/2011, expedida a 04/10/2011, os autores denunciaram o contrato de trabalho com a 1.ª ré com efeitos a partir de 29/03/2012. Foi-lhe comunicado que desocupasse a casa e que a entregasse livre e devoluta de pessoas e coisas em 30/03/2012. Contudo os réus não desocuparam e entregaram a casa aí continuando a residir.

Os réus contestram (apresentando peças processuais autónomas), defendendo-se por exceção e por impugnação.

A 1.ª ré invocou a incompetência absoluta do tribunal. No mais, alegou que ocupa a casa desde 1987 e que acordou verbalmente com o anterior administrador, AF, no sentido de “residir na casa, mesmo após deixar de trabalhar”.

A retribuição seria paga através de serviços de porteira e com o compromisso de ali poder ficar, mesmo que cessada a sua actividade, como inquilina. Mais tarde assinaram contrato. Assim, a alegada “prestação em espécie” converteu-se ope legis num montante análogo ao da renda por contrato de locação.

Os réus são pessoas idosas e doentes, não tendo para onde ir.

Termina pedindo a absolvição do pedido.

O 2.º réu também contestou, alegando, em síntese, que é casado com a 1.ª ré desde 18/03/1981, exercendo aquela a atividade de porteira do referido prédio desde 18/05/1987.

Nos termos do contrato de trabalho a 1.ª ré ficou autorizada a habitar, com os seus familiares, a casa destinada à “porteira”.

Encontra-se desempregado auferindo o respetivo subsídio. Os réus não têm outra casa para habitar, nem meios de subsistência.

A carta onde é feita a denúncia do contrato converte este em contrato a termo resolutivo. A 1.ª ré não se encontra reformada, exerce a sua actividade com zelo e diligência e ainda se sente capaz de o fazer, sendo que nunca o seu trabalho foi alvo de qualquer reparo. Há uma clara intenção dos autores em obter lucro com a venda da casa da porteira tanto mais que não alegam necessitar da mesma, nem mesmo para alojar outra porteira. Assim, poderão os autores estabelecer com os réus um contrato de arrendamento, no que a estes deve ser dada preferência.

Termina, pedindo a absolvição do pedido e que lhes seja reconhecido o direito de preferência na realização de um contrato de arrendamento pelo valor acordado para alojamento.

Os autores replicaram, e concluíram como na petição inicial.

Foi realizada audiência preliminar.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção deduzida pela 1.ª re, elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi a ação julgada parcialmente procedente, constando do segmento decisório,o seguinte: “Declaro os AA como comproprietários da “casa da porteira”/parte comum existente no 1º andar do prédio sito na Avenida (...), em Lisboa; Condeno os RR a restituírem aos AA a referida “casa da porteira” livre e devoluta de pessoas e bens; Mais condeno os RR no pagamento aos AA de uma sanção pecuniária compulsória diária de €20,00, desde a data do trânsito da presente decisão até efectiva entrega da mencionada parte comum.” Inconformada, apelou a 1.ª ré, apresentando as conclusões de recurso que abaixo se transcrevem, pedindo a revogação da sentença.

Contra-alegaram os réus PG, SN e JR defendendo a manutenção da sentença recorrida.

Conclusões da apelação: 1.

A Recorrente aceita a qualidade dos AA., enquanto legítimos proprietários da casa onde reside desde 1987.

  1. Contesta, no entanto o 2.º dos requisitos que tornam operante a típica acção de reivindicação (1311.º CC), uma vez que a sua residência no locado é titulada e justificada.

  2. A Ré é “possuidora” legítima da fracção em questão.

  3. Os outorgantes do contrato de trabalho junto aos autos, quiseram celebrar um contrato misto que agrega características evidentes quer do contrato de trabalho, quer do contrato de arrendamento.

  4. Não foi produzida prova testemunhal com relevo para a boa decisão da causa, como de resto se pode comprovar, desde logo, pela ausência de uma única referência àquela meio instrutório ao longo de todo texto da sentença.

  5. Pelo contrário, existe nos autos ampla prova documental que permitia ao Tribunal, sentenciar em modo diverso do que efectivamente fez.

  6. Desde logo o contrato de trabalho, onde no seu próprio texto se atribui ao primeiro contraente ora a natureza de entidade patronal, ora a natureza de senhorio.

  7. Mas também no facto, da anterior porteira, ter morrido na casa com 90 anos, apenas dois meses antes de ter sido assinado novo contrato com nova porteira (a ré).

  8. Também no facto do referido contrato ter sido feito numa época em que o primeiro outorgante era DONO, proprietário único do prédio.

  9. Prédio que se encontrava consequentemente em regime de propriedade plena.

  10. Na lide processual, não estão presentes os outorgantes do contrato.

  11. Quem está na relação controvertida é só a Ré. Porque os AA. São pessoas diferentes que sucederam na posição contratual do então primeiro outorgante (Sr. FM).

  12. São os AA. quem pretendem a desocupação do locado.

  13. O Sr. FM, quis e contratou no sentido de encontrar uma porteira que controlasse o seu prédio constituído por 10 fracções, todas suas.

  14. Quando a anterior porteira faleceu, o então dono do prédio contratou no sentido de encontrar uma substituta.

  15. Alguém que vivesse no prédio e dele cuidasse, velando pela sua segurança, 24 horas por dia.

  16. Hoje os AA. são proprietários de fracções distintas, que expressam uma posição e determinam uma vontade manifestamente oposta àquela que foi a do Sr. FM.

  17. A propriedade plena foi transformada em propriedade horizontal.

  18. Algumas fracções foram doadas, outra foi vendida.

  19. A isto a Ré foi assistindo serena ao longo dos anos, não esperando no final da vida um desfecho tão atribulado e lamentável.

  20. A Ré é detentora de um título...

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