Acórdão nº 3122/11.9T3SNT.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE M. LANGWEG
Data da Resolução22 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes os arguidos M (...) e "Lar da E (...) Lda.".

I - RELATÓRIO 1. Os arguidos interpuseram recurso da sentença proferida nos autos, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: «a) - Condeno o arguido M (...) pela prática em co-autoria, um crime de burla tributária, na forma continuada, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 87°, n.° 2, do RGIT e 30°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia global de € 2.100,00 (dois mil e cem euros); b) Condeno a sociedade arguida "Lar da E (...) Lda." pela prática em co- autoria, um crime de burla tributária, na forma continuada, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 7o, 87°, n.° 2, do RGIT e 30°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia global de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros).

  1. Julgo procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P. e condeno os arguidos/demandados a pagar, solidariamente, à demandante a quantia de € 15.336,00 (quinze mil, trezentos e trinta e seis euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral pagamento e calculados de acordo com o art. 3o n°l do D.L. n°73/99 de 16 de Março; d) Condeno os arguidos no pagamento das custas criminais do processo, e ainda das custas cíveis (artigo 446° do C.P.C.).» 2. Inconformados com tal decisão, os arguidos interpuseram recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões: «Da prova produzida em julgamento, tendo em atenção as declarações do Arguido M (...), por si e enquanto representante legal da sociedade Lar da E (...) Lda, co-arguida, os depoimentos prestados e demais prova documental carreada para os autos, resulta que se mostraram incorretamente julgados, 17 dos 37 pontos de facto dados como provados; Nomeadamente, os pontos 6, 13, 14, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 32 e 33; Que o tribunal formou a sua convicção, basicamente, no depoimento de quatro testemunhas, reputadas como essenciais, que foram isentas e credíveis; Se é certo que, para a formação da sua convicção, o tribunal aprecia livremente a prova produzida nos termos do disposto no arte 127º do CP, tem, obrigatoriamente, nessa apreciação crítica não só de analisar os factos que lhe foram trazidos em audiência como realizar que os mesmos, a serem verdadeiros, não vão contra as regras da experiência comum, o conhecimento do homem médio; É, pois, desse exame crítico da prova produzida que terá de chegar a uma solução justa; No entanto, o tribunal a quo chegou, após esse exame, a uma opção de todo inadmissível face às regras da experiência comum, pelo que é censurável e impõe-se a sua correcção desse erro notório; Há erro notório na apreciação, desde logo, do Ponto de facto nº 6 quando, dos depoimentos considerados essenciais, isentos e credíveis, o tribunal conclui que, a saída da utente, ocorrida em 2006, foi para o Lavradio; Chega a esta conclusão sem que o pudesse extrair dos tais depoimentos invocados ou, sequer, da prova documental dos autos.

    Só a testemunha C (...) o afirma, mas este testemunho não podia ter sido entendido como credível ou isento porque não corroborado por nenhuma outra testemunha, ao contrário do afirmado pela Juiz a quo, como pelo facto desta testemunha ter animosidade extrema contra os arguidos, sendo ela a denunciante deste suposto ilícito.

    Nunca poderia ter sido, então, dado como provado o motivo da saída, pois foi negado pela testemunha que redigia o registo de saídas que a letra era sua (dando mesmo a entender que seria de outra mulher, i.e. da testemunha C…, denunciante nos autos e que se apropriou de documentação do lar após o seu despedimento com justa causa) Mais, afirma a juiz a quo que a saída da utente se manteve até aos dias de hoje, decisão que não pode inferir de nenhum dos depoimentos em causa e que, posteriormente, está em contradição com outros pontos de facto dados como provados pela mesma julgadora; No ponto 13 da matéria de facto provado são, novamente, extraídas conclusões sem suporte probatório, a não ser que, persista o tribunal, contrariando as regras de experiência comum e fazendo uma apreciação arbitrária da prova, que o depoimento da testemunha C… foi isento ou credível. Porque, mais uma vez nenhum outro dos considerados essenciais para a formação da convicção do tribunal acompanham este. No demais, os arguidos vinham pronunciados pelo crime de burla tributária, apenas pela sua, suposta actuação quanto a uma utente, i.e. a N…, pelo que dar-se como provado que os arguidos tinham actuação semelhante com outros utentes - sem que também essa não resultou minimamente provada desses depoimentos - é irrelevante.

    As testemunhas não disseram que foram abertas vagas, que o lar do Algueirão estivesse lotado e que as, alegadas, transferências ocorriam para ali criar vagas; Nenhuma prova foi produzida no sentido de que foram abertas vagas, num lar em sobrelotação, para nesse lugar colocar outro utente; Até familiares de outros utentes afirmam o contrário, tendo nos seus depoimentos explicado o porquê das transferências dos seus, chegando um deles a dizer que foi a testemunha encarregada geral do Lar, C…, que lhe disse estar o Lar em superlotação, palavras estas só à mesma serão imputáveis; E contradiz-se o tribunal a quo no ponto 14, quando dá como provado que a utente ia e vinha de um Lar para outro sendo, para o efeito, transportada pelo funcionário dos arguidos; Essa contradição é clara com o ponto 6, pois, que naquele a Juiz dá como provada a permanência da utente desde 2006 até aos dias de hoje; Não só existe contradição como, só com base no testemunho de C… se podia ter chegado a esta decisão, errada! No ponto 17, dado como provado, foi extraída conclusão que, pelos arguidos não foram cumpridos requisitos na atribuição do subsídio/comparticipação, mas, persiste o tribunal em extrair soluções e decisões sem suporte; As regras e o modo de cálculo do subsídio foram minuciosamente explicadas em audiência pela Assistente Social, a testemunha G…; Esse subsídio é atribuído ao utente, no caso, à idosa N… e não aos arguidos; É calculado com base no valor da sua pensão de reforma e destina-se a pagar a mensalidade no lar dos arguidos; Foi a própria Segurança Social que ali colocou a utente e que determinou o valor da sua comparticipação; Pelo que era impossível ao tribunal dar como provada tal factualidade do ponto 17; No ponto 19 dá o tribunal como provado que o Lar do Algueirão, com capacidade para 19 utentes, estava lotado e com lista de espera, fê-lo, novamente, sem que de qualquer depoimento tenha sido afirmado tal situação; Ninguém, nem mesmo a testemunha C… o afirmou, era, pois, impossível chegar-se a esta conclusão; A suposta criação de vagas não resultou provada, pelo que o intuito subjacente a esta é impossível de determinar, ainda que, não resulte de qualquer depoimento factos que permitissem ao tribunal a quo dar como provado a abertura de vagas com qualquer transferência; A suposta angariação de novos utentes por parte dos arguidos e dada como provada no ponto 20, não se colheu de qualquer meio probatório produzido em audiência; No ponto 21 o tribunal a quo não só se contradiz com o afirmado no ponto 6 como ao dar como assente que a utente Natalina foi transferida por diversas vezes, fê-lo à revelia da prova produzida; Nos pontos 22, 23 e 24 dados, errada e notoriamente, como provados decide o tribunal que a actuação dos arguidos visou a manutenção do subsídio e que a não comunicação da transferência entre os anos de 2009 e 2010 permitiu-lhes locupletarem-se, indevidamente e respectivamente, de € 7104,00 e € 8232,00, em cada um dos anos; Que o fizeram de forma astuciosa, sendo que ao longo de toda a matéria de facto provada, o tribunal a quo fez um juízo ou sem suporte probatório evidente ou até contradizendo-se frequentemente; No ponto 26 vai mais longe e afirma que se a Segurança Social tivesse conhecimento da transferência suspenderia tal comparticipação; Ora, da prova documental e testemunhal resultou, exactamente, o contrário, resultou provado que, no ano de 2009, a Segurança Social fiscalizou o Lar do Lavradio e nada fez; Nessa fiscalização não só teve conhecimento da presença da utente comparticipada em Lar diverso no qual havia ingressado como, sabe, por via dessa fiscalização que, esse lar, não tinha, à data, Alvará; No ponto 26 e 27 o tribunal faz impender aos arguidos um dever, o de informação, sem, contudo mencionar a sua fundamentação legal, e mesmo que si própria, conhecimento presencial dessa, suposta transferência; Depois de exaustivamente e repetidamente dar como provados 27 factos o tribunal conclui, no ponto 28, o impensável - que foi a falta de fiscalização (atempada???) que permitiu aos arguidos actuarem, deste modo, durante dois anos consecutivos! Ora, como já explanado, não só resultou provada essa fiscalização, como era impossível, face ao acervo probatório produzido, concluir-se por essa, alegada, actuação ter ocorrido em dois anos consecutivos, por manifestamente, desacompanhado de prova testemunhal, documental ou outra; Este ponto de facto nº 28 está, também, em clara contradição com o assente pelo tribunal no ponto 9; Por tudo o acima exposto não podia ter-se concluído por uma actuação consciente e voluntária dos arguidos que, supostamente, dela retiram vantagem ilegítima (pontos 32 e 33); Por tudo o acima exposto foram incorrectamente julgados estes 17 pontos de facto que levaram a que o tribunal a quo formasse errada convicção e que, por seu turno permitiu, enquadrar essa factualidade, como subsumível à prática do crime de burla tributária; O crime de burla tributária, p. e p. no artº 87º do RGIT é, unanimemente classificado na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT