Acórdão nº 1707/11.2TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelORLANDO NASCIMENTO
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO: Corine … propôs contra Construções..., S. A., esta ação declarativa de condenação, ordinária, pedindo que se declare nulo um contrato-promessa entre ambos celebrado e se condene a R a entregar-lhe a quantia de € 72.000,00, que recebeu a título de sinal, acrescida de juros de mora ou, quando assim se não entenda, que se declare resolvido esse contrato, condenando-se a R a restituir o sinal em dobro, no valor de € 144.000,00.

    Citada, contestou a R, dizendo que a A nunca tinha invocado a nulidade do contrato, que não cumpriu, pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido.

    Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a R do pedido.

    Inconformada com essa decisão, a A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a procedência da ação, formulando as seguintes conclusões: I) A recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo por entender que se trata de uma decisão errada e injusta, que permite à recorrida fazer seus a quantia de 72.000€ entregue a título de sinal num contrato promessa subscrito em Abril de 2008 com a intenção de ter na sua posse um apartamento num empreendimento em Olhão a partir de Dezembro de 2009.

    II) Com esta injusta decisão, a recorrida pode fazer seus a quantia de 72.000,00€ investidos pela recorrente, o que manifestamente excede os limites da boa-fé e possibilita o enriquecimento sem causa da recorrida.

    III) A recorrente, por duas vezes, manifestou a intenção, por escrito, de resolver o contrato promessa dada a delonga na finalização do apartamento, constituindo esta última comunicação (Março 2011) uma verdadeira “interpelação admonitória”, pois que a recorrente sempre agiu de boa-fé na expetativa de ter o apartamento pronto a habitar em Dezembro de 2009 e nem pôde introduzir quaisquer alterações ao contrato promessa, nomeadamente, uma condição resolutiva caso o apartamento não estivesse finalizado em Dezembro de 2009.

    IV) Por outro lado, o motivo pelo qual a recorrente adquiriu o apartamento em causa foi precisamente pelo fato de estar pronto a habitar em Dezembro de 2009 (podendo a partir dessa data rentabilizar o investimento realizado com o arrendamento da fração), e não finalizado somente em Agosto de 2011.

    1. A recorrente provou ter interpelado a recorrida em Janeiro de 2010 na medida em que esta afirmou ter mandatado o seu então advogado para o fazer, pese embora o Tribunal recorrido tenha dado este fato como não provado.

      VI) O Tribunal tomou o depoimento de parte da recorrente e assentou a sua convicção nesse mesmo depoimento – assim, quando a recorrente afirma ter solicitado ao seu então advogado que procedesse à interpelação da recorrida e à resolução do contrato promessa logo em Janeiro de 2010, é consistente com a comunicação escrita junta aos autos onde consta a referência à interpelação de 2010.

      VII) A carta para marcação de escritura enviada à recorrente em 20 de Maio de 2011 (recebida pela Autora, em 25 de Maio de 2011, comunicando-lhe ter procedido à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 2 de Agosto de 2011, pelas 10.00 horas no Cartório Notarial do Dr...., em Albufeira), foi provada documentalmente e confirmada pela recorrente, em sede declarações de parte, de que a havia recepcionado.

      VIII) Ambos os fatos (provou ter interpelado a recorrida em Janeiro de 2010 na medida em que, esta afirmou ter mandatado o seu advogado para o fazer e ter recebido a carta para marcação de escritura para o dia 2 de Agosto de 2011), foram, com firmeza e certeza, confirmados pela recorrente.

      IX) Isto é, o Tribunal não podia valorar o depoimento de parte como bem entendesse, sem ter em conta a unidade do processo, ou seja, se bem o valorou para provar certos fatos através do depoimento de parte, por maioria de razão, também todos os fatos em que a recorrente os afirmou positivamente deveriam ter sido dados por provados, como seria o caso, da interpelação de 2010, pois a mesma afirmou ter mandatado o seu advogado para o fazer.

    2. O regime da prova é complexo e essencialmente assenta na razão de ciência documental e testemunhal, onde o depoimento de parte é uma das suas essenciais vertentes.

      XI) A comunicação endereçada à recorrida trata-se de uma verdadeira interpelação admonitória, na medida em que a recorrente concedeu à recorrida um prazo final de 30 dias para celebrar a escritura. Esta última oportunidade para cumprir foi a derradeira oportunidade de adimplemento da prestação a que a recorrida se vinculou – a celebrar o contrato definitivo. Nesta comunicação é expressamente mencionada a comunicação de 2010.

      XII) A recorrida não só recebeu a interpelação como a sua inércia nos 30 dias seguintes em não marcar a escritura determinou forçosamente a resolução do contrato – promessa, concluindo-se definitivamente pelo incumprimento definitivo do contrato, concedendo à recorrente o direito a resolver o contrato promessa (Cfr. 801.º, n.º do CC). Aliás, a recorrida não podia marcar a escritura nessa data, como viemos a tomar conhecimento somente na Audiência de Julgamento, em que a licença de utilização somente em 12 de Agosto de 2011 foi emitida.

      XIII) Contrariamente, ao entendimento do Tribunal recorrido, entendemos que estão preenchidos os pressupostos para a resolução do contrato por causa exclusivamente imputável à recorrida, assistindo, aqui, à recorrente o direito à restituição do sinal em dobro (Cfr. Art.º 442.º, n.º 2 do CC).

      XIV) Nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o Tribunal recorrido deveria ter decidido pela resolução do contrato promessa e em consequência mandar restituir em dobro o sinal pago na medida em que os pressupostos para o deferimento do pedido subsidiário de resolução do contrato estavam preenchidos.

      XV) Se a recorrida é uma profissional na construção e venda de propriedades, se o contrato promessa era idêntico a várias dezenas dos usados para os outros apartamentos no mesmo local do prometido vender, se a recorrente pagou o sinal acordado (72.000€), se a recorrida sabia da imperativa necessidade do reconhecimento presencial das assinaturas dos contraentes e da certificação da licença de construção para a outorga do contrato promessa, mas assim não procedeu, por que razão entende o Tribunal recorrido que a recorrente afinal de contas terá sido a recorrente a exceder os limites da boa-fé e a agir em abuso de direito, em venire contra factum proprium? XVI) É questionável por que motivo o Tribunal terá entendido que a preterição das formalidades legais imperativas no momento da celebração do contrato promessa descritas no art.º 410.º do CC, deveriam ter sido preteridas pela recorrida? XVII) O Tribunal recorrido promove uma articulação jurídica sobre o instituto do abuso do direito que quanto a nós é errada. Não pode, no caso concreto, a recorrente ver a si assacada qualquer responsabilidade na feitura de um contrato promessa que no qual, da sua parte, cumpriu integralmente, pagando o sinal de 72.000€, pretendendo apenas realizar a escritura em Dezembro de 2009. O interesse da recorrente era ter o apartamento na sua posse para o rentabilizar logo em Janeiro de 2010, situação que frustrou definitivamente a expectativa da recorrente quando verificou que afinal o apartamento não estava concluído em Dezembro de 2009. Recorde-se que a promessa foi celebrada em 23 de Abril de 2008, mais de um ano e meio até à data prometida – Dezembro de 2009.

      XVIII) A recorrida elaborou os contratos promessa como bem quis e entendeu, sem qualquer intervenção da recorrente, fazendo contas aos valores que ia “encaixando” de sinal para ir conseguindo edificar os apartamentos. Esta “profícua manobra” é notória pelo clausulado do contrato – apenas uma das partes pode resolver o contrato, ou seja, apenas a recorrida o poderia fazer e a recorrente apenas o poderia fazer se após a construção por qualquer motivo não lhe fosse possibilitado tomar posse do apartamento.

      XIX) Ora bem, qualquer jurista percebe que se trata de dezenas de contratos promessa no intuito de, através dos sinais que iam recebendo, construir para futuro o que iam prometendo. É contra situações destas que serve o instituto do abuso do direito e não para assacar responsabilidade a quem não a tem ou para justificar o não cumprimento legal (Cfr. art..º 410.º do CC) a quem não o pode fazer porque sabe que utilizou os contratos promessa sem a devida licença de construção, não reconhecendo as assinaturas dos mesmos. É contra este facilitismo que a lei procura evitar, assegurando a certeza no comércio jurídico.

      XX) O Tribunal a quo, tomou a posição do mais forte. Tomou a posição do infrator. Tomou a posição do profissional do negócio. Tomou a posição errada e injusta. O Tribunal não podia ter dito que afinal quem andou mal foi a recorrente, que afinal até pagou imediatamente o sinal de 72.000€ e não tinha o seu apartamento pronto em Dezembro de 2009. Quem agiu sempre de boa-fé foi a recorrente e não a recorrida.

      XXI) Repare-se inclusive que a recorrida até veio juntar aos autos uma comunicação para marcação de escritura pública a realizar em 2 de Agosto de 2011, quando afinal nessa data ainda nem a poderia fazer porque ainda não tinha sido emitida a licença de utilização (que veio a ser emitida somente em 12 de Agosto de 2011). Mesmo assim, a recorrente, de boa-fé, afirmou ao Tribunal ter recebido essa comunicação mas que de fato nem ligou porque no seu espirito este caso já havia sido entregue à justiça pois que o interesse no apartamento há muito que fora perdido pela recorrente quando incumpriu o contrato não fazendo entrega do apartamento em Dezembro de 2009.

      XXII) Nada ficou demonstrado que justificasse a adoção do instituto do abuso do direito. Pelo contrário, a recorrente foi vítima da recorrida. Não seria pelo fato de a recorrente querer adquirir um apartamento em Abril de 2008 (que estaria pronto em Dezembro de...

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