Acórdão nº 97/12.0IDLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam em conferência dos Juízos do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: 1.

Em 21 de Maio de 2015, no início da audiência de julgamento, foi proferido despacho que determinou o seguinte: Nestes termos, ao abrigo das citadas disposições legais e ainda do disposto no artigo 338.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, conhecendo a título de questão prévia da nulidade da acusação, concluindo-se pela impossibilidade de punição da conduta assacada nestes autos aos arguidos pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.° do RGIT, por ausência da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.°, n.° 4, alínea b) do RGIT, julgo extinto o procedimento criminal instaurado contra todos os arguidos.

  1. Inconformado, o Mº Pº interpôs recurso, pedindo a “revogação de tal despacho e a sua substituição por outro que ordene a extracção de certidão integral dos autos e subsequente remessa aos serviços do Mº Pº para os efeitos tidos por convenientes”.

  2. O recurso foi admitido.

  3. Os arguidos não apresentaram resposta.

  4. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de, “não se verificando a nulidade da acusação nem existindo questão prévia que deva ser conhecida nos termos do disposto nos artigos 338.° e 368.°, n.° 1, do CPP, emite-se parecer, com fundamentos diversos, no sentido da procedência do recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e a questão ser conhecida na sentença que se pronuncie sobre o mérito da causa, nos termos do artigo 368.°, n.° 2, al. e), do CPP, em conformidade com o anteriormente exposto”.

    II – Questão a decidir.

    Da notificação a que se refere o art.° 105°, n° 4, al. b) do RGIT.

    iii – Fundamentação.

  5. O despacho proferido tem o seguinte teor: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos V.H.P.R., N.M.S.P.R. e “P.-S.M.P., LDA”, imputando-lhes a prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6.°, 7.° e 105.°, n.° 1, 2, 4 e 7 do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho.

    Por requerimento apresentado em 16.02.2015 veio a Digna Procuradora-adjunta requerer a notificação de todos os arguidos nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105.°, n.° 1, alínea b) do RGIT, sustentando, para tanto, que era desconhecido o paradeiro dos arguidos o que inviabilizou a notificação dos mesmos na fase de inquérito.

    Por despacho judicial exarado nos autos em 14.03.2015, foi indeferida a pretensão do Ministério Público, pelas razões expostas a fls.410-413.

    Tal despacho mostra-se transitado em julgado.

    Como é sabido, o ilícito criminal imputado aos arguidos é composto pelos seguintes elementos típicos: • O agente esteja obrigado a entregar ao credor tributário (administração fiscal) determinada prestação tributária de valor superior a € 7.500; • Essa prestação tributária tenha sido deduzida nos termos da lei tributária; • O agente não proceda à entrega de tal prestação; • O faça dolosamente, sob qualquer uma das modalidades do dolo: directo, necessário ou eventual.

    Para além disso, exige ainda o n.° 4 do artigo 105.° a verificação de duas condições objectivas de punibilidade da conduta: • Que o agente não proceda à entrega da prestação após terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (alínea a)); • Que a prestação que tiver sido comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (alínea b)).

    Uma vez que a última das referenciadas condições de punibilidade não foi observada, e por se entender que a mesma já não poderá ser cumprida no presente momento processual - considerando a argumentação já expendida no despacho de 14.03.2015, que aqui se dá por reproduzida -, verifica-se que o prosseguimento destes autos, com a realização da audiência de discussão e julgamento, sempre configuraria a prática de um acto inútil, porquanto a final, sempre se imporia concluir pela ausência de uma das condições objectivas de punibilidade exigidas pelo tipo legal, com a consequente absolvição dos acusados.

    Em face do que se deixa exposto e compulsada a acusação verifica-se que esta não contém todos os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena, pois que da mesma não consta a necessária condição objectiva de punibilidade a que se vem aludindo. Verifica-se, assim, que a acusação deduzida pelo Ministério Público é nula, por violação do disposto no artigo 283.°, n.° 3, alínea b) do Código de Processo Penal, o que permitia a sua rejeição no momento previsto no artigo 311.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, nulidade que pode, todavia, ser agora conhecida, uma vez que a questão não foi apreciada anteriormente e, por conseguinte, não ocorreu caso julgado sobre tal questão.

    Importa ainda referir que se entende que a aludida nulidade não é susceptível de sanação, impondo-se aqui considerar o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 7/2005, de 12.05.2005, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido".

    Tendo em consideração a argumentação expendida em tal aresto, entende-se que inexiste razão para que tal entendimento jurisprudencial do Tribunal Supremo não seja aplicado à acusação, seja ela pública ou particular.

    Nestes termos, ao abrigo das citadas disposições legais e ainda do disposto no artigo 338.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, conhecendo a título de questão prévia da nulidade da acusação, concluindo-se pela impossibilidade de punição da conduta assacada nestes autos aos arguidos...

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