Acórdão nº 658/12.8PILRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 658/12.8PILRS do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, Loures – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 4, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido HS...

, identificado nos autos, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de condução de ofensa à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, p. e p., respectivamente, pelos arts. 143.º, n.º 1, 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º1, al. a), todos do CP.

  1. No início da audiência de discussão e julgamento, a queixosa declarou desistir da queixa apresentada contra o arguido.

  2. O MP, por entender que o crime de ameaça agravada pelo qual o arguido vem acusado tem natureza pública, considerou não ser admissível a desistência de queixa relativamente a tal ilícito, promovendo, quanto ao mesmo, o prosseguimento dos autos.

  3. No entanto, foi de seguida proferido despacho judicial julgando válida e relevante a desistência da queixa, homologando-a e declarando extinto o procedimento criminal relativamente a ambos os crimes imputados ao arguido.

  4. Inconformado, interpôs o Ministério Público o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1 - O arguido HS... vinha acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física simples p.p. pelo art. 143º, nº 1 e de um crime de ameaça p.p. pelo art. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), todos do C.P., tendo sido apresentada desistência de queixa por parte da ofendida e o arguido declarou não se opor; 2 – O Ministério Público opôs-se à desistência de queixa no que concerne ao crime de ameaça por entender ter o mesmo natureza pública, devendo assim, a desistência ser válida apenas quanto ao crime de ofensa à integridade física simples; 3 -A Mma Juiz, preconizando o entendimento de que o crime de ameaças pelo qual o arguido vinha acusado, tem natureza semi-pública, homologou a desistência apresentada quanto a ambos os ilícitos; 4 –Ora, não podemos, de modo algum concordar com tal entendimento, pois que, na nossa modesta opinião, a actual redacção dos preceitos legais em causa não deixa qualquer dúvida de que o crime de ameaça em apreço, tem natureza pública, e por conseguinte, não poderia ter sido homologada a desistência de queixa apresentada quanto a tal ilícito, devendo os autos de ter prosseguido para julgamento para ser apreciada a responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime de ameaças de que vinha acusado; 5 –O crime de ameaça agravado constitui um tipo autónomo relativamente ao crime de ameaça simples, por implicar uma maior perturbação da paz individual e reflexamente da paz pública, para além da liberdade de determinação do ofendido, constituindo uma verdadeira ameaça qualificada; 6 –Quando o legislador confere natureza pública a determinados tipos de crimes, nomeadamente quando são qualificados, tem em vista acautelar interesses públicos que se prendem designadamente com a segurança da sociedade e com a paz pública. Interesses esses que não podem, obviamente depender da vontade de particulares de apresentarem ou não queixa; 7 –Tal ideia resulta inequivocamente expressa no art. 155º do C.P., que sobre a epígrafe “agravação”, no seu nº 1, é composto por quatro alíneas, que obviamente, não podem ser analisadas em separado, no sentido de que se conferir natureza semi-pública a algumas dessas alíneas, e portanto ás circunstâncias aí expressas, e, a outras, conferir, natureza pública; 8 –Não temos dúvida de que, por exemplo no caso da circunstância agravante prevista na al c) de tal preceito legal, o bem jurídico protegido (a liberdade pessoal) transcende na sua essência, a esfera individual, pretendendo-se evitar a possibilidade de interferência no exercício de funções que prosseguem interesses públicos; 9 -Nessa medida, não é o sujeito individual visado o ofendido, mas sim o Estado, entidade que visa a prossecução daqueles interesses, devendo assim, estes crimes revestir natureza pública; 10 - O mesmo se passa, quanto á circunstância referida na al b), em que existe a necessidade de defesa das pessoas particularmente indefesas nas condições aí referidas, entendendo-se que tal defesa deve ser tarefa do Estado; 11 -Assim, o art. 155° não traduz apenas uma diferente “arrumação sistemática” de circunstâncias agravantes, mas um verdadeiro tipo qualificado, com uma natureza diferente relativamente ao tipo básico; 12 -São na verdade inúmeros os exemplos no nosso C.P. de crimes que, na sua forma simples/básica têm natureza semi-pública, e na forma agravada tem natureza pública, como sucede por ex. com o crime de furto e o de ofensa á integridade física; 13 -Resulta claro que o legislador ao colocar numa só norma os crimes de ameaça e de coacção, não fazendo qualquer alusão á necessidade de queixa, quis conferir-lhes natureza pública; 14 - Daqui se conclui que o tipo de ameaça agravado que se encontrava previsto no anterior art. 154°, n°2 foi eliminado e em seu lugar surgiu um novo tipo legal de crime de ameaça agravado, expresso agora no art. 155° do C.P. e que se manteve a natureza semi-pública do crime simples de ameaça e nada se previu expressamente quanto ao tipo agravado desse ilícito, pelo que outra conclusão não se pode extrair senão a de que a lei quis dar-lhe natureza pública, o que é consentâneo com os comportamentos que estão aí expressamente previstos como factores de agravação e que revelam uma maior ilicitude da acção; 15 - Não se aceita que o legislador quisesse conferir natureza semi-pública ao crime de ameaça agravado autonomizando-o num novo art., mas depois se esquecesse de expressamente o dizer; 16 -A técnica legislativa usada no C.P. foi de que, sempre que existe um crime simples e um qualificado ou agravado, se o legislador pretende atribuir natureza semi-pública ao simples e pública ao qualificado, coloca a menção de que o procedimento criminal depende de queixa após a definição do tipo simples e antes do qualificado, como sucede nas ofensas corporais, no furto, no abuso de confiança e na burla (arts 143°, 144°; 203° e 204°; 205°, n° 1, 3 e 4; 217° e 218° todos do C. P.) e quando pretende definir a natureza particular ou semi-pública de vários crimes da mesma espécie, é no fim do respectivo capitulo que faz a concretização (178º e 187º); 17 -Consequentemente, tudo parece indicar que o regime procedimental do crime de ameaça se inscreverá na mesma tendência, isto é de semi-publicidade, quanto ao crime simples, e de publicidade, relativamente ao crime qualificado ou agravado; 18 -Acrescentamos ainda que no art. 155° do CP, a redacção que foi introduzida pela Lei n° 59/07 de 4/9, a lei penal utilizou uma técnica de qualificação pouco usual, ao definir num mesmo artigo os pressupostos de qualificação comuns a dois tipos de crime, definidos, por seu turno, nos dois artigos antecedentes.

    19 -Actualmente e, desde a reforma de 2007, no artigo 155 prevêem-se as agravantes aplicáveis quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção, onde são descritas circunstâncias (agravantes que, no caso do n.° 1, revelam “um maior desvalor da acção”, reportando-se quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção), e traduzem um acréscimo da ilicitude em relação ao tipo base ou fundamental; 20 -Nessa medida, verificando-se qualquer das circunstâncias agravantes previstas no artigo 155 do CP, após a reforma de 2007, o crime de ameaça (ou de coacção) passa a ser qualificado e estando em causa um crime qualificado obviamente que é distinto, diferente do tipo fundamental percebendo-se que o legislador lhe confira diferente natureza, à semelhança do que sucede com outros tipos legais; 21 -O legislador quando confere natureza pública a determinado tipo de crimes, nomeadamente quando são qualificados, tem precisamente em vista acautelar interesses públicos que se prendem nomeadamente com a segurança da sociedade e com a paz pública (interesses esses que não podem depender da vontade de particulares apresentarem ou não queixa); 22 Além do mais, não existe qualquer outra norma a conferir a natureza de crime semi-público (ou a fazer depender de apresentação de...

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