Acórdão nº 102/05.7TACDV.L2.-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS ESP
Data da Resolução03 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: * I-Relatório: No âmbito do Processo Comum Colectivo supra id., que corre termos pela Comarca de Lisboa Norte, Loures – Instância ... – Secção Criminal – J..., foi o arguido Levi, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº 1 al. b), nº 3 e nº 4 do Código Penal na pena de catorze (14) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Inconformado com o teor de tal decisão interpôs aquele arguido o presente recurso pedindo a sua absolvição do crime que lhe vem imputado.

Apresentou para tal as seguintes conclusões: a)O arguido encontra-se a aguardar até há data, de decisão sobre reclamação pela não admissão do Tribunal “a quo” de recurso sobre um despacho por este proferido a fis. 1918 e ss dos autos; b)Despacho esse que, no entender do arguido, viola os seus direitos, porquanto submeteu-o duas vezes a julgamento pelos mesmos factos de que vinha acusado, mantendo interesse na sua apreciação nos termos do disposto no n.° 5 do art.° 412.° do CPP; c)O tribunal “a quo” ao ter proferido despacho de alteração não substancial dos factos, não se encontrando reunido o tribunal colectivo, incorreu na nulidade insanável prevista no arL° 119.°, al. do Código de Processo Penal; d) Não pode o arguido a ser julgado novamente por crimes de que foi absolvido por decisão transitada em julgado; e)Apenas o arguido tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas e que lhe sejam adversas; f)O arguido inconformado com a decisão condenatória, interpôs recurso; g)O arguido limitou o objecto do recurso à decisão que o condenou; h)Não interpôs qualquer recurso da decisão absolutória, em face de não ter legitimidade nem interesse para tal; i)Nem o Ministério Público, nem a parte civil, únicos com interesse e legitimidade para recorrer de tal decisão absolutória, o fizeram; j)A decisão absolutória, em face da ausência de interposição de recurso, por quem de direito, transitou em julgado; k)Não pode o arguido ser julgado por crimes cuja absolvição foi legalmente proferida pelo Tribunal e cuja decisão transitou em julgado; l)A excepção de caso julgado materializa o disposto no art. 29.°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) quando se estabelece como princípio a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória afirmando “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Por isso, o caso julgado é considerado como uma causa de extinção da acção penal; m)O arguido não pode ser condenado por crime do qual já fora absolvido; n)Inconformado com o duplo julgamento, o arguido recorreu, encontrando-se tal recurso retido.

o)O arguido mantém o interesse no recurso apresentado a fis (...) de 26/05/2014, devendo o mesmo subir com o presente recurso; p)O arguido não poderá ser julgado pelo único crime de que vinha acusado, já que, do mesmo foi absolvido no presente acórdão recorrido; q)E caso assim não se entenda, deverá o arguido ser absolvido, à luz do princípio “in dubio pro reu”, do crime de que foi condenado; e ainda pelo facto de no anterior julgamento ter sido absolvido.

r)Porquanto, não foram provados os pontos 12, 13, 15, 16 e 17, do acórdão ora recorrido, a saber: s)Não ficou provado que o arguido tivesse a intenção de praticar qualquer crime; t)E bem assim de que, com a sua conduta, tenha causado prejuízo ou benefício, para si ou para outrém ou ao Estado; u)Não deveriam os depoimentos das referidas testemunhas terem sido valorados, quanto aos factos, nos termos em que o foram, tratando-se de meras suposições, baseadas em faltas de lembrança; v)Por outro lado o tribunal “a quo” desvalorizou o depoimento das mesmas testemunhas que demonstraram a irrelevância da informação prestado pelo arguido para efeitos de emissão de licença de habitabilidade, não configurando assim tal informação o valor de documento para efeitos penais, não se encontrando assim preenchido o tipo do crime.

Respondeu o MP, pugnando pela improcedência do recurso, tendo para tal formulado as seguintes conclusões: A reclamação já foi decidida.

Não houve trânsito em julgado relativamente ao 1º Acórdão e portando não há violação de caso julgado, realizando o colectivo novo julgamento, em obediência estrita ao deliberado pela Relação.

Com a prova produzida outra não podia ser a deliberação que não a condenação.

Não padece de qualquer nulidade, nem violou qualquer preceito do C. P. Penal.

Deverá pois manter-se o douto acórdão.

É o seguinte o teor do acórdão recorrido, na parte que ora releva: II-Fundamentação.

A-Fundamentação de facto.

Realizada a audiência estão provados os seguintes factos: 1.O arguido iniciou funções como fiscal municipal especialista na Câmara Municipal do Cadaval em 13-8-2001.

  1. No exercício de tais funções incumbia ao arguido proceder à fiscalização de obras licenciadas pela Câmara Municipal do Cadaval, verificando a conformidade das mesmas, ao nível do projecto de arquitectura e aspectos exteriores da obra, com os projectos que haviam sido aprovados.

  2. No ano de 2002 José decidiu efectuar obras num anexo da sua casa na Rua dos Combatentes..., em M... Cadaval.

  3. O José contactou o arguido perguntando-lhe o que deveria fazer e o que seria necessário para a realização das obras.

  4. Na Câmara Municipal do Cadaval correu termos um processo de licenciamento com o nº 461/2002 no qual figura como requerente José e tem por objecto a recuperação e ampliação de um anexo.

  5. As obras efectuadas traduziram-se na recuperação do anexo da habitação do requerente com aproveitamento das paredes exteriores e estrutura do mesmo.

  6. No referido processo o arguido fez em 13-3-2003 constar uma informação que a obra a que se referia o processo não havia sido executada.

  7. José emitiu e entregou ao arguido o cheque nº 1505229078 no montante de 400,00€ sacado sobre conta de depósito no BPI.

  8. Nos serviços da Câmara Municipal do Cadaval correu termos processo de licenciamento de obra com nº 1679/2002 no qual foi requerente Ricardo.

  9. Em 16-8-2005, no exercício das suas funções de fiscal municipal o arguido fez constar no referido processo declaração que a obra se encontrava concluída em conformidade com o projecto aprovado.

  10. Em posterior vistoria efectuada à mencionada obra foi verificado que o estacionamento público e parte do muro não se encontravam implantados no local correcto.

  11. E ainda que as escadarias exteriores e interiores não possuíam guarda corpos/gradeamento.

  12. Factos que determinaram a não emissão de licença de utilização em 6-9-2005.

  13. A determinação da correcção da implantação do muro e dos locais e estacionamento não integrava as competências do arguido enquanto fiscal municipal.

  14. Contudo o arguido sabia que ao declarar que a obra estava concluída em conformidade com o projecto estava a prestar uma informação errada e desconforme com a realidade, omitido designadamente, a falta de guarda corpos/gradeamentos nas escadas exteriores e interiores.

  15. Abalando dessa forma a confiança e verdade intrínseca da declaração que emitia.

  16. E assim permitindo ao Ricardo, seu amigo, obter a licença utilização necessária ao desbloqueamento de tranche de empréstimo bancário.

  17. Não obstante, de forma consciente e deliberada, emitiu a declaração de conformidade da obra com o projecto.

  18. Na Câmara Municipal do Cadaval correu termos um processo de licenciamento de obra com o nº 439/2000 no qual foi requerente Carla S.S....

  19. Em 29-8-2005 o arguido efectuou no referido processo declaração que a obra estava concluída em conformidade com o projecto aprovado.

  20. Em vistoria efectuada à mesma obra em 6-9-2005 foi detectado que a ligação ao esgoto não estava conforme com o projecto aprovado e que o piso do estacionamento público também não se encontrava conforme com o projecto aprovado.

  21. O que determinou a não emissão de licença de utilização em 6-9-2005.

  22. A correcção da ligação de esgoto e do piso de estacionamento não integram as funções do arguido enquanto fiscal municipal.

  23. Na Câmara Municipal do Cadaval correu termos processo de licenciamento de obras com o nº 709/2001 no qual era requerente Armando e posteriormente Ana Maria.

  24. No referido processo foi em 1-10-2003 elaborada uma informação pelo fiscal municipal Manuel consignando que a obra se encontrava concluída em conformidade com o projecto.

  25. Sendo que na referida data faltava o certificado de projecto acústico.

  26. À data em que o arguido consignou nos processos de obras referidos as informações de conformidade das mesmas com os projectos aprovados existia no município do Cadaval uma prática de tolerância na emissão de declarações de conformidade e de emissão de licenças de utilização que abstraindo do facto de alguns aspectos finais das obras, designadamente as pinturas, não estarem concluídas, prática esta que decorrida da necessidade que era imposta aos proprietários de exibir a licença para obter parte do empréstimo bancário.

  27. O arguido na data dos factos pelos quais foi pronunciado tinha como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.

  28. Posteriormente conclui licenciatura (Bolonha) e mestrado em arquitectura.

  29. Aufere mensalmente cerca de 800,00€ pelo seu trabalho como fiscal municipal.

  30. Vive em casa própria.

  31. Do seu certificado de registo criminal nada consta.

    Não se provaram os seguintes factos: 1.Que no exercício das funções de fiscal municipal pelo arguido se compreendesse a realização de vistorias às obras licenciadas pela Câmara Municipal do Cadaval.

  32. Que o arguido, quando abordado pelo José lhe tenha dito que podia começar as obras e que ele se encarregaria dos projectos e licenças camarárias.

  33. Que posteriormente o arguido tenha dito ao José para continuar as obras e lhe entregar 400,00€.

  34. Que ao entregar o cheque de 400,00€ ao arguido o José pensasse que as obras que concluíra estavam devidamente licenciadas.

  35. Que...

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