Acórdão nº 385/08.0IDLSB.L2.-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução24 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO: 1.

Nos presentes autos com o NUIPC 385/08.0IDLSB, da comarca de Lisboa Norte – Loures – Instância Local – Secção Criminal – J1, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foram os arguidos “... Serralharia, Lda.”, Vítor Manuel ......, Vítor Manuel ... ...

e Vítor Manuel ... ...

condenados, por sentença de 15/07/2013, nos seguintes termos: -A arguida “... Serralharia, Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/01, de 05/06, na pena de 300 ... de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), no valor global de € 3.000 (três mil euros; -Os arguidos Vítor Manuel ... ..., Vítor Manuel ... ... e Vítor Manuel ... ..., pela prática, como autores de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 4, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/01, de 05/06, cada um deles, na pena de 8 meses de prisão, substituindo-se as penas de prisão aplicadas por igual período de multa, à taxa diária de 8 Euros, perfazendo o valor global de € 1.920 (mil novecentos e vinte euros).

  1. Os arguidos Vítor Manuel ... ... e Vítor Manuel ... ... não se conformaram com o teor da decisão e dela interpuseram recurso, tendo sido lavrado neste Tribunal da Relação acórdão aos 01/04/2014, que decidiu: - Declarar nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, a qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação, com exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção nos termos em que acima se faz referência.

    Não conhecer das demais questões suscitadas pelos recorrentes Vítor Manuel ... ... e Vítor Manuel ... ..., por se mostrarem prejudicadas.

  2. Proferida foi nova sentença na 1ª instância aos 22/01/2015.

  3. Por despacho de 14/05/2015, na 1ª instância foi declarado extinto o procedimento criminal relativo ao arguido Vítor Manuel ... ..., por óbito do agente.

  4. Inconformado com a sentença de 22/01/2015, dela interpôs recurso o arguido Vítor Manuel ... ..., que extraiu da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte - Loures, Secção Criminal da Instância Local – J1 que condenou o Recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo Arte 105º nºs 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/01 de 5 de Junho, na pena de 8 meses de prisão, substituída por igual período de multa à taxa de 8 euros, perfazendo o total de 1920 euros. A discordância do recorrente refere-se à matéria de facto dada como provada, e à aplicação do direito.

    1. Matéria de facto incorrectamente dada como provada: 2ª - ...

      Ponto "9. Vitor ... comercializou também serviços como representante da sociedade "... Serralharia, Lda" nos anos de 2003 e 2004 da sociedade". Ora, no Facto Provado nº 4 refere-se que "em 25.02.2002, foi registada a renúncia como gerente de Vítor Manuel ... ..., ocorrida em 3.01.2002". E nenhuma da prova produzida permite afirmar que o Recorrente tenha comercializado quaisquer serviços em nome da sociedade. Basta atentar no depoimento do único cliente da sociedade ouvido, LUIS MIGUEL ... DE ... (Refª 2013060512174 782247 6472)). Isso mesmo resulta evidente do depoimento do instrutor do processo (Refª 2013060512174 782247 64712) o técnico tributário JOSÉ HENRIQUES ..., que inquirido sobre quem era efectivamente o gerente, respondeu textualmente: "Essa dúvida mantenho-a desde essa data e ainda a mantenho". Como RENOVAÇÃO DA PROVA, basta a audição dos citados depoimentos.

      1. - Facto Provado "...16.

      Os arguidos Vítor ... e Vitor ... sabiam que a sociedade não procedia aos pagamentos de IVA à administração fiscal". Por absoluta ausência de análise crítica da prova, não se percebe em que elementos de prova se baseia esta afirmação. Tanto mais que no facto provado nº 8 se diz que "...Vítor ... começou a realizar serviços em nome da sociedade "... Serralharia, Lda", recebendo os pagamentos dos clientes". Se, como se diz no facto provado nº 6, ele ficara com a sociedade como forma de pagamento de dívidas, era obviamente ele que receberia o dinheiro dos clientes e como tal seria o responsável pela entrega do IVA ao estado. A partir do momento em que os outros deixaram a sociedade (tendo mesmo o Recorrente renunciado à gerência da mesma) não tinham de se preocupar com os impostos da mesma. Trata-se aqui de erro notório na apreciação da prova.

      1. - Facto Provado nº "18. Os arguidos, actuando em nome e representação da sociedade arguida, apropriaram-se, fazendo-os seus, dos montantes efectivamente recebidos dos seus clientes...". Ora bastará, como RENOVAÇÃO DA PROVA, ouvir o registo da prova testemunhal já referida, para verificar que a audiência de julgamento foi adiada de 5/6/2013 para 28/6/2013 para que o instrutor do processo, o técnico tributário JOSÉ HENRIQUES ..., fosse "retomar o inquérito", tentando apurar se os arguidos tinham efectivamente recebido as referidas quantias, dada a forma deficiente como o processo fora instruído. O que não se conseguiu apurar, pois como se verifica pelo seu depoimento de 28/6/2013 (Refª 20130628110836 782247 64712), em resposta à pergunta "Não conseguiu apurar o IVA efectivamente recebido?" da Meritíssima Juiz, respondeu "Pois não!". O facto provado nº 18 não tem assim qualquer prova que o sustente pelo que teria de ser eliminado.

      2. - Mais grave do que isso, e comprometendo irremediavelmente a justiça da decisão, encontra-se em falta o seguinte facto que se provou: inquirido pela defesa sobre se procedera à notificação prevista no Artº 105º do RGIT (para que os arguidos procedessem no prazo de 90 ... ao pagamento do imposto em falta), respondeu o técnico tributário JOSÉ HENRIQUES ... (refª acima indicada): "Entendi que estávamos perante uma fraude fiscal, e não perante um crime de abuso de confiança fiscal: o artº 103º não prevê essa notificação". Para que os factos fossem correctamente julgados, falta assim o seguinte Facto Provado: "A administração fiscal não procedeu à notificação prevista no Artº 105º nº 4 alª b) do RGIT". A prova desse facto é o depoimento da referida testemunha.

      3. - Para que se entenda a importância deste facto na correcta decisão da causa, basta atentar no Acórdão da Relação de Coimbra de 24-4-2013, Processo nº 1222/09.2IDNIS.C1 (disponível em www.dgsi.pt): "As circunstâncias indicadas no nº 4 do Artº 105º RGIT configuram condições objectivas de punibilidade, isto é, elementos que não se ligam nem à ilicitude nem à culpa, mas que decidem sobre a punibilidade do facto". Tendo-se provado um facto (ausência de uma notificação) com relevância para a justa decisão da causa, parece evidente que o mesmo deveria figurar no elenco dos factos dados como provados. A sentença padece assim do vício de insuficiência da matéria dada como provada para a decisão.

    2. Do Direito 7º - A douta decisão recorrida interpreta erradamente a lei, uma vez que o arguido não incorreu no crime do Artº 105º do RGIT dado que: a) Já renunciara à gerência, e não se provou que a exercesse de facto; b) Não se provou se as quantias destinadas ao IVA foram efectivamente recebidas.

      8- Quanto ao primeiro ponto, decidiu este Colendo Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de 17/4/2013: "A Jurisprudência, reiteradamente, vem afirmando que o crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, consuma-se no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito, haja ou não entrega da declaração tributária.... Por isso torna-se essencial que seja o agente que no momento da consumação do crime tenha o domínio funcional dos factos".

      1. - Ora recorde-se que, quando inquirido pela Meritíssima Juiz sobre quem efectivamente exercia a gerência, após a transmissão da mesma, a resposta do técnico Tributário José Henriques ... (Refª 2013060512174 782242 64712), foi "Essa dúvida, mantenho-a desde essa data...". Estamos a falar de um elemento objectivo do tipo de crime (saber quem era o responsável pela obrigação tributária) pelo que perante esta dúvida, o Tribunal deveria obedecer ao principio "in dubeo pro reo", absolvendo o arguido.

      2. - Quanto ao segundo ponto (apropriação das quantias devidas ao fisco), em resposta a instância da Meritíssima Juiz, o mesmo técnico admitiu não ter conseguido apurar o IVA efectivamente recebido. Como se pode então falar de apropriação do mesmo? Sendo a apropriação das quantias destinadas ao imposto um elemento objectivo do tipo de crime, também aqui se não encontrava preenchido o crime do artº 105º do RGIT.

      3. - Finalmente, mesmo que admitíssemos estarem preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime (e este último implicaria que o arguido tivesse conhecimento de que o Iva não estaria a ser pago, o que é discutível, atenta a fraca escolaridade do mesmo) faltaria ainda uma condição objectiva de punibilidade, que permitisse condenar os arguidos, dado que a previsão e a punição do Artº 105º do RGIT só se verifica se "... a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não fôr paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável no prazo de 90 ... após a notificação para o efeito" (Artº 105º nº 4 alª a) e b) do RGIT na versão da Lei nº 53-A/2006 de 29/12.

      4. - Ora tendo o técnico tributário instrutor do processo reconhecido não ter feito essa notificação, e sendo a mesma uma condição objectiva de punibilidade como a respeitável jurisprudência citada vem entendendo, a sua falta impede a condenação do arguido.

      5. - Foi assim erradamente interpretado e aplicado o Artº 105º do RGIT, pelo que deve ser anulada a douta decisão recorrida, e...

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