Acórdão nº 1391/13.9TJLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROS
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório: 1.

JC e MT, intentaram contra Massa Insolvente da P., S. A. e Banco E a presente ação de declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo que: - Seja declarado nulo o contrato celebrado entre o Autor marido e a P., S. A.

- Seja declarado nulo o contrato de crédito ao consumo celebrado entre os Autores e a 2.ª Ré e desobrigados os Autores do pagamento das quantias dali emergentes; - Seja a 2.ª Ré condenada na restituição aos Autores da quantia por si paga, no valor de € 4.506,95, acrescida de juros de mora, vencidos a contar da citação e vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: Aliciados pelas ofertas e face às insistências da 1ª ré, em Maio de 2008, os autores adquiriram o cartão “Key Club”, tendo ficado acordado que o dito cartão seria pago em prestações mensais, no valor de € 129,87 cada, durante um período de 48 meses; Nesse mesmo dia, os autores assinaram vários documentos que lhes foram exibidos pela representante da 1.ª Ré com vista à aquisição de tal cartão, os quais se encontravam em branco, isto é, por preencher; Não foram explicados aos autores os direitos e obrigações para si decorrentes dos documentos que assinaram, nem lhes foi feito qualquer esclarecimento sobre o respectivo conteúdo; Naquele dia apenas foi entregue aos autores um documento, com a menção “contrato de associação”, que apenas foi assinado pelo autor marido e um cartão provisório que posteriormente seria substituído pelo cartão Key Club original, sendo que os restantes documentos por si assinados não lhes foram entregues; Por outro lado, não foi entregue aos autores cópia do contrato de crédito; No dia 5 de Junho de 2008, os autores foram surpreendidos com uma carta da 2.ª Ré na qual enviava uma fotocópia do contrato de empréstimo que os Autores haviam celebrado com aquela instituição financeira, com vista à aquisição do referido cartão; Todavia, os autores não celebraram o dito contrato de empréstimo; Contactada a 1ª Ré sobre o ocorrido, foi dito aos autores que se tratava de um erro e que iria resolver a situação, o que nunca aconteceu; A 1ª ré foi, entretanto, declarada insolvente.

  1. Regularmente citadas, as rés contestaram.

    2.1.

    A 1ª ré (Massa Insolvente da P., S. A.) impugnou a factualidade alegada pelos autores e, defendendo-se por exceção, invocou a sua ilegitimidade.

    2.2.

    A 2ª ré (Banco E), também impugnou a matéria alegada na petição inicial. Por sua vez, em reconvenção, pediu a condenação dos autores no pagamento da quantia de EUR 1.674,63, valor correspondente às prestações em dívida, bem como os juros moratórios vencidos e vincendos à taxa anual de 17,322% e que, até 20 de Setembro de 2013, perfazem EUR 676,32, bem como os juros que se vencerem àquela taxa até efetivo e total pagamento.

  2. Os autores responderam às contestações.

  3. Realizou-se audiência prévia, tendo sido julgadas improcedentes as exceções invocadas na contestação, pela 1ª ré. Foi ainda liminarmente admitida a reconvenção.

  4. Realizado o julgamento, foi, a final, proferida sentença que: I) Julgando a acção improcedente, absolveu as rés dos pedidos formulados contra si; II) Julgando a reconvenção parcialmente procedente: - Condenou os Autores/Reconvindos a pagar à 2.ª Ré/Reconvinte (Banco E) a quantia de EUR 1.674,01, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva fixada para as obrigações comerciais (artigo 102.º, § 3 do Código Comercial e Portaria n.º 277/2013, de 26 de Agosto de 2013), contados desde 26 de Setembro de 2013 até efetivo e integral pagamento; - Absolveu os Autores/Reconvindos do pagamento da quantia de EUR 0,62, peticionada a título de capital, e da quantia de EUR 676,32, peticionada a título de juros de mora vencidos.

  5. Inconformados, apelam os autores e, em conclusão, dizem: 1- O presente recurso versa apenas e tão só sobre matéria de direito, porquanto visa sindicar a sentença recorrida na parte em que considerou que o exercício do direito de invocar a nulidade do contrato estava vedado aos autores ao abrigo do instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    2- Os Recorrentes não se podem conformar com a decisão proferida pela Meritíssima Juiz "a quo", por entenderem que não foi feita uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 334º, do Código Civil e do artigo 6° do D.L. 359/91.

    3- Os recorrentes entendem que não existe abuso de direito na invocação da nulidade nos contratos celebrados com as recorridas por falta de entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumo.

    4- Uma vez que tal arguição é legítima, decorre da própria lei, sendo certo que se o contraente não a pode invocar, de nada servirá a sua previsão legal.

    5- Os Recorrentes exerceram um direito expressamente consagrado na lei e que é apenas concedido ao consumidor, e estando nós nos presentes autos perante relações de consumo a regra é a proteção do consumidor.

    6- O Tribunal "a quo" devia ter atuado com prudência quando se está perante uma relação de consumo e onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao atuar como atuaram, as Rés, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiram elas mesmas, em termos censuráveis, os deveres de cooperação, de lealdade e informação, em suma, os princípios da boa-fé.

    7- Ora, resulta da douta sentença, da matéria de facto não provada, que as rés não lograram fazer a prova de que explicaram aos autores os direitos e obrigações para si decorrentes dos documentos que assinaram; nem lhes prestaram o necessário esclarecimento sobre o conteúdo dos referidos contratos; designadamente do documento de fls. 18/19, quanto ao vencimento das prestações ou de um eventual plano de pagamento, sendo que tal documento deveria ser parte integrante do contrato, tal como resulta de fls. 18 dos autos.

    8- Resulta ainda da douta sentença, da matéria dada como provada, que a 2ª ré tinha de fornecer aos autores um exemplar do contrato, no momento da respectiva assinatura, o que não fez, e também que "As condições gerais do contrato de mútuo constantes de outra folha de onde constam as Condições Particulares não se encontram assinadas pelos autores".

    9- Atento o circunstancialismo exposto, quem deixou de cumprir com as normas aplicáveis ao contrato de crédito ao consumo, violando a relação de boa-fé e de confiança que deve existir entre os contraentes, foram as Recorridas, pois, não obstante saberem que tinham de comunicar e informar os autores do conteúdo do negócio e fornecer-lhes um exemplar do contrato, no momento da respectiva assinatura, não o fizeram.

    10- É patente a desigualdade de meios neste tipo de contrato de crédito ao consumo, revelando-se os consumidores a parte mais fraca, sendo no caso concreto o Recorrente um mero eletricista, e a Recorrente cabeleireira, possuindo ambos apenas o 9° ano de escolaridade.

    11- A nulidade em causa nos autos tem uma natureza muito especial de proteção dos consumidores, pelo que permitir a neutralização da nulidade através da figura do abuso de direito, nos termos invocados, seria manter-se "o risco que o legislador pretende evitar e, portanto, ficaria praticamente sem campo de aplicação o normativo sancionatório em apreço".

    12- Os recorrentes também não se podem conformar com o entendimento da Meritíssima Juiz "a quo", no que concerne ao abuso de direito (exceção ao funcionamento da nulidade) de que a pretensão dos Autores, no que tange à nulidade, é infundada, atento o seguinte circunstancialismo provado: "os Autores desde a data da concessão de crédito até ao incumprimento, pagaram à 1ª ré as 35 prestações mensais, no valor total de 4.506,95€; usufruíram e utilizaram os benefícios do cartão, tirando partido do financiamento, e deixaram de pagar o cartão por falta de condições financeiras".

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