Acórdão nº 536/14.6TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução04 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: P … SA, com sede ... instaurou acção declarativa com processo comum em 01/04/2014 contra Banco ..., com sede ..., pedindo: «

  1. Deverá a acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência declarados nulos os contratos de derivados financeiros em crise; b) Caso assim não se entenda, pede-se, subsidiariamente, que seja reconhecida a resolução dos contratos de derivados financeiros em crise, com fundamento na alteração das circunstâncias; c) Caso assim não se entenda, pede-se, subsidiariamente, que o Réu seja declarado civilmente responsável pelos danos causados à Autora; d) Consequentemente, em caso de procedência do pedido feito em a), em b), ou em c), deve ser restituído o seguinte montante à Autora: € 6.099.553,71 (Seis milhões…); e) A este montante acrescem juros de mora à taxa legal comercial vencidos e vincendos até restituição integral do montante peticionado».

    Alegou em síntese: -nos termos do contrato ISDA Master Agreement celebrado entre a A. e o R. é atribuída competência aos tribunais ingleses para dirimir qualquer litígio referente à validade, interpretação e execução desse mesmo contrato; - mas esse pacto privativo de jurisdição não é válido porquanto: a) a relação jurídica em apreço não apresenta qualquer traço de transnacionalidade, encontrando-se fora do escopo do nº 1 do art. 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001; b) por isso tem de se aplicar as disposições do CPC, sendo que não estão verificados os requisitos de validade exigidos pelo art. 94º, pois a relação controvertida é puramente interna e a eleição do foro não se encontra justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas; c)a escolha dos tribunais ingleses representa graves inconvenientes para a A. sem que exista um interesse atendível por parte do R., pelo que de acordo com o art. 19º al g) do DL 446/85 de 25/10, tal pacto constitui uma cláusula geral proibida; - a A. celebrou dois contratos de financiamento com taxa de juro indexada à Euribor a seis meses – um datado de 13/12/2002, no montante de 190.000.000 €, sendo mutuante a Z.... e outro datado de 30/10/2007, no montante de 125.000.000 €, sendo mutuantes o Banco ... e o Banco ...; - para cobrir o risco da flutuação das taxas de juro, a A. celebrou com o R. dois contratos de derivados financeiros – swap de taxa de juro com knock-in e knock-out -, um com data início em 09/06/2008, estando subjacente a este swap a suposta cobertura do risco da variação da taxa de juro do financiamento obtido junto do Banco ... e do Banco … e outro com data início em 11/05/2006, estando subjacente a este swap a suposta cobertura do risco da variação da taxa de juro do financiamento obtido junto da Z...; - os referidos contratos são de teor altamente especulativo, não eliminando eficazmente o risco de variação de taxa de juro, antes consistem na troca de um risco por um risco ainda maior, não se incluindo pois, no âmbito da gestão da dívida da A.

    * O R. contestou tendo, além do mais, pugnado pela sua absolvição da instância, invocando a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses e caso assim não se entenda, a excepção de abuso de direito processual, alegando, para tanto e em síntese: - foi a A. que propôs a assinatura do ISDA Master Agreement e do respectivo Schedule, o qual incluía uma cláusula de jurisdição a favor dos tribunais ingleses; - a A. não só quis conferir jurisdição aos tribunais ingleses como o exigiu inequivocamente, fazendo da assinatura do Master Agreement uma verdadeira condição do concurso para contratar; -é por isso em manifesto venire contra factum proprium que a A. alega a inaplicabilidade da cláusula de jurisdição, sendo evidente o abuso de direito processual; -as normas do Regulamento CE 44/2001 referentes aos pactos de jurisdição prevalecem sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do CPC; -não é líquido se o Regulamento é aplicável a qualquer litígio envolvendo Estados-Membros, incluindo os puramente domésticos, ou se é apenas aplicável a litígios sobre relações jurídicas com elementos de estraneidade, internacionalidade ou transnacionalidade, ou seja, elementos de conexão com outras ordens jurídicas; -mesmo para quem entenda que são necessários elementos de estraneidade, é absolutamente consensual que os critérios de conexão podem ser subjectivos (caso da residência das partes, a sede ou a nacionalidade) ou objectivos (que se reportam a objectos e factos); -a relação jurídica regulada pelo ISDA Master Agreement apresenta elementos de estraneidade porquanto: - ambas as partes nos contratos de swap são portuguesas, é certo, mas o R. é uma filial do Banco ... com sede em Espanha sendo por este totalmente detido; - o R. actuou na qualidade de banco internacional, o que se torna evidente no ISDA Master Agreement pois aí foi considerado uma Multibranch Party, podendo fazer e receber pagamento em qualquer transacção através da sua filial em Londres ou no Luxemburgo; -os dois contratos de swap têm subjacentes financiamentos concedidos por bancos estrangeiros, estão redigidos em inglês e é-lhes aplicável a lei inglesa; -os swaps são um produto do mercado internacional em que os bancos actuam como intermediários de partes localizadas em diferentes ordenamentos jurídicos; -o art. 19º al g) do DL 446/85 é inaplicável, além do mais porque o direito aplicável aos contratos é o inglês.

    * A A. respondeu às excepções, reiterando a alegação vertida na p.i. no sentido de que este pacto de jurisdição está fora da aplicação do nº 1 do art. 23º do Regulamento (CE) 44/2001, e invocando ainda, em resumo: -a alegada actuação do R. como banco internacional e o facto de poder fazer e receber pagamentos através das filiais em Londres e no Luxemburgo não são suficientes para configurar um elemento de estraneidade, pois tal consideração pressupõe que (i) basta a existência de um accionista domiciliado além-fronteiras ou (ii) a mera referência contratual à possibilidade de ocorrerem pagamentos num outro país para que estejamos perante uma situação transnacional; o que releva é a nacionalidade/domicílio das partes e o local efectivo do cumprimento contratual; -a redacção de um contrato numa língua estrangeira ou a escolha de uma lei estrangeira não são critério bastante de transnacionalidade; -os contratos de swap em causa não são contratos internacionais; -o contrato ISDA é um contrato padronizado, pré-elaborado por uma entidade estranha à relação contratual e por isso a A. não foi a proponente do pacto de jurisdição; -não há abuso de direito processual por parte da A.; -toda a lei portuguesa imperativa é aplicável aos contratos em crise.

    * Após os articulados foram juntos pareceres jurídicos - dois pelo R. e um pela A.

    * Dispensada audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de incompetência internacional arguida pelo. R e declarou o tribunal português internacionalmente incompetente para julgar a causa, absolvendo o R. da instância.

    * Inconformada, apelou a A., que terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: A. INAPLICABILIDADE DO REGULAMENTO DE BRUXELAS 1.

    Na Sentença, considerou-se, erradamente, o pacto privativo de jurisdição celebrado pelas partes válido e eficaz à luz do ordenamento jurídico português e, como tal, o Réu, ora Recorrido, foi absolvido da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, a), do CPC.

    1. A Sentença merece vários reparos, tendo violado o artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento de Bruxelas bem como o artigo 94.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, e o artigo 19.º, g), da LCCG.

      A.

      Inaplicabilidade do Regulamento de Bruxelas a situações puramente internas.

    2. É entendimento uniforme do TJUE que a aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação transnacional, como o demonstram inequivocamente os Acórdãos Maletic, Owusu e Lindner.

    3. A questão da internacionalidade do litígio foi pura e simplesmente ignorada na Sentença, sendo certo que se a relação jurídica subjacente a um litígio não for transnacional, não está, ipso facto, preenchido o âmbito de aplicação pessoal ou espacial do Regulamento de Bruxelas.

      B.

      Carácter puramente interno da relação jurídica em crise 5.

      No caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE susceptível de conferir um carácter transnacional à relação jurídica em crise, visto que ambas as partes são pessoas colectivas de direito português, os contratos em crise foram celebrados em Portugal e o lugar do cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

    4. Contrariamente ao que pretende o Recorrido, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se: (i) no facto de os contratos de financiamento celebrados pela Recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas, (ii) na actuação do Recorrido como banco internacional, (iii) no uso da língua inglesa, (iv) na aplicação da lei inglesa ou (v) no facto de estarmos perante um produto importado que se insere num mercado internacional.

    5. Não há qualquer ligação entre os contratos de mútuo e os swaps em crise, já que os segundos não contêm qualquer referência aos primeiros, sendo a respectiva existência totalmente autónoma.

    6. Ademais, como salienta o Recorrido na sua contestação, a abstracção relativamente à realidade subjacente é característica dos derivados em geral: de facto, e como de resto aconteceu no caso do swap de 2006, o contrato de mútuo, mesmo que sirva de referência a um contrato swap, pode ser resolvido antecipadamente sem que isso implique a resolução automática do contrato swap.

    7. Os swaps em crise não têm qualquer relação material com os supostos financiamentos subjacentes, conforme alegado na petição inicial.

    8. A actuação do Recorrido como banco internacional, ou o facto de, ao abrigo do contrato ISDA, o Recorrido poder receber e fazer...

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