Acórdão nº 7406/14.6TDLSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelGUILHERME CASTANHEIRA
Data da Resolução11 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO: No nuipc 7406/14.6TDLSB-A.L1, “P1..., Lda”, e “P2..., Lda”, interpuseram recurso do “despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, de fls. 160 e seguintes, maxime na parte respeitante à de fls. 161 e seguintes”, proferido no Tribunal Central de Instrução Criminal, com as seguintes conclusões: “PRIMEIRA - O presente recurso vem interposto do DESPACHO proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a fls. 160 e seguintes, que determinou a junção aos autos de um conjunto de gravações registadas em áudio e de um conjunto de transcrições, que reproduzem essas mesmas gravações; SEGUNDA - Todos os elementos em causa, sejam as gravações, sejam as transcrições, foram objeto de apreensão, no decurso de uma busca realizada às instalações das RECORRENTES, diligência que teve lugar no passado dia 6 de Janeiro, e que foi ordenada nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 174 e 176 ambos do CPP; TERCEIRA - Nessa busca foi ordenada a apreensão dos elementos designados por DVD-DADOS 3 e do DVD-DADOS 4, onde se contém, quer as gravações, quer as transcrições, estas vertidas em suporte de papel, relativas a um conjunto de entrevistas, cfr. a página 11 do auto de busca; QUARTA - Foi igualmente ordenada a apreensão de um acervo específico de transcrições das gravações, cfr. os documentos 46 a 49, constantes da página 8 do auto de busca; QUINTA - Este recurso vem interposto do DESPACHO do Mm.° Juiz de Instrução Criminal, que determinou, como se disse, a junção aos autos, seja das gravações, seja das transcrições, independentemente do suporte em que se encontrem e da sua precisa identificação no auto de busca e no próprio DESPACHO.

Ou seja: SEXTA - O recurso abrange todas as gravações efetuadas e todas as respetivas transcrições, porque não há razão para que sejam tratadas de modo diverso, tendo em conta a malha legal aplicável.

E porquê? SÉTIMA - As gravações em causa foram efetuadas pelas RECORRENTES, no quadro da elaboração do RELATÓRIO, produzido a pedido da administração da PT, que visou, como se diz no DESPACHO, a análise dos procedimentos e dos atos relativos às aplicações de tesouraria efetuadas por empresas do universo PT no Grupo GES e, especificamente, na R... S.A..

OITAVA - As gravações aqui em causa, efetuadas no âmbito da elaboração do RELATÓRIO, resultam de um pedido, feito pelas RECORRENTES a cada um dos entrevistados, para que autorizassem a recolha em suporte áudio do teor das entrevistas realizadas, permitindo, assim, às RECORRENTES, terem ciência do exato teor das declarações prestadas por cada um dos titulares do direito à palavra, quando e se viessem a utilizar as entrevistas na confeção do RELATÓRIO; NONA - Os entrevistados anuíram ao pedido das RECORRENTES e autorizaram as gravações. Mas fizeram-no na condição expressa, de que o conteúdo das gravações ficaria em poder das RECORRENTES e seria apenas utlizado para o efeito pretendido, ou seja, o auxílio na elaboração do RELATÓRIO.

DÉCIMA - É esse o limite do consentimento dos visados.

Foi com essa finalidade exclusiva que a autorização foi pedida e, seguramente, foi com base nesse mesmo pressuposto que a autorização foi concedida. Os depoentes anuíram a que as suas palavras fossem gravadas, na convicção legítima de que, o uso único a dar às gravações, se esgotaria na preparação e redação do RELATÓRIO.

DÉCIMA-PRIMEIRA - Os entrevistados anuíram, assim, a que se procedesse à gravação dos seus depoimentos, no pressuposto, que lhes foi transmitido e que aqui se pretende assegurar, de que as suas palavras seriam utlizadas apenas pelas RECORRENTES e, de igual modo, exclusivamente no quadro da elaboração do RELATÓRIO. Ficou assim claro que, só nestas condições, o consentimento foi prestado.

Ora: DÉCIMA-SEGUNDA - O artigo 26, n. 1 da CRP impõe o reconhecimento do direito à palavra, no qual se inclui, como se detalha na motivação, o direito a decidir sobre o círculo de pessoas a quem a palavra se pode transmitir.

DÉCIMA-TERCEIRA - Nos termos do disposto no artigo 32, n.° 8, da CRP "são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações." DÉCIMA-QUARTA - Constitui prova inequívoca da importância e da tutela conferida à palavra, enquanto bem jurídico relevante, a norma do artigo 199 do Código Penal (CP), que pune com pena de prisão até 1 ano e multa até 240 dias, "quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e destinadas ao público" ou "utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos." Cfr.

artigo 199, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alínea b) do CP.

DÉCIMA-QUINTA - Isto quer dizer, basicamente, que, ainda que uma gravação haja sido obtida legitimamente, por força do consentimento prestado pelo seu autor e titular do direito, não poderá ser utlizada fora dos parâmetros do consentimento.

DÉCIMA-SEXTA - Como se expõe abundantemente na motivação, para onde se remete, mesmo uma gravação legitimamente obtida, como foi o caso, poderá ser utilizada de forma ilícita, o que, naturalmente, a lei proscreve.

DÉCIMA-SÉTIMA - Na expressão impressiva do Tribunal Constitucional Federal Alemão trata-se do direito que assiste "a todo o homem - e só a ele - de decidir quem pode gravar a sua voz bem como e uma vez registada num gravador, se e perante quem a sua voz pode ser de novo ouvida." Op. e loc. citado com sublinhado das RECORRENTES.

DÉCIMA-OITAVA - Desenvolvendo esta mesma senda diz Costa Andrade: "Traduz-se, por isso, no direito que assiste a cada um de decidir livremente se e quem pode gravar a sua palavra bem como, e depois de gravada, se e quem pode ouvir a gravação." Op. cit. página 821. Para rematar este sugestivo acervo de citações, que, reconheça-se, assentam, como uma luva feita à medida, no caso em apreço, deixemos a derradeira: "Nos termos da al. B) do n.° 1 do art. 199, é proibida e punida a utilização, sem consentimento, das gravações, mesmo que licitamente produzidas…, …a utilização não consentida da gravação é ilícita mesmo quando ela tenha sido licitamente produzida.

Op. cit. página 830 com sublinhado apenas parcial das RECORRENTES.

DÉCIMA-NONA - De acordo com o estipulado no artigo 126 do CPP "são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas." Cfr. n.º 1. O mesmo artigo, agora no seu n.º 2, considera ofensivas da integridade física ou moral das pessoas "as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante…,…utilização de meios cruéis ou enganosos.

Cfr. alínea a), do n.° 2, do artigo 126.

VIGÉSIMA - Remata o n.º 3 no sentido de que, "ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular." VIGÉSIMA-PRIMEIRA - Pelo paralelismo evidente que patenteia com a matéria das gravações e o respetivo uso processual, deve chamar-se à colação o regime previsto para as escutas telefónicas, invocado, aliás, no requerimento exarado no próprio auto de busca.

VIGÉSIMA-SEGUNDA - Esse paralelismo radica no facto de ser no quadro da previsão normativa relativa às interceções e gravações telefónicas, que a lei estipula como podem essas mesmas gravações ser legalmente obtidas, controladas e utilizadas.

VIGÉSIMA-TERCEIRA - No caso vertente as gravações não foram autorizadas por um juiz, não foram realizadas no quadro de um inquérito e não nasceram da permissão concedida para se intercetarem comunicações de suspeito, arguido, ou terceiros elegíveis.

VIGÉSIMA-QUARTA - O que vale por afirmar, que as gravações em causa não respeitaram o disposto nos artigos 187, n.° 5 e seguintes e 188 do CPP.

Dir-se-á, Contudo: VIGÉSIMA-QUINTA - As gravações não poderiam ter sido assim obtidas, dado que, em verdade, não foram desencadeadas no quadro de um processo de inquérito.

VIGÉSIMA-SEXTA - Trata-se de um argumento tautológico, que não pode fundamentar, em caso algum, a decisão do DESPACHO.

Efetivamente: VIGÉSIMA-SÉTIMA - A questão nuclear que é colocada à apreciação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, consiste em saber se, gravações obtidas nas condições descritas, podem ou não ser juntas aos autos.

Ora: VIGÉSIMA-OITAVA - Porque essas gravações não foram efetuadas em conformidade com o disposto nos artigos 187, n. 5 e seguintes e 188 do CPP, a admissibilidade da respetiva junção só poderia ancorar-se na circunstância de os entrevistados terem anuído à gravação.

Com efeito: VIGÉSIMA-NONA - Sendo eles os titulares do interesse protegido – o direito à palavra – só mediante o seu consentimento, se poderia tornar lícito o uso, no quadro probatório, das aludidas gravações. Isso decorre do disposto nos artigos 126, n.° 3 e 167, n.° 1, ambos do CPP e do artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

Sendo assim: TRIGÉSIMA - Na falta desse consentimento, a contrario, as dissecadas gravações não poderão ser utilizadas como prova, face ao disposto nos normativos legais e, nomeadamente, os artigos 126, n.° 3 e 167, n.° 1, ambos do CPP e do artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

TRIGÉSIMA-PRIMEIRA - Recuperando aqui, tudo aquilo que se alegou na motivação sobre o que significa o consentimento, dúvidas não restam de que ele abrange não apenas a autorização para que sejam gravadas as palavras proferidas, mas engloba, do mesmo modo, as condições a que esse consentimento está sujeito.

Logo: TRIGÉSIMA-SEGUNDA - Se o consentimento for violado, deixa de ser relevante, para subtrair a tipicidade da conduta, em face do disposto no artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

TRIGÉSIMA-TERCEIRA - E o consentimento será violado, se foi violado o que havia sido acordado...

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