Acórdão nº 150/13.3 T3MFR.L1 -5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução30 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL) I-RELATÓRIO 1.1- Por sentença de 27 de Novembro de 2014, proferida no âmbito do proc- comum singular nº150-13.3T3MFR.L1, foi a ali arguida P absolvida da imputação como autora material de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. no artº 205º nºs1 e 4, alª b) do CP.

Inconformada, a empresa demandante civil T , S.A.

, recorreu agora desta decisão.

A sentença fundou a absolvição nas razões seguintes : “I – Relatório: Para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Digno Magistrado do M.P. acusou a arguida: P,...

imputando-lhe a prática em autoria material, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelos artºs 205º, nºs 1 e 4, al. b), por referência ao artº 202º, al. b) do C.P., pelos factos constantes da acusação pública de fls. 95-99, e que aqui se dão por reproduzidos.

* T, S.A.

deduziu pedido de indemnização cível, constante a fls. 114-119, que aqui se dá por reproduzido, peticionando a condenação da arguida na restituição do veículo automóvel de marca Kia, modelo Ceed SW 1.6 CRDI, com a matrícula ..., bem como do computador portátil Notebook FSRL; no pagamento da quantia de 12 300,00 € correspondente ao valor de uso do automóvel pelo período de 41 meses, acrescido do valor de 300,00 € mensais até efectiva entrega da viatura à demandante; no pagamento da quantia de 454,00 € pelo período de 41 meses, referente ao valor de uso do computador; e, finalmente, no pagamento de uma quantia correspondente ao valor de desvalorização do veículo automóvel, a liquidar em execução de sentença.

A título de pedido subsidiário, a demandante peticiona seja a arguida demandada condenada a pagar-lhe a quantia de 25 990,39 €, correspondente ao valor de compra do veículo em causa nos autos, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do pedido de indemnização até integral pagamento, bem como no pagamento do valor de 454,00 €, correspondente ao valor de compra do computador também origem dos presentes autos, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do pedido de indemnização até integral pagamento. A arguida contestou a acusação e o pedido de indemnização cível e arrolou testemunhas, a fls. 142-146 e 151-155.

Alega ser accionista da T, S.A., sendo casada com JM, também accionista/administrador da sociedade. Encontram-se separados de facto desde Julho de 2010.

Foi efectivamente contratada como consta da acusação.

Porém, o veículo automóvel e o computador portátil objecto da acusação e do pedido de indemnização cível foram adquiridos pelo casal para uso da arguida na vida familiar. Mais concretamente, o computador foi um presente de aniversário de JM, seu marido, e o automóvel foi adquirido para as mais diversas tarefas familiares da arguida, desde entrega e recolha dos filhos na escola, compras para a casa e deslocações da arguida para a sede da T, SA.

A arguida sempre entendeu que os referidos bens foram adquiridos e sempre estiveram destinados ao seu uso pessoal e exclusivo, pertencendo-lhe, pois não lhe foram entregues em razão das funções por si exercidas na T, SA.

* Realizou-se a audiência de julgamento, com observância de todas as formalidades legais, como se constata do confronto da respectiva acta.

(…)III – Fundamentação: OS FACTOS: a) Matéria de facto provada: 1. Da acusação, do pedido de indemnização cível, da contestação e da discussão da causa, com interesse para a sua decisão, provaram-se os seguintes factos: 1 - A arguida P foi contratada pela T, SA em meados de 2009 para exercer, por sua conta e sob a sua autoridade e direcção, a actividade de administrativa.

2 – Em 15 de Setembro de 2010, através de carta registada com aviso de recepção, a T, SA notificou a arguida para, no prazo de três dias úteis, entregar o veículo automóvel de marca Kia, modelo Ceed SW 1.6 CRDI, com a matrícula ..., bem como seus documentos e acessórios.

3 - A T, SA notificou a arguida, em 23 de Setembro de 2010, através de carta registada com aviso de recepção, que a relação laboral entre ambas cessaria em 30 de Setembro de 2010 e, novamente, para, no prazo de três dias úteis, entregar o veículo automóvel de marca Kia, modelo Ceed SW 1.6 CRDI, com a matrícula ..., bem como seus documentos 4 – Até ao momento a arguida não procedeu à entrega à T, SA quer do veículo automóvel de marca Kia, modelo Ceed SW 1.6 CRDI, com a matrícula ..., bem como dos seus documentos e acessórios, quer do computador portátil com a designação Notebook F5RL.

5 – A arguida considera estes dois bens (automóvel e computador portátil) sua propriedade, porquanto foram adquiridos pelo casal para uso da arguida na vida familiar.

6 - O computador portátil foi um presente de aniversário de JM, seu marido, e o automóvel foi adquirido para as mais diversas tarefas familiares da arguida, desde entrega e recolha dos filhos nas escolas, compras para a casa e deslocações da arguida para a sede da T, SA.

7 - No certificado de registo criminal da arguida não consta averbada qualquer condenação anterior.

8 - A arguida sobrevive de um subsídio pago pela Segurança Social Portuguesa no valor mensal de 130,00 €, bem como de auxílios de familiares.

9 - A arguida e JM têm três filhos em comum, sendo um menor, com 16 anos de idade.

10 - JM não contribui com qualquer quantia a título de pensão de alimentos devidos ao filho menor do casal.

* b) Matéria de facto não provada: Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos constantes da acusação: 1 - Aquando da celebração do contrato de trabalho, a T, SA entregou à arguida, para o desempenho das suas funções, os seguintes bens e equipamentos: a) um computador portátil com a designação Notebook F5RL, no valor de € 454,00 (quatrocentos e cinquenta e quatro euros); b) o veículo automóvel de marca Kia, modelo Ceed SW 1.6 CRDI, com a matrícula ..., no valor de € 25.990,39 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros e trinta e nove cêntimos).

2 – Que a arguida fez seus, utilizando-os em proveito próprio, contra a vontade da T, SA, a quem pertenciam, os referidos bens.

3 - A arguida actuou com o propósito concretizado de fazer seus os referidos automóvel e computador portátil, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, que apenas lhe haviam sido entregues em razão das funções por si exercidas, e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.

4 - A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* c) Motivação: A convicção do tribunal assentou no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz de regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

A arguida prestou declarações, negando com veemência e com um discurso assertivo e peremptório ter-se apropriado dos bens referidos na acusação e no pedido de indemnização cível, porquanto os mesmos são sua propriedade, como entende e esclareceu o porquê.

O computador portátil foi-lhe entregue por seu marido, JM, embrulhado e com laçarote, como presente de aniversário.

O veículo automóvel foi escolhido e comprado por ambos para a arguida utilizar a título pessoal para ir às compras, levar e buscar os filhos às escolas, transportar-se à T, SA, da qual é accionista, embora não detenha na sua posse nenhuma das acções, ao portador, porquanto seu marido, administrador da T, SA, em Fevereiro de 2011 ter retirado do interior da casa de morada de família todo o acervo documental relativo à vida em comum de ambos, das suas habitações e da sua sociedade comercial, do que apresentou queixa-crime, conforme documento que juntou a fls. 147-150 verso.

O seu casamento com JM foi sob o regime de separação de bens.

A arguida declarou a sua condição socioeconómica, assim tendo ficado assente pelo Tribunal.

As declarações da arguida mereceram credibilidade ao Tribunal, porquanto a mesma mostrou-se sinceramente revoltada e angustiada, não só com a situação objecto dos autos, mas com toda a conduta de seu marido, JM, administrador da T, SA, demandante dos autos, que a espoliou de todo o património que ambos construíram em comum e que não consegue comprovar em virtude, por exemplo, de o seu regime de casamento ser o da separação de bens, de as acções da sociedade comercial serem ao portador, e de seu ex-marido ter retirado toda a documentação que pertencia a ambos da residência do casal, ficando praticamente impossibilitada de comprovar os seus direitos, pelo menos, de comproprietária de bens e direitos que ambos adquiriram conjuntamente.

O Tribunal não se influenciou por alegada (pela demandante) imagem de fragilidade da arguida.

O seu depoimento foi sincero, coeso e credível.

Ademais, foi seguramente confirmado pelas testemunhas DM e FM, filhos do casal, que referiram que quer o veículo, quer o computador, foram adquiridos para uso pessoal da arguida.

Aliás, já um computador portátil ASUS, usado pela testemunha FM, filho do casal, havia sido adquirido em nome da empresa.

Ambos referiram que tanto a aquisição de veículos, como de computadores, eram efectuadas em nome da empresa por razões relacionadas com “benefícios fiscais”, que não souberam esclarecer, mas que era o que ouviam falar a seus pais.

Assim, resultou apurada a aquisição de bens para uso pessoal do agregado familiar do administrador da demandante T, SA, em nome desta e, por vezes, com capital desta.

Assim sucedeu com o veículo e com o computador objecto dos autos, ficou o Tribunal ciente.

As testemunhas IB, que era vizinha e amiga frequentadora da residência do casal, também conviveu com o referido objectivo na aquisição de bens por parte da sociedade T, SA, demandante nos autos, para uso pessoal dos seus administradores/accionistas – os referidos “benefícios fiscais”.

CR referiu que chegou a ir com JM e a arguida negociar a carrinha Kia Ceed SW 1.6...

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