Acórdão nº 25/14.9SULSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA GRA
Data da Resolução03 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: *** I – Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, o arguido O.M.C.

, filho de C.C. e de V.A., nascido na Roménia, a ……., solteiro, agricultor, actualmente desempregado, titular do Bilhete de Identidade nº ………, emitido pela República da Roménia, residente, antes de preso preventivamente, na Rua …………… Torres Vedras foi condenado: a) Como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º/1, 132º/2- e) e 23º, do CP, na pena de sete anos e seis meses de prisão; b) Como autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º/1, do CP, na pena de dois anos de prisão; c) Como autor material de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artº 200º/2, do CP, na pena de dez meses de prisão; d) Como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º-d), da Lei 5/2006, na pena de quatro meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos e seis meses de prisão; f) A pagar ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.

indemnização cível, no valor de onze mil e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos, acrescido de juros à taxa legal, vencidos desde a notificação do demandado até integral pagamento; g) A pagar ao demandante J.M.P.F.

, a indemnização cível global de sessenta mil e cem euros (sendo sessenta mil euros por danos não patrimoniais e cem euros por despesas de transporte), acrescida do valor que venha a ser liquidado, em execução de sentença, relativo a lucros cessantes relativos à perda de ganho que decorra da IPP que lhe venha a ser fixada e às despesas de transporte que o demandante venha a suportar, no futuro, relativas a deslocações a consultas e tratamentos decorrentes das lesões de que sofreu, descritas nos autos.

*** O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «I. Resulta documentalmente demonstrado nos autos, que efectivamente foi o arguido que surgiu no local cerca de uma hora depois dos factos e voluntariamente se dirigiu e abordou as autoridades que se encontravam no local, como resulta do auto de visionamento de fls. 160.

  1. O arguido não só se entregou voluntariamente, como também colaborou com as autoridades policiais e judiciais para a descoberta da verdade.

  2. Do teor de fls. 99 dos autos também resulta objectiva e visivelmente demonstrado que a navalha que o arguido utilizou mede 7,5 cm de lâmina.

  3. O arguido afirma uma versão contraditória em relação à versão do ofendido em julgamento, na qual o ofendido reage ao roubo, tentando retirar a navalha ao arguido e da luta resultante pelo controlo dessa navalha é que advêm os ferimentos infligidos ao ofendido, nomeadamente a ferida no pescoço, com perfuração da traqueia.

  4. As lesões descritas no ponto n.° 24 da matéria de facto provada, nomeadamente as lesões descritas nas mãos do ofendido, são perfeitamente consonantes com a descrição efectuada pelo arguido, conferindo-lhe credibilidade.

  5. Principalmente, se atendermos à confissão efectuada no demais e à colaboração do arguido.

  6. Para além de serem também consonantes com a descrição inicial do ofendido, que referiu que deixou de “reagir” depois de ter sido esfaqueado no pescoço (fls. 147).

  7. As regras da experiência também conferem credibilidade e verosimilhança à versão dos factos apresentada pelo arguido.

  8. Não havendo qualquer outro meio directo de prova para além das versões contraditórias do ofendido-demandante e do arguido.

  9. E sendo a versão do arguido plausível face aos demais elementos constantes do processo.

  10. Tais elementos de prova, conjuntamente com a aplicação do princípio in dubio pro reo impunha decisão diferente quanto aos referidos factos n.° 5 e n.° 6, bem como quanto aos factos n.° 27 e n.° 28.

  11. Entende o recorrente que a sua actuação não preenche os elementos típicos da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido no art. 131.° n.° 1, art. 132.° n.° 2 alínea g) e art. 23.° do Código Penal, em concurso real com um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.° n.° 1 do mesmo diploma.

  12. Antes consubstanciando um crime de roubo agravado, nos termos do art. 310.°, n.° 2, al. a) do CP, visto ter infligido ofensa à integridade física grave, causadora de perigo para a vida do ofendido.

  13. Sendo o arguido condenado pela prática de crime doloso, não se justificaria a sua condenação pelo crime de omissão de auxílio, porquanto este se consumou naquele, dada a preterintencionalidade do agente na produção desse crime doloso, não lhe sendo exigível cumprir com o dever de solidariedade social, uma vez que o resultado pretendido alcançar seria precisamente atentar contra a vida ou a integridade física do ofendido.

  14. A detenção da navalha pelo arguido, atentas as suas dimensões, é insusceptível de preencher o tipo do crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art. 86°, n° 1, d) da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro.

  15. Uma devida ponderação das circunstâncias atenuantes permitia e aconselhava uma graduação da(s) pena(s) mais próxima dos mínimos legais do que se verificou no caso concreto, ocorrendo, assim, exagero na condenação do arguido, o que constitui uma errónea aplicação das normas constantes dos artigos 70° e 71° do Código Penal.

Pelo exposto, e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas, deve o presente recurso merecer provimento, com o que se fará a costumada».

*** Contra-alegou o Ministério Público admitindo que houve lapso na descrição da navalha, que é aquela que se mostra descrita e fotografada a folhas 99; que o crime de omissão de auxílio não se verifica e que a postura do arguido, após os factos, possa ter sido a de se entregar às autoridades. No demais, demonstrou concordância com o acórdão recorrido e concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos: «– O douto acórdão recorrido fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa, não tendo incorrido em qualquer erro que invalide o decidido; – aceitando-se, porém, que a absolvição pela prática do crime de omissão de auxílio se traduza numa ligeira redução do quantum da pena única».

*** Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.

*** II- Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).

As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são: -Impugnação do provado sob os pontos de facto 1, 5, 6, 27 e 28 do provado e 2º parágrafo dos não provados; -Errada subsunção dos factos aos tipos legais pelos quais foi condenado, designadamente quanto aos crimes de homicídio agravado tentado, que o recorrente entende ser um crime de roubo agravado, nos termos do artº 310º/ 2- a), do CP e quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de omissão de auxílio, que o recorrente entende que não existem; -Excesso das penas aplicadas, que o recorrente entende que deveriam ter sido graduadas mais próxima dos mínimos legais.

*** *** III- Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1- No dia 21.04.2014, cerca das 00h03, na Avenida Dom João II, em Lisboa, o arguido munido de uma navalha com o cabo de 11,50 cm e 10,50 cm de lâmina, solicitou a J.M.P.F., motorista da viatura táxi, da marca “Citroen”, modelo 2C-Elysée”, com a matrícula XX, que o transportasse até ao Campo Grande, em Lisboa.

2- Antes de entrar para a viatura, o arguido colocou a sua mochila com os documentos pessoais na bagageira da mesma, após o que ocupou o banco de trás do lado direito da mesma 3- Uma vez na Rua Actor António Silva, o arguido solicitou ao ofendido que parasse o táxi, junto à paragem dos autocarros ali existente, o que aquele fez, apresentando de seguida a conta pelo serviço prestado, no valor de 8,70 €, acrescido de 1,69 € da bagagem.

4- Nesse momento o arguido retirou a navalha que trazia consigo e colocando-se atrás do banco do condutor envolveu um dos braços à volta do pescoço do ofendido e com a outra mão encostou a lâmina da navalha ao pescoço e, gritando, exigiu ao ofendido que lhe entregasse tudo o que tinha consigo.

5- Como o ofendido lhe dissesse que tinha abastecido a viatura e que por esse motivo apenas lhe restavam três notas de 10,00 € no bolso da camisa, o arguido sem nunca desviar a faca do pescoço do ofendido, retirou as referidas notas e exigiu que aquele lhe entregasse mais dinheiro.

6– Seguidamente, em dado momento, o arguido desferiu-lhe um primeiro golpe com a navalha e de seguida, com o mesmo objecto, tentou alcançar-lhe o corpo através de movimentos que fez com aquela, aos quais o ofendido se foi opondo colocando os braços à frente, tentando virar-se para trás, até que num desse movimentos logrou alcançar e perfurar a traqueia do ofendido.

7– Após, verificando que o ofendido encontrava-se ferido, ensanguentado e sem capacidade de se opor aos seus intentos, o arguido retirou de várias partes do interior da viatura os bens e valores assim discriminados: • Várias moedas, num valor total de 9,97€ • Um maço de tabaco da marca SG Filtro; • Um carregador de isqueiro, da marca “NOKIA N90” • Um canivete de cor verde.

• Chaves da residência do ofendido, pendentes numa fita azul com um mosquetão.

8- O ofendido sentindo que estava a desfalecer e com a intenção de pedir ajuda disse ao arguido para se ir embora que a polícia estava a chegar, o que aquele fez levando consigo, fazendo seus, os citados os bens e valores.

9- O arguido percorreu a pé o caminho entre Av. Alameda das Linhas de Torres, Azinhaga de Entremuros, Rua José Galhardo, chegando à Rua Agostinho Neto, onde escondeu, no terraço localizado acima do Continente da Quinta do Lambert: • Um casaco preto, com vestígios de sangue; • Um casaco branco...

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