Acórdão nº 3051/13.1 T3SNT.LI-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: 1. Por decisão de 19 de Fevereiro de 2015, foi o arguido M.C. condenado como autor de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelo artigo 108°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, com referência aos artigos 1º e 3º do mesmo diploma, na pena de 60 (sessenta) dias de prisão substituída por igual tempo de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), e na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à mesma razão diária.

Foi o arguido condenado na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros).

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, alegando, em síntese, o seguinte: a) Invocar a nulidade da decisão, por violação do nº2 do artº 374 do C.P. Penal, porque não analisa a produção de prova que fundamenta a decisão de dar como provados os factos constantes nos pontos 9 a 13; b) Considera mostrarem-se incorrectamente julgados os factos provados n.ºs 1, 2 e 8 a 13; c) Entende ocorrer erro no enquadramento jurídico realizado, por entender que os factos dados como assentes deveriam qualificar o jogo desenvolvido pela máquina não como de fortuna ou azar, mas sim como modalidade afim de fortuna ou azar.

    Termina pedindo a sua absolvição da prática do crime pelo qual foi condenado.

  2. O recurso foi admitido.

  3. O MºPº junto do tribunal ”a quo” pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

  4. Neste tribunal, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em idêntico sentido.

    II – questões a decidir: a. Nulidade da sentença.

    b. Erro na apreciação da prova.

    c. Erro no enquadramento jurídico.

    iii – fundamentação: a. Nulidade da sentença e b. Erro na apreciação da prova.

    Ponto prévio: Pese embora estas duas questões tenham natureza jurídica distinta e a primeira deva ser apreciada previamente à segunda, por uma razão de ordem lógica (já que, em sede de princípios, se ocorrer uma nulidade da decisão, a sua sanação terá de passar pela revogação do decidido – ainda que parcial – e prolação de nova sentença, o que prejudicaria o conhecimento da segunda questão, pelo menos até à sanação do primeiro vício), a verdade é que, no caso dos autos, teremos de optar pelo conhecimento destas questões em sentido precisamente inverso, pelas razões que adiante melhor explicitaremos.

  5. Vejamos, em primeiro lugar, quais os factos dados como assentes, na decisão alvo de recurso. São eles os seguintes: 1. No ano de 2011, o arguido explorava o Estabelecimento de Restauração e Bebidas: Café denominado “X", sito na Rua ………., em Belas, competindo-lhe decidir todas as questões relativas ao funcionamento de tal estabelecimento.

  6. No dia 28 de Fevereiro de 2011, pelas 10h15, o referido arguido tinha por detrás do balcão de atendimento ao público uma máquina automática eléctrica, tipo portátil, de cor cinzenta, com a designação "Colorama".

  7. Na parte lateral direita do painel existe um mecanismo de introdução de moedas de € 0,50, €1,00 e €2,00 e no centro situa-se um mostrador circular dividido em oito pontos, identificados pelos seguintes números: 1; 5; 2; 100; 5; 20; 200; 10.

  8. O mostrador circular é constituído por vários led's (pequenas lâmpadas) equidistantes que, após a introdução de moedas de 50 cêntimos, se iluminam sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento giratório.

  9. Quando, no final do movimento giratório, um dos led's identificados ficar iluminado, todo o mostrador se ilumina, dando indicação ao jogador que tem uma jogada premiada.

  10. Após a introdução de uma moeda, automaticamente os led's de que é constituído o mostrador, se iluminam sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento giratório.

  11. Esse movimento termina no momento em que apenas um dos led's fica iluminado. Nesta altura duas situações podem acontecer: a) O led iluminado corresponde a um dos oito identificados pelos já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200; b) O led iluminado não se encontra identificado por qualquer número, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo nova moeda.

  12. À actividade descrita, mantida em funcionamento junto do público em geral pelo arguido, é estranha a perícia do agente, pois que depende exclusivamente de factores que este não pode controlar, dependendo da máquina a saída aleatória dos prémios, em dinheiro.

  13. O arguido sabia que não estava legalmente autorizado pelo "Turismo de Portugal - IP" a explorar aquele jogo naquele estabelecimento.

  14. Conhecia a natureza ilícita da actividade que promovia e desenvolvia pois bem sabia não ser permitido o jogo a dinheiro senão em locais definidos na lei para o efeito - e entre os quais se não inclui o estabelecimento do qual o arguido era explorador.

  15. Estava o arguido ciente da natureza totalmente aleatória da actividade em causa, certo que estava também de que a mesma, não exigindo do jogador qualquer mestria ou perícia, assentava exclusivamente na sorte.

  16. O arguido agiu voluntária e conscientemente, movido pelo propósito de auferir para si lucros que sabia ilegítimos.

  17. Sabia, ainda, que os factos que praticava o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

  18. O arguido exerce a profissão de auxiliar de acção médica, auferindo mensalmente cerca de € 500,00, a título de retribuição.

  19. É casado.

  20. A sua esposa trabalha auferindo mensalmente cerca de € 500,00, a título de retribuição.

  21. Vivem em casa própria, pagando a quantia mensal de cerca € 200,00/€ 300,00 para amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição de habitação.

  22. Como habilitações literárias tem a 4.ª classe.

  23. Do seu certificado de registo criminal nada consta.

    2. O tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes termos: O Tribunal formou a sua convicção na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal.

    O arguido remeteu-se ao silêncio, direito que lhe assiste.

    Foram ouvidas as testemunhas S.D.A. e F.P.B., agentes da P.S.P., que procederam à apreensão da máquina, tendo identificado o local em que esta se encontrava - atrás do balcão -, a forma do seu funcionamento (sendo que estava ligada à electricidade), bem como a circunstância de já terem estado naquele estabelecimento em situações anteriores. Por fim, e quando questionadas, esclareceram que visualizaram o talão de caixa para apurar quem era o responsável pelo estabelecimento comercial, tendo constatado que naquele aparecia o nome e o NIF do arguido. Estas testemunhas depuseram de forma clara e isenta.

    Ora, a ser assim, dúvidas não restam que era o arguido quem explorava o café em causa, pois só assim se justifica que o talão de caixa tenha a identificação do mesmo. É, pois evidente, à luz de regras de experiência comum e de juízos de normalidade, que o arguido não podia ignorar, como efectivamente, não ignorava que tal máquina de jogo dependia, exclusivamente, da sorte ou azar do jogador, que permitia prémios com expressão pecuniária, distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse, tendo a seu cargo a exploração da referida máquina no seu estabelecimento à disposição do público em geral, visando, por conseguinte, a obtenção de um lucro ilícito, por não lhe ser permitida a exploração de tal máquina, naquele local, o que bem sabia.

    Aliás, conforme referido pelas testemunhas de acusação, estas já haviam estado no aludido estabelecimento em situações anteriores, o que poderá justificar o facto de esta máquina estar atrás do balcão, desligada no botão, mas ligada à corrente, ou seja, quando foram avistados os agentes de autoridade poderão simplesmente ter desligado o respectivo botão e colocado a mesma atrás do balcão por forma a escondê-la. Porém, se aquela não era para ser usada obviamente que não estaria ligada à electricidade.

    Finalmente quanto ao tipo de máquina e jogo nele desenvolvido, a resposta dada resultou da análise detalhada do relatório pericial junto aos autos, segundo o qual o jogo desenvolvido depende em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

    Teve-se ainda em consideração o teor de fls. 7 (Auto de Apreensão) e de fls. 8 (Auto Abertura).

    Foi também analisado o C.R.C. actualizado do arguido junto aos autos.

    Testemunhalmente foi produzida prova da ocorrência dos factos objectivos que, em presunção natural quanto aos factos subjectivos constantes na acusação, permite, de acordo com as regras da experiência comum, dá-los como materialmente verdadeiros.

    A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.

    3. Alega o recorrente a este propósito, em sede conclusiva, o seguinte: No que se refere à nulidade da sentença:

    1. A sentença recorrida violou os art.1º 1.º, 3.º, 4.º al. f) e 108.º, n.ºs 1 do DL 422/89; 127.º do CPP e art.º 374.º do CPP.

    b) A douta sentença recorrida é nula porque não analisa a verificação da produção de prova para considerar demonstrado o preenchimento, por parte do recorrente, dos três sub-elementos do elemento subjectivo do tipo do crime em apreço (factos provados 9 a 13 - impugnados - esta impugnação resulta do próprio texto da douta decisão recorrida que nenhum explicação ou motivação ou fundamentação contém para a decisão de facto expressa na douta sentença recorrida - parece ao recorrente existir também aqui uma nulidade por violação do n.º 2 do art.º 374 do CPP).

    No que se refere à errada apreciação probatória: e) O recorrente conclui ainda que os factos provados 1, 2, 8, e 9 a 13 não se encontram demonstrados, nem motivados, tendo as testemunhas recebido de...

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