Acórdão nº 220/15.3PBAMD.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOUREN
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª Secção CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO Nos presentes autos acima referenciados, o arguido, J..., devidamente identificado nos autos, foi condenado como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal (após alteração da qualificação jurídica dos factos, comunicada nos termos legais), na pena de cento e quarenta dias de multa à razão diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de setecentos euros.

Inconformado o arguido interpôs recurso a folhas 63 e seguintes, da sentença que nestes autos foi proferida a folhas 37 a 59.

O Ministério Público respondeu nos termos legais crendo dever ser o mesmo julgado improcedente (vide resposta de folhas 63 e seguintes).

Neste Tribunal, a Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta, teve vista dos autos, infirmando em parecer, e, em sintonia com a posição assumida pelo representante do Ministério Público junto do tribunal “a quo”, pela improcedência do recurso interposto sufragando, assim a decisão condenatória (vide folhas 88), a qual deverá ser mantida.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.

O arguido silenciou.

Ora e não se conformando o arguido com a decisão proferida, veio este interpor recurso, como já se referiu com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se tem por reproduzida e apresentando as seguintes conclusões (e ipsis verbis).

Conclusões: Da prova produzida não se pode retirar os factos como provados, na sentença recorrida.

O recorrente nunca agrediu de forma voluntária e intencional o agente da PSP.

O recorrente foi empurrado, caiu e aí, poderá ter inadvertidamente atingido com a sua mão uns dos agentes.

A testemunha T1..., agente da PSP, confirmou que o solo onde se encontrava era irregular, um descampado com mutas pedras e meio a descer.

O testemunho de T2... foi contraditório quanto às condições do terreno onde os factos ocorreram.

O testemunho de T2... foi contraditório em relação ao do agente alegadamente agredido, do arguido e da testemunha de defesa.

A testemunha T3... presenciou os factos.

A testemunha T3... confirmou a versão do arguido.

Esta testemunha confirmou que nunca viu o arguido ter dado uma chapada intencional ao agente da PSP.

Esta testemunha confirmou que o arguido foi empurrado por um agente, se desequilibrou e caiu, podendo, nessas circunstâncias, ter tocado no agente inadvertidamente.

Existe contradição entre o depoimento da testemunha de acusação T2... e todos os outros intervenientes processuais e que se encontravam no local aquando da verificação dos factos.

O depoimento da testemunha T2... não deve ser tido em conta.

As condições do terreno onde os intervenientes se encontravam é de extrema importância e imprescindível para a defesa do arguido.

Sendo que uma contradição quanto a este facto não pode deixar o julgador com certeza do que se passou e como se passou! Existe uma violação clara e inequívoca dos princípios constitucionais do in dúbio pro reo e da igualdade das partes.

O Tribunal a quo, face á prova produzida em sede de julgamento, não podia ter como provados os factos que levaram á condenação do aqui recorrente.

O julgador tem que observar e aplicar o principio do in dúbio pro reo, atenta a contradição nos depoimentos das testemunhas.

O Tribunal a quo, aplicou o princípio do in dúbio pro ofendido, violando todas as regras do processo penal e da Constituição Portuguesa (CRP), mormente o seu artº 32º.

No sistema penal Português têm ambas as partes as mesmas garantias de defesa dos seus interesses.

Existe manifesta violação não apenas do principio do in dúbio pro reo, como do principio da igualdade, relativamente ao recorrente.

A finalidade principal do processo penal é a descoberta da verdade material, a lado da qual se ergue a finalidade de realização da justiça, da paz jurídica e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Deve existir valoração da prova permitida e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em estrito cumprimento de princípios basilares como o da imediação, da oralidade e do contraditório.

Tal valoração da prova cabe ao julgador que goza da prerrogativa da livre apreciação da prova, consagrada no artº 127º do C.P.P. mas tal “…não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espirito do julgador pelos diversos meios de prova (Prof. Cavaleiro de Ferreira).

“Não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador, com o mero arbítrio: a livre ou intima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva e , por isso , há-de ser fundamentada, racionalmente, objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo ( AC: STJ de 21-09-98,p.1191/98).

O julgador deve apreciar livremente a prova segundo critérios objectiváveis.

O julgador tem liberdade para a objectidade (prof. Castanheira Neves) sob pena de cair na inconstitucionalidade e violação dos direitos do arguido.

Atenta a matéria probatória permitida e produzida em audiência de discussão e julgamento, esta não poderia ser adequada e suficiente para fundamentar a convicção do Tribunal a quo de forma a condenar o recorrente, nos termos e na medida em que o fez.

Uma decisão condenatória carecerá sempre que o Tribunal acredite para além de qualquer dúvida, em ter atingido a verdade material procurada com vista á realização da justiça.

O recorrente foi condenado com base numa presunção de culpa e numa valoração desigual dos testemunhos das testemunhas, testemunhos esses admitidos e constantes da motivação da decisão recorrida, o que é inaceitável face ao disposto no artº 32º n.º2 da CRP, há muito banido do nosso Código Penal.

A prova trazida pela defesa para o processo foi completamente ignorada.

A decisão que se recorre, violou o principio in dúbio pro reo e bem assim do contraditório e da igualdade e ultrapassou os limites da livre apreciação da prova.

Os factos pelos quais o arguido foi condenado não podem ser dados como provados, mormente o facto do arguido ter agredido intencionalmente o agente da PSP.

Não estão preenchidos quer o elemento objectivo, quer subjectivo do tipo legal do crime de ofensa á integridade física simples.

O Tribunal a quo violou o principio do in dúbio pro reo previsto no n.º 2 da C.R.P. e o principio do contraditório previsto no artº 327º do CPP e no artº 32º n.º5 da CRP, bem como o Principio da livre apreciação da prova, porquanto excedeu os limites objectivos que espartilham tal principio e que delimitam a diferença entre discricionariedade na decisão e o respeito pelo artº 127º do CP.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição do recorrente pela prática do crime pelo qual foi condenado.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos á conferência, por dever ser o recurso ai julgado, de harmonia com o preceituado no artº 419º nº 3 al. c) do C.P.P., cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do Tribunal “ad quem” e delimitação do objecto do recurso: FUNDAMENTAÇÃO: De acordo com o disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de alguns dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do artº 410 do Código de Processo Penal (AC STJ de 19.10.1995, in, DR I, SS-A, de 28.12.1995), ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº 1 do artº 379º do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões decorrentes da respectiva motivação (artº 412º nº 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pelo assistente, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões suscita o conhecimento das seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto; - Terá o Tribunal a quo violado o principio do in dúbio pro reo previsto no n.º 2 da C.R.P. ? - o principio do contraditório previsto no artº 327º do CPP e no artº 32º n.º5 da CRP? - o principio da igualdade das partes? - bem como o principio da livre apreciação da prova, porquanto excedeu os limites objectivos que espartilham tal principio e que delimitam a diferença entre discricionariedade na decisão e o respeito pelo artº 127º do CP, devendo assim ser absolvido da pratica do crime pelo qual foi condenado? Vejamos então em concreto.

A sentença sob censura tem o seguinte teor: (…) I. RELATÓRIO O Ministério Público acusou para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido: J...; Imputando-lhe os factos descritos na acusação de fls. 21 e seguintes – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida – e que consubstanciarão a prática pelo mesmo, como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artº 347º, nº 1 do C. Penal.

O arguido não contestou embora, ao abrigo do disposto no artº 34º, nº 1 do C.P.Penal, tenha arrolado uma testemunha.

Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme se alcança do teor das respectivas actas, encontrando-se documentadas através de gravação digital, nos termos do disposto no artº 101º do C.P.Penal, as declarações prestadas oralmente – artº 363º do C.P.Penal na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.

Em sede de audiência de julgamento, nos termos do disposto no...

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