Acórdão nº 5119/12.2TBALM.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução27 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO: MS intentou a ação declarativa de condenação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 08/06, contra S., S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 29.847,74, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que, no dia 27/04/2010, pelas 09H, na A2, ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo Citroën C3, de matrícula ..-CB-.., conduzido por JS e o motociclo Yamaha TDM 900 matrícula ..-..-TC, por si conduzido, do qual lhe resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, que discrimina e quantifica.

Mais alega que o acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor do veículo ..-CB-.., o qual, por sentença transitada em julgado, foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, encontrando-se transferida para a ora ré a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo desse veículo.

Contestou a ré, alegando, em suma, que não tem conhecimento direto do modo como ocorreu o acidente, mas que, segundo as declarações do segurado, a responsabilidade pelo acidente deve ser imputada ao autor.

No mais, impugna o valor dos danos peticionados, ou por não os considerar indemnizáveis, ou por a indemnização peticionada ser desadequada, por exagerada.

Realizou-se perícia médico-legal e julgamento.

Foi proferida sentença que concluiu pela culpa dos dois condutores, repartindo-a na proporção de 80% para o condutor do veículo seguro na ré e 20% para o autor, julgando a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor as seguintes quantias: a) 3.478,19€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento; b) 12.000,00€, pelo dano biológico, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da prolação da presente sentença, até integral pagamento; c) 2.400,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da prolação da presente sentença, até integral pagamento.

Inconformada, recorreu a ré, apresentando as conclusões infra transcritas, pugnando pela revogação da sentença nos termos ali expressos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Conclusões da apelação: 1.

Vem a Apelante/Ré, por meio do presente recurso de Apelação, sindicar da decisão do Tribunal a quo no que concerne, quer à indemnização arbitrada a título de privação de uso, quer à indemnização arbitrada a título de dano moral; 2.

No que concerne à indemnização arbitrada a título de privação de uso, entende a Apelante, primeiramente, que mal andou o Tribunal a quo ao pugnar pela existência de dano, fundamento da indemnização atribuída, pois que, da matéria de facto provada, inexiste qualquer factualidade que ateste a existência de prejuízo, na esfera jurídica do Apelado/Autor; 3.

O que sempre redundaria na improcedência do pedido formulado pelo Apelado/Autor a esse título por manifesta ausência de prova do dano; 4.

Pelo que, ao dar como provado o dano em análise, fazendo proceder a indemnização peticionada, violou a sentença em crise os artigos 342.

º n.º 1 e 562.

º n.

º 1, todos do Código Civil, bem como a jurisprudência relevante na matéria; 5.

Sem prescindir, ainda neste ponto, pugnando-se pela existência de dano da privação de uso, sempre com todo o respeito e consideração, incorreu, mais uma vez, o Tribunal a quo, em erro de julgamento, preterição das regras de direito, ao atribuir indemnização pela privação de uso, à razão diária de 73,00€ (setenta e três euros) subsumível ao aluguer de motociclo semelhante em dado estabelecimento comercial da especialidade, quando o Autor/Apelado nunca procedeu, efectivamente, ao aluguer de viatura! 6.

Ficcionando, por este meio, a existência de dano, em dada quantia! 7.

À revelia do mais elementar princípio da indemnização, contido no artigo 562.º do Código Civil, que prescreve que esta última deverá reconstituir a situação anterior à lesão, o que manifestamente não sucede in casu, uma vez que o Apelado/Autor não se viu empobrecido, em consequência da privação de uso do veículo sua propriedade, na quantia de 73,00€ (setenta e três euros), no período constante dos autos.

  1. Consequentemente, devia, antes e ao invés, o Tribunal o quo ter concluído pela ausência de elementos tendentes à avaliação do dano, julgando equitativamente, conforme lhe impõe o artigo 566.º n.º 3, conjugado com o artigo 4.º a), todos do Código Civil.

  2. Integrando no aludido julgamento matéria de facto provada nos autos com relevância à questão decidenda, como seja o julgamento da culpa com base no risco na proporção de 80% (oitenta por cento) para o Segurado na Apelante/Ré e 20% (vinte por cento) para o Apelado/Autor, bem como a existência de veículo automóvel na esfera jurídica deste último, o que foi omitido pelo Tribunal a quo à revelia do artigo 413.º do CPC.

  3. Ora, tudo ponderado, e atentando nas decisões jurisprudenciais de referência, temos que a razão diária da privação de uso cifra-se na quantia de 10,00€ (dez euros), o que corrobora o erro de julgamento na atribuição da quantia indemnizatória, pelo Tribunal a quo.

  4. Pelo que, ao julgar como julgou incorreu o Tribunal a quo em manifesto erro de direito por violação dos artigos vindos de referir.

  5. Por último, no que concerne ao dano moral, a discórdia da aqui Apelante radica, por um lado na atribuição de uma dupla indemnização com fundamento nesse mesmo dano e, por outro, na desconformidade da quantia arbitrada se comparada com as restantes decisões jurisprudenciais.

  6. Atentando na matéria de facto provada nos autos no que respeita ao concreto dano em análise constata-se que o Apelado/Autor padece de um défice funcional permanente da integridade físico de 2 (dois) pontos, sem repercussão remuneratória; 14.

    Do mesmo modo que, não foi dada como provada qualquer outra factualidade integrante do dano moral que não seja conexa com as lesões físicas de que padece e padeceu o Apelado/Autor; 15.

    Aqui chegados, constatamos que a lesão física sofrida pelo Autor/Apelado apenas se repercute na afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, pelo que, mais não traduz do que um sofrimento psico-somático, nos termos do artigo 496.º do Código Civil, e, como tal, deverá ser avaliado como dano moral, como, de resto, sugere a sistematização adoptada na sentença; 16.

    Sem prejuízo do exposto, certo é que, em manifesta incongruência com a sistematização adaptada, vem o Tribunal a quo, na sentença em crise, referir-se à "fixação de indemnização aos danos patrimoniais futuros previsíveis" e ao" "quantum" indemnizatórío relativo a danos patrimoniais futuros resultante perda de capacidade aquisitiva" na fundamentação da atribuição em análise, padecendo, a sentença, nesta concreta parte, de manifesta incongruência e, por via da mesma de nulidade, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 c) do mesmo diploma; 17.

    Não obstante, e mais grave no entendimento da aqui Apelante, é que, vem o Tribunal a quo, na sentença em crise proceder à atribuição, no campo dos danos morais, e com fundamento na mesma e única factualidade, de uma dupla indemnização: de 15.000,00€ (quinze mil euros) a título alegado de dano biológico e de 3,000,00€ (três mil euros) a título de dano moral; 18.

    À revelia, mais uma vez, sempre com todo o respeito e consideração, do princípio da indemnização, contido no artigo 562.º do Código Civil: a reconstituição da situação que existiria no momento anterior lesão, apenas concretizável, in casu, por meio da atribuição de uma única indemnização, para a valorização da mesma e única factualidade.

  7. Certo é que, ainda que se considere a indemnização arbitrada a título de dano moral no cômputo das duas parcelas atribuídas na sentença em crise, ou isoladamente, apenas a parcela atribuída a título de dano biológico, a mesma indemnização afigura-se manifestamente elevada se comparada com as restantes decisões jurisprudenciais.

    II- FUNDAMENTAÇÃO: A- Objeto do Recurso: Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), as questões a decidir são: -Nulidade da sentença; -Indemnização pela privação do uso do motociclo; -Dupla compensação por danos não patrimoniais; -Quantum indemnizatório por danos não patrimoniais e dano biológico.

    B- De Facto: A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto (retificando-se a sua numeração por a inserta na sentença contar erros de sequência): 1.

    -No dia 27 de Abril de 2010, cerca das 9.00 horas, o A. conduzia o motociclo, marca YAMAHA TDM 900, com a matrícula ..-..-TC.

  8. No mesmo dia e hora, JS conduzia o veículo automóvel ligeiros de passageiros, marca Citroën C3, com a matrícula ..-CB-...

  9. Ambos circulavam na A2, no sentido Sul/Norte.

  10. O trânsito era lento e intenso, ocupando os veículos, que àquela hora ali circulavam, todas as semi- faixas de rodagem, que constituem a via.

  11. Nas imediações das portagens instaladas no início da Ponte 25 de Abril, o A. decidiu sair da semi- faixa de rodagem da esquerda, por onde circulava, e passar a circular pela berma da via, junto ao separador central, escapatória, para assim conseguir deslocar-se de forma mais rápida.

  12. Pela mesma semi-faixa de rodagem da esquerda, circulava JS que, subitamente, decidiu efetuar uma manobra de ultrapassagem ao veículo da frente.

  13. Ao fazê-lo, contornou, pelo lado esquerdo, o veículo que seguia à sua frente, invadindo a berma da auto-estrada, por onde já circulava o A., acabando por embater com o seu veículo, no motociclo deste, projetando-o contra o separador central da via.

  14. O JS não assinalou a sua intenção de invadir a berma, para efetuar a supra referida ultrapassagem, bem assim como não se certificou de que a podia realizar sem o perigo de colidir...

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