Acórdão nº 6364-12.6TCLRS.L1–2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução22 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – A «Companhia de Seguros A, SA» intentou acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra J. C. M.

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Alegou a A., em resumo: No dia 18 de Agosto de 2009 ocorreu um acidente entre o veículo 44-...-XQ, conduzido pelo R. e seguro na A., e os veículos 43-...-EA e ...-BO-02.

O R., ao aproximar-se de um entroncamento à direita, perdeu o controle da viatura que conduzia e foi embater com a frente desta na traseira do veículo EA que se encontrava estacionado do lado direito, atento o sentido de marcha do R. e que com a violência do embate foi projectado cerca de 20 metros para a frente, contra o veículo BO, também ele estacionado.

Após o acidente, submetido pela PSP ao teste do álcool o R. acusava uma TAS de 1,17 g/l, sendo o excesso de álcool causal do acidente.

O embate do XQ no EA provocou danos neste e no BO, acarretando as perdas totais dos mesmos.

A A. tem direito a ser reembolsada pelo R. por todos os gastos que teve de suportar em consequência do acidente, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 27 do dl 291/2007, de 21-8, cujo valor total é o de 6.428,00 €.

Pediu a A. a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 6.428,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal a partir da citação do R..

Citado, o R. contestou.

Alegou que a A. não lhe explicara o contrato de seguro, não lhe prestando as necessárias informações; bem como não lhe comunicara as peritagens e fases seguintes, impedindo-o de participar e controlar a ponderação da culpa, o estado dos veículos sinistrados e o valor das indemnizações.

Impugnou, ainda, factos articulados pela A., apresentando uma parcialmente diferente versão dos factos, referindo, designadamente, ter havido um défice de cuidado e uma distracção da sua parte, mas não sendo o grau de álcool no sangue causal do acidente, além de que ocorreu um agravamento culposamente causado pelos condutores dos veículos EA e BO.

Concluiu pela improcedência da acção ou, assim se não entendendo, pela redução do valor do pedido.

O processo prosseguiu. Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «…julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o R. a pagar à A. a quantia de 6.295,00 € acrescida de juros de mora à taxa legal a partir da citação, absolvendo-se do restante pedido».

Apelou o R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1ª – O processo está inquinado do vício da falta de prova da legitimidade activa e passiva por falta de dois elementos essenciais: o contrato de locação e, sobretudo, a prova da existência e vigência da apólice ao mesmo associado.

2ª – O vício é suprível, e não foi suscitado senão em audiência de julgamento pelo R., embora este não se tenha pronunciado em termos de “ilegitimidade”, tendo apenas requerida fosse ordenada a junção aos autos desses documentos, o que foi negado pelo Tribunal a quo com violação do princípio da oficiosidade/inquisitório - arts. 5º/2, b e c e 608º/1 e 2 NCPC, e, bem assim, ao princípio da aquisição processual (art. 413º NCPC).

3ª – Apesar do R. não ter impugnado o art. 2º da p.i. onde se referia à existência e número da apólice e ao DOC 1 alegadamente comprovador da apólice, o R., ao colocar em causa o referido documento e facto em julgamento por ocasião do depoimento da testemunha e funcionária da A., uma vez que o A. não utilizou até aí o privilégio da aceitação especificada da “confissão”, o R. retira, para todos os efeitos legais e ao abrigo do art. 465º/2 do NCPC, a confissão feita em 14º da contestação sobre a «nada a opor ao art. 2º da p.i..».

4ª – De qualquer modo, em rigor uma vez que a prova da apólice só pode ser feita por documento ao Tribunal estaria sempre vedado admitir por acordo a eventual confissão.

5ª – Pelo que ao ter recusado ordenar a junção aos autos da apólice e ao não haver outra forma de provar o contrato de seguro, a única saída possível era a absolvição do R. da instância (arts.278 nº1 d), 578º e 608 do NCPC), quando o que se impunha era que fosse ordenada a junção da apólice, nos termos do art. 607º/5 NCPC. Mas nem regularização da instância, nem absolvição da instância, pelo que a sentença incorre em violação de lei, por erro in procedendo. Para melhor apreciação do aqui concluído remete-se para o alegado supra nas pp. 3 a 6 6ª – Porém, tratando-se de um vício suprível, deverá esse venerando Tribunal, antes de prosseguir com o julgamento dos demais vícios aqui alegados, ordenar o A. a juntar a prova da apólice referida, nos termos do art. 662º/2 b NCPC, uma vez que a mesma nunca foi entregue ao R., que se limitava a pagar as prestações da locação com o valor do seguro, confiando que o veículo estava segurado.

SEM PRESCINDIR, 7ª – O R. tinha o direito à informação especial e reforçada imposta no art. 27º/2 do DL 291/2007, acerca da cláusula do contrato de seguro que concretiza o nº 1, alínea c, do mesmo artigo e diploma, antes da assinatura do contrato de leasing e de seguro associado.

7ª – O referido direito/obrigação deve ser interpretado e aplicado ao caso conjuntamente com os arts 8º/1, 9º1e2 da Lei de Defesa dos Consumidores (Lei 24/96, de 31.07) e no regime das Clausulas contratuais gerais, DL 446/85, mormente o art. 5º». Na verdade, 8ª – Provou-se que estamos perante um contrato de seguro de grupo contratualizado no âmbito da locação automóvel, entre o banco Banque PSA Finance, na qualidade de tomador de seguro e beneficiário e a A., seguradora, cujas cláusulas se encontram pré-redigidas, e que teve adesão do R. enquanto locatário em locação de automóvel sem que este tivesse tido qualquer participação na elaboração ou discussão das cláusulas dos referidos contratos e que o R. no processo qualificou como contrato-adesão para todos os efeitos legais.

9ª – Cabendo à A. o ónus da prova de ter informado nos termos dos arts. referidos em 6º e 7º destas conclusões, não logrou fazer essas prova, nomeadamente dos factos que articulou em 2º, 4º e 6º da resposta à contestação.

10ª – Porém o Tribunal a quo entendeu não ser aplicável ao caso o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, com fundamento em que «quando estão em causa cláusulas típicas aprovadas pelo legislador ou que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal, às quais não se aplica o D.L.nº446/85, como expressamente está previsto nas als. a) e b) do seu art. 3º. Ora, uma vez que o direito de regresso que a A. pretende fazer valer não emerge de qualquer cláusula contratualmente pré-estabelecida, mas sim do regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, não vale aqui a argumentação do R. com vista a afastar o exercício desse direito por parte da A.» 11ª – É verdade que o art. 27º do DL 291/2007 não tem como fonte sequer a liberdade da vontade, antes é imposição legal. Porém não é menos verdade que: 1) A norma do art. 27º/1 referida deve constar das apólices respectivas, tal como vem regulado no art. 25º (“Direito de Regresso”) da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, do ISP, Norma n.º 17/2000-R, de 21 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Norma n.º 13/2005-R, de 18 de Novembro; 2) É o próprio DL 291/2007 que numa clara preocupação de protecção do consumidor e do não profissional, impõe no nº 2 do mesmo art. 27º a obrigação de esclarecimento do teor do artigo em questão antes da celebração do contrato de seguro; 3) E não apenas de esclarecer, mas de esclarecer «especial e devidamente». Ou seja, o que a lei faz aqui é impor um dever acrescido de informação, aplicando o princípio da máxima boa-fé ou princípio da ubérrima bona fides (vd .JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, p. 160-162), pelo que a consequência da violação não pode ser nesta matéria mais branda para o incumpridor.

12ª – Já quanto a aplicabilidade da Lei de Defesa do Consumidor, o Tribunal a quo entendeu que a sua eventual violação não prejudicaria o direito de regresso e apenas «poderia determinar para esta, sendo caso disso, a obrigação de indemnizar.» 13ª – Decidiu mal o Tribunal, uma vez que aplica-se os referidos regimes e a consequência da não prova do cumprimento do dever reforçado de informação aqui em causa tem como consequência que a sentença deveria ter considerando não escrita a cláusula que permite à Seguradora o direito de regresso nos termos do art. 27º/1, c, do DL 291/200, ao abrigo dos arts. 5º/3 e 8º, a, do DL 446/85. Vd., entre outros, o acórdão do TRL de 22-05-2014, proc. 1805/12.5TVLSB.L1-2 (Rel. Ondina Alves).

14ª – A A. também incumpriu com os deveres impostos nos arts 33º e 36º do DL 291/2007, tendo o R. sido mantido completamente afastado de qualquer compreensão sobre os procedimentos a adoptar e adoptados após o sinistro, sem que o R. tivesse podido sequer participar e controlar a ponderação da culpa, o estado dos veículos sinistrados e não podendo também discutir, se o valor da indemnização era o mais “justo” de acordo com as circunstâncias e segundo critérios de coerência, razoabilidade e adequabilidade.

15ª – Apesar do Tribunal ter dado como não provado que a A. tivesse cumprido com as prestações de informação referidas na conclusão antecedente, considerou que a única consequência para esse incumprimento é o regime contraordenacional estatuído nos arts 84 e 86 e ss do DL 291/2007, o que não é verdade.

16ª – Porém, o comportamento da A. é de si é bem elucidativo do incumprimento geral e reiterado do dever de boa-fé na celebração e execução dos contratos da parte da A. e da situação de Abuso de Direito (art. 334º CC) que sempre será a A. querer exercer o Direito de regresso sobre um valor pago sem que tenha antes, como impõe a lei, dado a possibilidade ao R. de participar na verificação dos pressupostos do referido direito de regresso e na verificação da amplitude dos danos e da justeza do valor de indemnização atribuído. Os valores foram aqueles como...

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