Acórdão nº 13/14.5GCMTJ.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


TEXTO Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I – relatório 1. Por acórdão de 8 de Junho de 2015, foi o arguido R.J.M.S. condenado pela prática, em concurso real e em autoria material, de: a. um crime de homicídio qualificado, p. e p., pelo art° 132°, n° 1 e 2, alíneas b), i) e j) do Cód.Penal e 86°, n° 3 da Lei n° 5/2006 de 23 de Fevereiro com as alterações que lhe foram conferidas pela Lei n.° 59/2007, de 04.09, Lei n.° 17/2009, de 06.05, Lei n.° 26/2010, de 30.08, Lei n.° 12/2011, de 27.04 e Lei n.° 50/2013, de 24.07, na pena de vinte e um anos (21) anos de prisão; b. um crime de detenção ilegal de arma, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos 3°, n° 2, alínea l) e 86°, n° 1, alínea c) da Lei n° 5/2006 de 23.02, com as alterações que lhe foram conferidas pela Lei n.° 59/2007, de 04.09, Lei n.° 17/2009, de 06.05, Lei n.° 26/2010, de 30.08, Lei n.° 12/2011, de 27.04 e Lei n.° 50/2013, de 24.07, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão; c. Em cúmulo jurídico, na pena única de vinte e um (21) anos e seis (6) meses de prisão.

Foi ainda condenado no pagamento de indemnização cível.

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, nos seguintes termos: i. Invoca padecer a decisão de todos os vícios consignados no artº 410 nº2 do C.P. Penal, bem como de violação do princípio in dubio pro reo; ii. No que se reporta ao enquadramento jurídico, o arguido discorda da decisão quanto a esta matéria, entendendo que o homicídio foi cometido na forma simples e não qualificada; entende ainda que, a existir qualificação, não deve haver lugar à aplicação da agravante prevista no nº3 do artº 86 da Lei das Armas.

    iii. Discorda igualmente da pena imposta pela prática do crime de homicídio, face ao reenquadramento jurídico que propugna e ainda à verificação de circunstâncias atenuantes não atendidas pelo tribunal “a quo”.

    iv. Termina pedindo a revogação do acórdão proferido, devendo o arguido ser condenado pela prática de um crime de homicídio simples, ou caso assim não se entenda, a norma jurídica a aplicar deve ser unicamente a vertida no artigo 132°, n.° 2, alínea i) do C. Penal, devendo o arguido ora recorrente ser condenado unicamente pela prática de um crime de homicídio qualificado, não devendo tal condenação em qualquer dos casos ser agravada nos termos do artigo 86° n.° 3 da referida Lei 5/2006, pugnando por uma pena não superior a 16 anos de prisão.

  2. O recurso foi admitido.

  3. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada pelo arguido, defendendo a improcedência do seu recurso e suscitando a questão da eventual necessidade de proferimento de despacho de aperfeiçoamento.

  4. Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    II – questões a decidir.

    1. das deficiências do recurso B. vícios da decisão (Contradição insanável de fundamentação; erro notório na apreciação da prova; erro quanto à valoração da prova e violação do princípio do "in dúbio pro reo").

    2. Alteração do enquadramento jurídico.

    3. Alteração da pena imposta.

      III – fundamentação.

    4. das deficiências do recurso.

  5. Entende o Mº Pº a este propósito, com bons argumentos, o seguinte: Dispõe o artigo 412 n.ºs 1 e 2 do C. Penal que: "A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: - As normas jurídicas violadas; - O sentido em que no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que devia ela ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e - Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada" Ora, no caso das alegações apresentadas pelo arguido/recorrente, afigura-se-nos que não foi observado o referido preceito legal, porquanto a especificação dos fundamentos e as conclusões são uma e a mesma coisa, ou seja, existem várias questões suscitadas pelo arguido/recorrente na motivação propriamente dita e que, depois, nas alegadas conclusões (artigo 30.e e seguintes), não têm qualquer correspondência, em termos de remate conclusivo com o que foi alegado.

    Entendemos, assim, que o arguido/recorrente deveria ser convidado a aperfeiçoar a referidas motivações de recurso nos termos estabelecidos no referido preceito penal.

  6. Apreciando.

    O recurso apresentado mostra-se, de facto, muito deficientemente elaborado, no que toca ao cumprimento dos requisitos acima enunciados, sendo certo que, parcialmente, roça a rejeição (pela manifesta confusão, expressa em sede de motivação, entre institutos, designadamente a fundamentação da ocorrência de vícios em segmentos da decisão que se não reportam à matéria factual nem à fundamentação da convicção do tribunal, mas antes ao enquadramento jurídico que este realizou, como adiante mais detalhadamente referiremos).

    Não obstante, é ainda marginalmente possível compreender o que o recorrente pretende – mesmo perante conclusões tão sintéticas – socorrendo-nos do que consta na motivação e, assim sendo, atendendo-se igualmente à natureza do crime em discussão e à gravidade da pena, bem como ao facto de estarmos perante processo de natureza urgente, entendemos ser possível o conhecimento do recurso sem necessidade de prolação de despacho de aperfeiçoamento.

    1. vícios da decisão (Contradição insanável de fundamentação; erro notório na apreciação da prova; erro quanto à valoração da prova e violação do princípio do "in dubio pro reo").

  7. É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo”: 1. O arguido e A.R.P.L.S.D. viveram como se fossem marido e mulher, durante cerca de sete anos, até Novembro de 2013, altura em que se separaram, passando A.R.P.L.S.D. a residir em casa dos seus pais, sita na Rua ………., em Alcochete, enquanto o arguido se manteve a viver na residência comum do casal, sita no lugar da P…….., também Alcochete.

  8. Do relacionamento em comum entre o arguido e A.R.P.L.S.D., nasceu em 1 de Dezembro de 2008, L.D.M.S., sendo que o arguido é pai de uma outra criança, com sete anos de idade que viveu com o casal e, mesmo após a separação do casal, ficou a viver com a A.R.P.L.S.D..

  9. No dia 19 de Novembro de 2013, o arguido dirigiu-se à Rua ……, em Alcochete, onde se situava a casa dos pais de A.R.P.L.S.D., local onde a surpreendeu e a quem se dirigiu.

  10. O arguido nessa altura e de modo a forçar A.R.P.L.S.D. a regressar para a casa do casal, munido de um isqueiro, partiu os vidros laterais do lado do condutor e ainda o vidro da frente, bem como danificou o capot, riscando-o, e amolgando-o, andando por cima do mesmo.

  11. No dia 12 de Janeiro de 2014, a hora não concretamente apurada mas próxima das 22.40 horas, após ter mantido, pelo telefone, horas antes, uma discussão com A.R.P.L.S.D., e na qual exigia ver as filhas, o arguido dirigiu-se novamente à Rua ………, munido de uma espingarda caçadeira, de características não concretamente apuradas, arma que adquirira em data não concretamente apurada.

  12. O arguido transportou a referida arma desmontada para aquele local.

  13. Após escondeu-se num terreno sito em frente à habitação dos pais de A.R.P.L.S.D., montou a arma e municiou-a com cartuchos de bala do tipo “Balle Fleche” e ali esperou que A.R.P.L.S.D. chegasse a casa.

  14. A.R.P.L.S.D. conduzindo o seu veículo automóvel e na companhia da sua mãe e da filha L.D.M.S., à data com cinco anos, chegou pelas 22.40 horas à Rua …….., e após passar pela frente da casa dos seus pais e certificar-se que o arguido ali não se encontrava, inverteu a marcha do veículo e estacionou o mesmo em frente à porta da residência dos seus pais.

  15. À data A.R.P.L.S.D. tinha 27 anos de idade, media 1,75 m e pesava 109 Kg.

  16. Assim que A.R.P.L.S.D. saiu do veículo o arguido, bem sabendo que se tratava de A.R.P.L.S.D., apontou a arma que havia municiado na direcção de A.R.P.L.S.D., disparando-a a uma distância de cerca 48,42 metros de distância, atingindo-a na região orbitária esquerda, contiguamente à pálpebra superior ao centro, provocando-lhe ferimentos que lhe causaram a morte ainda no local.

  17. A.R.P.L.S.D., na sequência do disparo efectuado pelo arguido, sofreu na região orbitária e peri-orbitária esquerda, ferida perfuro-contundente transfixiva, de bordos lacerados, em forma de estrela, com 4 cm de maior eixo horizontal e 5 cm de maior eixo vertical. Tais lesões conduziram à ausência da totalidade do globo ocular, com abertura para a cavidade craniana. e exposição de massa encefálica. Sofreu ainda lesões na região parieto-occipital direita, ferida perfuro-contudente transfixiva, em forma de T, de bordos lacerados e exposição da cavidade craniana e de massa encefálica e múltiplas escoriações na região frontal direita.

  18. As lesões acima descritas constituíram causa directa e necessária da morte de A.R.P.L.S.D...

  19. Após efectuar o disparo e bem sabendo que havia atingido A.R.P.L.S.D. o arguido abandonou o local, tendo-se desfeito da arma num terreno próximo, desmontando- a e atirando as respectivas peças para o ar, bem como algumas munições que trazia no bolso.

  20. O arguido ao agir da forma descrita, deslocando-se ao local onde sabia que a A.R.P.L.S.D. se dirigiria, ali a esperando, de noite, munido de uma arma de fogo e escondendo a sua presença, fê-lo para dessa forma surpreender a vítima e impedir que esta desse pela sua presença e dessa forma disparar sobre esta e lhe causar a morte.

  21. Bem sabia o arguido que ao agir da forma descrita, durante a noite, estando escondido, atingiria A.R.P.L.S.D. de forma súbita e de surpresa, assim a impedindo de se refugiar e tentar evitar ser atingida pelo arguido.

  22. Bem sabia o arguido que a arma que utilizava era instrumento idóneo a causar a morte, e que apontando ao corpo de A.R.P.L.S.D. do modo como apontou que podia atingir órgãos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT