Acórdão nº 876/12.9TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA MANUELA GOMES |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. D..., antes denominada T..., com sede em Ermesinde, intentou, no dia 23 de Abril de 2012, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o Banco ..., com sede em Lisboa, pedindo a resolução do contrato de permuta de taxa de juro celebrado entre Autora e Ré, em 17 de Abril de 2008, por virtude da alteração anormal das circunstâncias, “com as legais consequências”.
A Autora alegou, em suma, que, no paradigma económico financeiro actual o contrato em causa não representa qualquer possibilidade de ganho da Autora, antes gerando à Ré desproporcionais ganhos, devido à descida acentuada da taxa de juro, descida essa para limites que as partes nunca representaram aquando da contratação, por ser totalmente imprevisível; assim, enquanto a A. teve, em consequência do contrato, prejuízos no valor de € 218.042,02 a Ré apenas lhe pagou uma quantia sem qualquer expressão.
Contestando veio a Ré pugnar pela improcedência da acção.
Alegou que a Autora celebrou com a demandada vários outros contratos idênticos e que os mesmos constituem um instrumento de cobertura de riscos da actividade empresarial, sendo tal risco o próprio objecto contratual, não sendo por isso o contrato passível de resolução por alteração das circunstâncias.
Replicando veio a Autora manter, no essencial, a posição pela mesma assumida na petição inicial.
Dada às partes a possibilidade de se pronunciarem, em sede de audiência preliminar, o Tribunal, entendendo que os autos continham todos os elementos necessários à prolação de decisão de mérito, passou a proferir saneador-sentença, no qual decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido.
Inconformada, apelou a Autora.
Alegou, concluindo, em síntese, que: - Nos presentes autos discute-se a possibilidade de resolução de um contrato de swap (permuta) de taxa de juro celebrado entre a Autora e o Banco Réu, à luz do regime da alteração superveniente das circunstâncias.
- A alteração das circunstâncias em causa – que no plano fáctico e na economia dos autos se reporta à descida abrupta e inesperada da taxa Euribor a 3 meses – é do conhecimento comum, e consubstancia-se na crise económica e financeira em que hoje vivemos.
- Ao contrário do que resulta da decisão em recurso, é firme convicção da alegante que o ordenamento jurídico dá resposta à questão do óbvio e iníquo desequilíbrio contratual que os autos atestam.
- É certo – aliás a Autora afirmou-o na petição inicial – que o contrato dos autos é definido pela doutrina como um contrato aleatório, todavia não se aceita, atento o quadro fáctico que consta do probatório [especialmente os pontos 13 a 24] que tal característica do contrato (a aleatoriedade) obste ao funcionamento do instituo da revogação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias.
- Com efeito, os factos 13 a 24 do probatório, evidenciam a total e absoluta desproporção que fere de morte o equilíbrio mínimo que se deve exigir em qualquer contrato, mesmo naqueles em que se reconhece a existência de um elemento aleatório subjacente à sua celebração.
- Como resulta dos factos provados, quando as partes formaram a convicção de contratar o elemento central da permuta andava na ordem média 4,5%.
- Por essa razão, o contrato significava perdas para a Autora sempre que (mas apenas quando) a taxa de juro Euribor a 3 meses fosse inferior a 4,15%, e ganhos apenas quando (mas sempre que) a mesma taxa de juro de referência se situasse no intervalo entre os 4,55% e os 5,30%.
- Todavia, resultando provado que essa taxa, que aquando da celebração do contrato ascendia a 4,85%, constata-se que a mesma desceu, por razões exógenas e inesperadas, para valores inferiores a 1%! - Mais decorre dos pontos 21 a 24 que, a execução do contrato dos autos, a Autora, aqui Apelante teve um prejuízo que ascendeu, até à data da propositura da acção (Abril 2012) a 218.042,03 €.
- Ora, considerando que o cenário em que o contrato foi celebrado é absolutamente distinto daquele que veio a ocorrer com a excepcional alteração das circunstâncias económicas e financeiras e ponderando que tal alteração gera obrigações excessivas e unilaterais para a Apelante torna-se claro que a concreta situação contratual que os autos relatam redundou num grave e acentuado prejuízo, inquinando o contrato a ponto de se poder ter por certo que a sua manutenção viola o princípio da boa fé.
- A crise económica internacional que teve origem na insolvência do Lehman Brothers (facto 15) trata-se de um acontecimentos superveniente que feriu de morte o equilíbrio inicialmente fixado pelo contrato, sendo legítimo concluir, à luz da lógica e da boa fé, que as partes jamais contratariam nos termos em que contrataram se pudessem antever sequer a possibilidade de ocorrência dessa alteração.
- As partes obrigam-se tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas, pelo que se factos novos e imprevisíveis alteram, completa e irrecuperavelmente, as condições do contrato, impondo ónus excessivos somente a uma das partes, deve o poder Judicial, através dos mecanismos previstos na Lei, obstar à injustiça que se narrou na petição, e não, como o fez a Sentença que está na mira do presente recurso, quedar-se imóvel ao apelo do pacta sunt servanda.
- E a este propósito, escreveu José de Oliveira Ascensão, no artigo supra citado que “Não matámos o pacta sunt servanda, conjugámo-lo com o rebus sic stantibus.
Os pactos devem ser observados (princípio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus (princípio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente assumida)”.
SEM PRESCINDIR - Na hipótese, que se coloca por dever de patrocínio, de V. Exas. entenderem que o Tribunal da Relação pode substituir-se ao Tribunal a quo proferindo desde já decisão que resolva o contrato dos autos por insuficiência da matéria de facto, então será conveniente observar as deficiências na fixação da matéria de facto em que incorre a Sentença em crise.
- Com efeito, foi alegado e aceite nos articulados que · os prejuízos sofridos pela Autora no âmbito do contrato dos autos resultam da crise económica internacional, concretamente da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da Taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis extremamente baixos. (vide artigos 15º, 16º, 18º e 19º da p.i.), sem que a Sentença a quo a tenha dado como provada por acordo.
- Foi igualmente alegado e aceite que a conjuntura de 2007 (em que a taxa Euribor 3 meses oscilou entre os 3,89 % e os 4,81 %) presidiu ao espírito da celebração do contrato dos autos (vide artigos 31º a 37º da p.i.) - Foi igualmente alegado e aceite que, em 2008 a Autora teve ganhos sem qualquer expressão (vide artigo 77º da p.i.). Neste particular, o Tribunal a quo decidiu plasmar no ponto 20 que “a autora teve ganhos em valor não apurado”. Por não corresponder ao posicionamento das partes nos articulados, deverá ser revogado o ponto 20 do probatório e corrigido em conformidade com o alegado em 47 da p.i. e aceite pelo Banco Réu.
- Igualmente omitiu o Tribunal, apesar de aceite pelas partes, que, tal como alegado em 13º e 61º da p.i. e aceite pelo Réu que - a Autora registou até ao primeiro trimestre de 2012 uma perda com o contrato que ascende a 218.042,02 €.
- Todos os pontos salientados deveriam ter sido levados aos factos assentes, e, não o tendo feito, o Tribunal recorrido violou o nº 2 do artigo 490º do C.P.C.
- Por último e também subsidiariamente, o Banco Apelado, na sua contestação, excepcionou que o contrato dos autos visava garantir a taxa de juro de um financiamento que concedera à autora Apelante – vide, entre outros, os artigos 55º, 57º, 58º, 59º, 60º, 62º, 69º, 71º, 72º, 73º, 77º, 78º, 81º, 83º, 96º, 97º, 112º, 130º, 137º, 139º da Contestação – sem que tenha junto sequer um documento a comprovar tal alegação, cujo ónus lhe incumbia.
- Tal foi impugnado no artigo 29º da Réplica, na medida em que o contrato estabelecido não tinha associado qualquer financiamento, tendo as partes ficcionado um...
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