Acórdão nº 9036-11.5T2SNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: *** I – Relatório: O “Fundo de Garantia Automóvel” (doravante, FGA), integrado no ISP, com sede na Av.ª da República, n.º 59, 4.º andar, Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra 1.ª - Herança de N...

, representada por seus herdeiros, A... e M..., residentes na ..., 2.º – M...

, residente na .., e, subsidiariamente, 3.º – A...

, com domicílio profissional no .., pedindo a condenação solidária dos 1.º e 2.º RR. e, subsidiariamente do 3.º R. - no caso de o motociclo estar entregue para reparação na oficina do 3.º R. - no pagamento da quantia de € 61.305,05, acrescida de juros moratórios vencidos, no montante de € 6.966,94, e vincendos, à taxa legal.

Alegou, em síntese, que: - N... conduzia um motociclo pertença do 2.º R., veículo esse que se encontrava entregue para reparação na oficina do 3.º R. e que, por o seu condutor circular em excesso de velocidade e desatento em relação ao trânsito que o precedia, veio a embater, no dia 17/06/2005, num veículo automóvel que seguia à sua frente; - causando a morte do passageiro do motociclo, R..., e estragos naquele veículo automóvel; - tendo o A. indemnizado os lesados pelos danos sofridos, visto o dono do motociclo não dispor de seguro válido e eficaz; - assistindo, por isso, ao A. o direito ao reembolso do prestado em indemnizações e despesas, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal (art.º 25.º do DLei n.º 522/85, de 31-12, na redacção dada pelo DLei n.º 122-A/86, de 30-05).

O 2.º R., M..., contestou, impugnado diversa factualidade e alegando, em resumo, que: - o motociclo foi entregue na oficina/stand do 3.º R., A..., para ser vendido; - e dali foi retirado, abusivamente, sem a autorização do proprietário, pelo falecido N...; - tal proprietário não era obrigado a ter seguro válido, pois que o veículo não foi por si, directamente ou por sua direcção efectiva, posto em circulação, mas sim colocado na dita oficina/stand.

Assim, concluindo que não detinha a direcção efectiva do veículo sinistrante, concluiu pela improcedência da acção quanto a si.

Após determinação do Tribunal, o 3.º R., A..., alegou, em suma, que não era o seu filho, N..., o condutor do motociclo em causa, mas antes o também falecido R..., enquanto interessado na sua aquisição, sendo que o proprietário desse motociclo encarregara aquele N... da respectiva venda.

O A. veio desistir da instância quanto à 1.ª R., Herança de N..., o que foi homologado.

Dispensada a audiência preliminar, saneado e condensado o processo – com factos assentes e base instrutória –, sem reclamações, procedeu-se à audiência de julgamento.

Após, foi proferida sentença – datada de 12/05/2014 –, contendo decisão de facto e de direito, pela qual a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformado, veio o A. interpor o presente recurso, apresentando as seguintes Conclusões «

  1. O Mm.º Juiz “a quo” entendeu, em suma, que pelo facto de não ter ficado demonstrado que o motociclo, no dia e hora do acidente em causa, fosse tripulado no âmbito da actividade comercial, o Réu A... não estava adstrito à obrigação de segurar.

  2. Ora, cumpre esclarecer que, tendo o motociclo sido entregue pelo seu proprietário no stand propriedade do Réu A... para venda, este, automaticamente, como resultado da sua actividade profissional, estava obrigado a efectuar seguro de responsabilidade civil, o que incumpriu.

  3. Sendo certo que, o motociclo em causa, assim como todo e qualquer veículo que esteja na posse do Réu para venda, apenas pode ser utilizado no exercício da sua profissão.

  4. Logo, não é pelo facto de o Réu ou o seu filho, ou qualquer outro funcionário o utilizar no seu interesse pessoal, e note-se com o conhecimento do Réu A..., que este deixa de estar adstrito á obrigação de segurar.

  5. Pois, os veículos que o Réu A... recebe no seu stand, a partir dessa data passam a ser da sua inteira responsabilidade.

  6. Pelo que, deverá ser a presente ação julgada procedente, condenando-se o Réu A..., no valor peticionado.

  7. Ou, em alternativa, a entender-se que o Réu A... não estaria obrigado a efectuar seguro de responsabilidade civil, sempre teria que responder o seu proprietário, Réu M..., por incumprir a obrigação de segurar prevista no n.º 1 do art.º 2º do DL 522/85 de 31.12.

  8. A douta sentença recorrida violou assim, o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 2º e art.º 25º, ambos do Decreto-Lei 522/85 de 31 de Dezembro».

    Pugna, assim, pela revogação da sentença recorrida.

    Não foi junta qualquer contra-alegação recursória.

    Por subsequente despacho – datado de 14/07/2014 – na sequência de invocação, pelo Recorrente (em sede de alegação recursória, sem transposição para as respectivas conclusões), de contradição entre factos provados e não provados e inerente fundamentação da decisão de facto, contradição essa que tal Recorrente atribuiu a mero lapso, foi considerada “a existência de lapsos manifestos de escrita na sentença (…) determinando-se, consequentemente”, as correspondentes correcções em sede de decisão de facto da sentença (cfr. despacho de fls. 298 dos autos em suporte de papel).

    Notificado deste despacho, o Apelante nada veio dizer.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 303), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados ao recurso.

    Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre a decisão da matéria de direito, consiste em saber se existia obrigação de segurar quanto ao veículo sinistrante e, em caso afirmativo, a quem cabia tal obrigação (ao R. proprietário do stand ou ao R. proprietário do veículo?).

    *** III – Fundamentação:

  9. Matéria de facto: Na 1.ª instância foi considerada – após a correcção operada através do dito despacho de fls. 298 – a seguinte factualidade como provada: «1. O motociclo com a matrícula 56-71-PC era propriedade do Réu M... (alínea b) dos factos assentes); 2. Na data referida em 8. o motociclo com a matrícula 56-71-PC encontrava-se para venda no stand/oficina do Réu A... (artigo 13º da base instrutória); 3. O motociclo com a matrícula 56-71-PC foi retirado do stand/oficina do Réu A... por N... (artigo 14º da base instrutória); 4. N... nas circunstâncias descritas em 3. actuou sem o conhecimento e/ou consentimento quer do Réu A... quer do Réu M... (artigo 15º da base instrutória); 5. Na data referida em 8. o motociclo com a matrícula 56-71-PC era conduzido por N... (artigo 1º da base instrutória); 6. Na data referida em 8. o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 28-15-ZJ era conduzido por A... e era propriedade de F... (alínea c) dos factos assentes); 7. A estrada referida em 8. apresenta uma recta com visibilidade, sendo constituída por três vias de trânsito, todas no mesmo sentido de trânsito (artigo 3º da base instrutória); 8. No dia 17 de Junho de 2005, cerca das 4h00, no IC 19, ao km 2, Alfragide, na Amadora, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o motociclo com a matrícula 56-71-PC e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 28-15-ZJ (alínea a) dos factos assentes); 9. Na data referida em 8., o tempo estava bom e ambos os veículos circulavam, na via central, no sentido Sul/Norte (artigos 4º e 5º da base instrutória); 10. Nas circunstâncias referidas em 8. o motociclo de matrícula PC circulava imediatamente na retaguarda do veículo automóvel de matrícula ZJ (artigo 6º da base instrutória); 11. Na sequência do referido em 10. o motociclo de matrícula PC embateu com a sua frente na traseira no veículo automóvel de matrícula ZJ (artigo 7º da base instrutória); 12. Na sequência do referido em 8. faleceram os dois ocupantes do motociclo com a matrícula 56-71-PC - N... e J... (alínea d) dos factos assentes); 13. Como consequência directa e necessária do embate, a traseira do veículo automóvel de matrícula ZJ apresentava estragos (artigo 8º da base instrutória); 14. À data do acidente o motociclo com a matrícula 56-71-PC não dispunha de seguro válido e eficaz, porquanto não tinha transferida a responsabilidade civil de circulação automóvel para nenhuma empresa seguradora (alínea e) dos factos assentes); 15. Na sequência do referido em 8. o Autor pagou: a. aos herdeiros de R... a quantia de 60.000 €; b. a F... a quantia de 996,50 € relativa à reparação dos estragos do veículo automóvel de matrícula ZJ; c. à D... a quantia de 308,55 € (artigos 10º a 12º da base...

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