Acórdão nº 9065-12.1TCLRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: A...

e mulher, M...

, residentes ..., intentaram contra J...

e mulher, M...

, residentes ….

J..., residente ..., e J..., residente ..., a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de haverem para si, pelo valor proporcional de € 40.000,00, o 1º andar do prédio sito na Rua dos Combatentes da Grande Guerra nº 6, em Loures, andar do qual o A. é arrendatário desde 1968; ou caso assim se não entenda, por o prédio não estar constituído em propriedade horizontal, pedem que lhes seja reconhecido o direito de haverem para si a totalidade do prédio que os 2º e 3º RR. venderam ao 1º R. marido pelo valor de € 200.000,00.

Procederam ainda os AA. ao depósito do valor para pagamento do preço e despesas, no montante de € 207.917,27.

Citados, contestaram os RR., por impugnação, alegando que os AA. rejeitaram o projeto de venda que os RR. senhorios lhes deram a conhecer para preferência, tendo-lhes aqueles comunicado pretenderem preferir apenas relativamente ao andar de que são arrendatários, sendo certo que o prédio não está constituído em propriedade horizontal e o projeto de venda em causa tinha, naturalmente, por objeto todo o prédio, tendo desse modo os AA. Renunciado ao direito de preferência.

Foi proferido saneador sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os RR. dos pedidos.

Inconformados recorreram os Autores, apresentando as alegações e concluindo nos termos seguintes: 1ª – Além dos factos elencados na fundamentação da sentença apelada, os AA. Alegaram (art. 30º da P.I.) que a licença de utilização do prédio dos autos só foi emitida em 18 de Maio de 2012 e alegaram, também que, depois da carta de 27 de Junho de 2011 do R. João Miguel Cosme Saiote, o 2º andar do prédio ficou devoluto (art. 33º da P.I.).

  1. – Estes factos estão admitidos por acordo e, como os demais elencados, têm relevo para a boa decisão da causa, pelo que devem acrescer à matéria de facto assente.

  2. – Não vindo assim entendido, a douta sentença apelada violou o disposto nos arts. 574º, n.º 2 e 607º, n.º 3 do C.P.C.

  3. – Os factos alegados pelos AA. são suficientes para permitirem ao Tribunal, por via de interpretação extensiva do disposto no art. 1417º do C.C., decretar a constituição da propriedade horizontal relativamente ao prédio dos autos e, com tal base, julgar procedente o pedido principal, nos termos do art. 1091º, n.º 1, al. a) e n.º 4 do C.C.

  4. – O andar de um prédio, ainda não submetido ao regime da propriedade horizontal, é “coisa” para os efeitos do disposto no art. 417º, n.º 1 do C.C., como são “coisas outras” os demais andares do mesmo prédio, atento o previsto nos arts. 202º, n.º 1, 6ª – O evoluir histórico do instituto da preferência do locatário habitacional (desde a Lei n.º 63/77 até à atual redação do art. 1091º do C.C.) não pode ser havido como “correção dogmática” desse instituto, visando restringir o exercício da preferência aos casos em que a coisa locada tenha individualidade jurídica própria.

  5. – A ordem jurídica nacional criou os meios que permitem exercer o direito de preferência do locatário habitacional, alargando-o a todo o prédio, no caso de o locado não se achar legalmente autonomizado, como é Jurisprudência quase uniforme e como decorre do art. 1029º do C.P.C.

  6. – Entender o nosso ordenamento jurídico, no plano da lei ordinária, como restringindo ou visando restringir esse direito, quando, nos termos da sentença apelada, o mesmo “não se pode exercer”, seria propósito ou interpretação gravemente ofensiva do nosso ordenamento constitucional, já que o imperativo constitucional, de acesso à habitação própria, que presidiu à criação da preferência na locação habitacional, se mantém em vigor, atualmente, na alínea c) do n.º 2 do art. 65º da C.R.P. (vide o n.º 3 do mesmo normativo constitucional).

    9ª – A factualidade provada permite concluir, se não pela procedência do pedido principal, pela procedência do pedido subsidiário.

  7. – Porque não vem assim entendido, pela sentença apelada, a mesma violou as normais legais supra citadas.

    Nestes termos ou noutros melhores que V.Exas. doutamente se dignarão suprir, deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogada a decisão apelada e substituída por outra que julgue procedente o pedido principal ou o subsidiário.

    *** Contra-alegaram os recorridos, defendendo a bondade da decisão e pugnando pela sua manutenção.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais decidendas são as seguintes: a) Ampliação dos factos assentes.

    b) Saber se os Autores têm direito de preferência na aquisição do imóvel.

    c) Se a resposta for afirmativa, saber se ocorreu a caducidade ao exercício desse direito.

    *** III – Fundamentação fáctico-jurídica: 1. Matéria de facto.

    1.1. Na decisão recorrida foram considerados assentes os factos seguintes: 1 – Por acordo verbal de 01/04/1968, J... cedeu ao A., para habitação, o uso e fruição do 1º andar do prédio sito na Rua dos Combatentes da Grande Guerra nº 6, em Loures, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Loures sob o artº 2425 e descrito na 1ª C. R. Predial de Loures sob o nº 1493 da freguesia de Loures.

    2 – O dito prédio não se encontra constituído em propriedade horizontal e é composto de rés-do-chão para comércio e 1º, 2º e 3º andares para habitação.

    3 – A propriedade relativamente àquele prédio chegou à titularidade dos 2º e 3º RR. por herança e subsequente partilha.

    4 – O R. J ... dirigiu ao A. carta datada de 14/06/2011 que se encontra a fls. 20, na qual refere: 5 – O A. respondeu a essa missiva pela sua carta datada 20/06/2011 que se encontra a fls. 21 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, na qual refere: “-que o meu direito de preferência radica no art.º 1091.º, n.º1, al. a) e não no disposto no art.º 1380.º do C. Civil, - que, através da carta a que respondo, não me é comunicado o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato, nomeadamente a identidade do interessado comprador, como exige o disposto no art.º 416.º n.º1 do C. Civil; - que não me é dito se o prédio tem inquilinos no r/c, no 2.º e 3.º andares e, na afirmativa, quais as rendas por elas pagas”.

    6 – A essa carta do A. respondeu o R. J... pelo escrito datado de 27/06/2011, que se encontra a fls. 22 dos autos, dizendo: 7 – De novo respondeu o A. ao R. J... pela carta datada de 04/07/2011 que se encontra a fls. 23, nela dizendo: Como inquilino do 1.º andar do prédio n.° 6 da Rua dos Combatentes da Grande Guerra em Loures, de que é comproprietário (ou co-herdeiro), venho declarar-lhe quer pretendo exercer o meu direito de preferência na venda que pretende fazer desse prédio, mas só relativamente ao andar que me está arrendado.

    É que, só conseguindo eu reunir a quantia de 150.000,00 € e não a de 200.000,00 € que o Sr. J... oferece por todo o prédio, vejo-me forçado a lançar mão da faculdade consignada no art.º 417.°, n.° 1 do Código Civil, ou seja, exercer preferência só relativamente ao 1.º andar, "pelo preço que proporcionalmente lhe foi atribuído".

    Sem outro assunto e aguardando notícias subscrevo-me, com cumprimentos.

    8 - O R. J... dirigiu então ao A. a carta datada de...

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