Acórdão nº 1727/13.2TJLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução03 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam Cível no Tribunal da Relação de Lisboa: I.

O A instaurou contra a R, a presente acção declarativa com processo sumário, pedindo a sua condenação na restituição da quantia de € 4.480,70, acrescida de juros de mora, e no pagamento de € 5.000,00 a título de indemnização por danos morais.

Alegou, em síntese, que em1996 procedeu à abertura de uma conta bancária na R, tendo em Abril de 2001 aderido ao serviço “homebanking”; que através deste serviço, no dia 25/01/2013, foi efectuada da sua conta uma transferência, por terceiros que desconhece, de que resultou um prejuízo no valor peticionado; que teve conhecimento de tal no dia seguinte, após ter sido contactado por um colaborador da ré, tendo posteriormente sido informado por esta de que o dinheiro foi transferido para a conta de uma tal FN, que no próprio dia levantou os fundos; e que nas semanas seguintes à ocorrência teve dificuldades em dormir e acordava sobressaltado, tendo andado muito nervoso, angustiado, preocupado e recorrido à ajuda de calmantes.

A ré contestou, alegando, em suma, que o autor não respeitou as recomendações de segurança, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Requereu ainda a intervenção principal acessória de FN.

Por despacho de fls. 97-98, foi admitido o requerido chamamento.

A chamada não contestou.

Após foi proferido despacho saneador, no qual se enunciaram os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 4.480,70, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 26/01/2013 até efectivo reembolso, absolvendo-a do mais peticionado.

Inconformada, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões: 1) Considerando-se provado no ponto 10 da fundamentação de facto que a transferência bancária no valor de 4.490,67 € foi efectuada com o número, de contrato, a utilização da palavra chave e a confirmação do código enviado por SMS TOKEN para o número de telemóvel do autor, sem qualquer tentativa falhada, não pode ser imputada qualquer anomalia ao sistema informático da apelante, o que deveria ter sido considerado provado; 2) Uma vez introduzidos correctamente no sistema informático da apelada os códigos e elementos de acesso que só devem ser conhecidos do titular da conta (porque são secretos, pessoais, e intransmissíveis, conforme condições gerais do contrato home banking) o banco não pode deixar de pagar porquanto assume que a ordem de pagamento provém do legitimo titular da conta e porque só este pode e deve ter acesso a tais elementos e códigos de segurança; 3) Se o sistema informático da apelante estivesse afectado por avaria técnica a transferência bancária em causa ter-se-ia processado mas com a introdução incorrecta dos elementos necessários à activação do serviço, e não com a introdução correta desses mesmos elementos; 4) Assim, ao considerar não provado que "o sistema informático da ré não foi violado e que não se encontrava avariado" (cfr. alínea g) dos factos não provados) por ter entendido "que não é possível, com a certeza exigível, e sem prejuízo de todas as possibilidades e probabilidades, saber qual dos sistemas informáticos foi violado e por que forma", o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta apreciação da consequência lógica que deriva do facto de ter sida feita prova de que a transferência bancária foi efectuada com o número de contrato, a utilização da palavra-chave e a confirmação do código enviado por SMS TOKEN para o número de telemóvel do autor e sem qualquer tentativa falhada (ponto 10 da fundamentação de facto) assim ficando violada a norma do art. 662º nº 1 do CPC; 5) Resulta das declarações de parte do autor, depoimento prestado na audiência de julgamento, conforme acta de 27.05.2014, com início aos 00.00.01 minutos e fim aos 00.20.41 minutos, gravado em CD arquivado na secção do tribunal, não só que este admitiu que o seu PC não estava protegido por um anti vírus eficaz - porque se efectivamente estivesse protegido por um sistema eficaz não teriam os técnicos da empresa ... procedido à instalação de um novo sistema anti vírus - como também que os problemas com o seu PC não se restringiam à mera instalação da webcam pelo que deveria ter-se dado como provado que o computador pessoal do autor não se encontrava devidamente protegido e, por simples presunção judicial - art. 349º do C.C. - que o acesso à sua conta bancária foi assim possibilitado e viabilizado por utilização imprudente do serviço que lhe foi disponibilizado pelo Banco, utilização essa efectuada através de um computador que não se encontrava devidamente protegido; 6) Consequentemente foi, assim, desconsiderada nessa parte a confissão obtida por depoimento de parte do autor, sendo certo que no que concerne à prova do n. 18 a fundamentação de facto assentou exclusivamente no depoimento de parte do autor, e sendo igualmente certo que se trata de confissão judicial à qual deveria assim ser atribuído o respectivo valor probatório constante do art 358º nº 1 do C.C. isto é força probatória plena contra o confitente, com a inerente repercussão na douta decisão de facto; 7) Atenta a alteração a efectuar nos termos supra designados à douta decisão sobre a matéria de facto haverá igualmente que proceder em conformidade quanto à inerente alteração à prolatada decisão de direito; 8) Constitui obrigação do apelado na qualidade de utilizador de serviços de pagamento processados através do sistema home banking "tomar todas as medidas razoáveis para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados, conforme estipula aliás o artº 67º nº 2 do DL 317/2009; entre essas medidas está a aquisição e instalação no computador por onde se acede ao serviço ... Direta on line de um software anti vírus que permita ao utilizador aperceber-se e ser alertado em tempo de que está a tentar ser acedido por piratas informáticos; 9) A apelante demonstrou não só que a transferência bancária se processou com a introdução no sistema dos elementos de segurança e de acesso ao sistema correctos, o que implica o reconhecimento de que o sistema informático não estava avariado ou corrompido, como demonstrou ainda - através da confissão do autor - que o computador pessoal do apelado não dispunha de um sistema anti vírus que lhe possibilitasse uma eficaz detecção de ataques de hackers, porque se assim não fosse a ... não teria providenciado a respectiva instalação; 10) O ónus de provar que o acesso à conta do apelado se deveu não a culpa da apelante mas sim a culpa do apelado deverá ser entendido e aplicado de forma a não colocar em causa o principio do equilíbrio contratual e o princípio da boa fé que estão subjacentes a todo o comércio jurídico; 11) Não existe forma de o banco poder salvaguardar que o seu cliente, aqui apelado, utilize de forma segura o serviço home banking sem que este adopte _ e só ele o pode fazer _ práticas de cautela individuais que lhe passam assegurar uma utilização segura do serviço, nomeadamente a instalação de um sistema anti vírus que o possa alertar atempada mente para acessos potencialmente indevidos ao seu computador por terceiros; 12) Exigir ao banco fornecedor do serviço home banking que suporte o prejuízo decorrente do saque da conta do seu cliente por terceiros mesmo com a introdução correcta no sistema de todos os elementos pessoais de segurança que só dele podem e devem ser conhecidos sem concomitantemente admitir que a prova da existência de um comportamento culposo por parte do cliente se possa efectuar com recurso à mera presunção judicial bem como às regras da experiência comum é assegurar na prática que o cliente possa muito facilmente ser desresponsabilizado mesmo que tenha adoptado na utilização do serviço comportamento(s) inadequado(s) à sua boa utilização, bastando-lhe para o efeito negar por principio que deu autorização ao pagamento, assim se violando o principio do equilíbrio contratual, bem como o próprio principio da boa fé; 13) Não se pode dizer que o regime contratual implementado entre apelante e apelado ao abrigo da autonomia da vontade no contrato de adesão ao serviço home banking foi afastado pela entrada em vigor do DL 317/2009 - através da norma do art. 101º nº 1 deste diploma legal - atendendo a que o regime jurídico neste diploma previsto - mormente nos seus artigos 70º a 72° - apenas estipula que quando o utilizador do serviço de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento efectuada daí decorre que o prestador do serviço fica incumbido de fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, registada, contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou deficiência; 14) Nos termos do DL 317/2009 o banco, perante a negação/repúdio de autorização apresentada pelo utilizador está obrigado a fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, registada, contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou deficiência, nada prevendo todavia o DL 317/2009 quanto à questão da repartição do ónus da prova relativamente à demonstração da autorização do pagamento, ou mesmo quanto à culpa e distribuição do risco, atendendo a que fornecer prova é conceito que se não confunde com ónus de prova; 15) Não se pode assim concluir - como o fez a douta sentença - que o DL 317/2009 estipule e preveja no seu regime disposições que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamento no que concerne às regras da distribuição do ónus de prova e que, consequentemente, nem sequer se coloque in casu a questão da apreciação da validade das cláusulas contratuais constantes as condições gerais de utilização do ... Direta on line face ao DL 446/85 de 25/10 e legislação subsequente que o alterou; 16) Todavia, o facto de o Tribunal a quo não ter apreciado a validade substancial daquela cláusula não afasta a possibilidade de o Tribunal da Relação...

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