Acórdão nº 9119-08.9TMSNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelTERESA SOARES
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. S..., residente em Casal de Cambra instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra K..., actualmente com a denominação de M..., pedindo que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 29.900,00 (Vinte e nove mil e novecentos euros) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento e todas as demais quantias que viessem no futuro a liquidar, sendo a quantia de € 22.500 (Vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 7.400 (Sete mil e quatrocentos euros) a título de danos patrimoniais, com fundamento no acidente que sofreu enquanto prestava trabalho para a R, nas suas instalações, ao abrigo dum contrato de trabalho celebrado com a empresa de trabalho temporário R..., correu termos no processos por acidente de trabalho tendo a A sido indemnizada pela seguradora da entidade patronal – L....- mas apenas de forma parcial.

Funda a responsabilidade da R pelos danos sofridos, dada a sua qualidade de proprietária da máquina industrial que causou o acidente, sendo tal máquina (porta paletes) manobrada de forma desajeitada por um trabalhador ao seu serviço, agindo como comissário e cuja culpabilidade se presume; mesmo que a máquina em questão fosse manobrada sem negligência, sempre tal objecto, pelas suas características funcionais e mecânicas é gerador de responsabilidade civil pelo risco inerente ao seu funcionamento.

  1. Citada a Ré contestou invocando a excepção de incompetência material do Tribunal e a prescrição. Veio, ainda, requerer a intervenção principal provocada de R.., com a qual a Autora tinha o seu vínculo laboral. Impugnou parte da factualidade alegada pela A.

    Esta intervenção não foi admitida.

  2. L... deduziu intervenção principal espontânea, pedindo a condenação da R. a pagar as quantias que suportou - €19.872,01 e juros - e ainda irá suportar, enquanto seguradora de trabalho, tendo sido, nessa qualidade, condenada no âmbito de acção que correu termos no tribunal de trabalho, mas ainda não transitada.

    Mais tarde veio ampliar o pedido por duas vezes, a fls 134 – pedindo mais € 25.260,49 e juros de mora e fls a 361- pedindo mais € 7.094,52 e juros de mora.

    A intervenção e as ampliações foram admitidas.

  3. Foi realizada audiência preliminar e proferido despacho saneador tendo sido julgadas improcedentes as excepções.

    A Autora veio deduzir ampliação do pedido, admitida, conforme fls. 323 para o montante de € 113.926,28 sendo por danos patrimoniais em mais € 4.026,28 e actualizou o pedido de indemnização por danos não patrimoniais para o montante de € 80.000.

  4. Realizado o julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “julgo a acção parcialmente procedente e condeno a Ré M... no pagamento da quantia de € 35.000 (Trinta e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, proveniente da perda da capacidade de ganho da Autora.

    Condeno a Ré no pagamento da correspondente diferença de valor face ao salário auferido pela Autora contado a partir da data de 16 de Novembro de 2005 acrescida dos juros legais contados da citação e até integral pagamento.

    Condeno a Ré no pagamento da correspondente diferença de perda salarial entre o valor da pensão fixado e o do salário acrescida dos juros legais contados da citação e até integral pagamento.

    Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 20.000 (Vinte mil euros) a título de indemnização por danos morais acrescida de juros legais vencidos desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do restante montante peticionado.

    Condeno a Ré no pagamento à L... da quantia de € 52.227,02 (Cinquenta e dois mil duzentos e vinte e sete euros e dois cêntimos) acrescida de juros à taxa legal contados desde a notificação da Ré e até integral e efectivo pagamento.

    Absolvo a Ré do pagamento da quantia de € 7.400 (Sete mil e quatrocentos euros) relativo a proventos resultantes da sua ocupação remunerada da Autora como professora de dança.” 6. Desta sentença recorre a R. : - impugna as respostas aos arts.º 27.º e 33.º da BI - recorre de direito, com as seguintes conclusões: ……………..

    1. Relativamente à matéria de Direito, o Tribunal a quo, em total desalinhamento com a jurisprudência conhecida, desconsiderou a existência de um acidente de trabalho e das regras próprias de ressarcimento dos danos decorrentes desse facto, fazendo um enquadramento inadequado da responsabilidade da Ré, pois que desconsiderou o facto de a Ré, enquanto entidade utilizadora de mão de obra da Autora, ser uma mera representante da empresa de trabalho temporário, que, afinal, era a entidade empregadora da Autora.

      Ora, a Ré não se pode conformar com esta decisão, pois que a mesma assenta, erradamente, na consideração da Ré como um normal e típico terceiro à relação laboral mantida entre a Autora e a R...

      A Ré não pode ser considerada como um qualquer terceiro estranho à relação laboral, atendendo a que os actos da Ré, enquanto entidade utilizadora, traduzem-se em actos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam enquanto sua representante.

      O regime do trabalho temporário caracteriza-se, precisamente, pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direcção do utilizador, ou seja, do destinatário da prestação de trabalho.

      Deste modo, embora a relação de trabalho se estabeleça formalmente entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, que é a verdadeira entidade empregadora, a conformação da prestação de trabalho vai ser assumida, não pela entidade empregadora como no contrato de trabalho geral, mas sim pela empresa utilizadora, que recebe a prestação de trabalho do trabalhador cedido.

      Logo, o enquadramento da prestação de trabalho pelo utilizador justifica plenamente a sujeição do trabalhador às condições de trabalho deste, pese embora essa situação não ponha em causa o núcleo fundamental da subordinação jurídica do trabalhador à empresa de trabalho temporário, a qual permanece como entidade empregadora do trabalhador em regime de trabalho temporário.

      O próprio Supremo Tribunal de Justiça veio ditar este entendimento ao plasmar no seu Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2013, publicado no DR, 1ª Série, n.º 45, de 05 de Março de 2013, que: “(…) a empresa utilizadora de trabalho temporário não é um terceiro na relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário que o cede ao utilizador” Com efeito, é bem patente a orientação preconizada neste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência no que toca à assunção de responsabilidades pelos vários intervenientes nesta relação de natureza tripolar, resultando necessariamente abalado o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo ao responsabilizar a Ré, enquanto empresa utilizadora, como se de um qualquer terceiro se tratasse, nos termos do regime geral da responsabilidade civil.

      Por a Ré não ser um mero terceiro à relação laboral e, estando inequivocamente em causa um acidente de trabalho, caberia à Autora peticionar a respectiva reparação, ainda que quanto a danos patrimoniais e não patrimoniais, na respectiva acção especial emergente de acidente de trabalho.

      Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas necessariamente aplicáveis ao caso em apreço, designadamente o disposto no artigo 18.º e artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, designado por Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais ou, mais comummente, “LAT”.

    2. Acresce que, resultou inequivocamente da decisão recorrida, quer dos factos dados por provados quer da respectiva fundamentação, que o facto gerador de responsabilidade decorreu de um verdadeiro acidente de trabalho, ocorrido nas instalações da Ré, porquanto era lá que a Autora desenvolvia a sua actividade e tinha o seu posto de trabalho permanente.

      Logo, o acidente que constitui o facto em apreciação nos presentes autos, que ocorreu em 15 de Novembro de 2005, deveria ser enquadrado pelo regime jurídico decorrente da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, em vigor àquela data, na medida em que, conforme jurisprudência assente do Supremo Tribunal de Justiça (o mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2013), a empresa utilizadora de trabalho temporário, in casu a Ré, tem o poder de enquadramento da prestação de trabalho, o que permite “afirmar que a empresa utilizadora é uma representante da entidade empregadora do trabalhador”, pois que a empresa utilizadora “representa a entidade empregadora na conformação do trabalho prestado”.

      Decorre ainda desta decisão do STJ que “Esta representação, tal como tem sido referido na jurisprudência desta secção, deriva da assunção de poderes de natureza directiva sobre a conformação da relação de trabalho pela empresa utilizadora (…).” G. Conclui-se, assim, que se mostra necessariamente afastada a hipótese de, no domínio da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT) a entidade utilizadora, in casu, a Ré, ser demandada enquanto terceiro alheio à relação laboral e, consequentemente, fazer recair sobre a mesma a responsabilidade extracontratual na produção do acidente.

      Com efeito, não obstante a reparação peticionada pela Autora se enquadrar fora do âmbito normal, a mesma não deixa de ser uma reparação emergente de acidente de trabalho que, por isso, deverá ser regulada de acordo com as normas e disposições especificamente aplicáveis a esta matéria.

    3. Na medida em que o acidente que originou os danos à Autora foi um verdadeiro acidente de trabalho, haverá que atender a que a Ré foi inclusivamente demandada naquela acção, como entidade responsável, no processo que correu termos no Juízo do Trabalho de Sintra...

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