Acórdão nº 607/12.3TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelVAZ GOMES
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO APELANTES /RÉUS: JOÃO, JOANA e CRISTINA * APELADOS/AUTORES: ISABEL CARLOS * Com os sinais dos autos.

* I. Inconformada com a sentença de 21/3/2014, (ref:º 19144999 de fls. 288/306), que, julgando a acção procedente em consequência declarou “a) que a fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua Professor..., 2.º esquerdo em Lisboa…pertence à herança deixada por óbito dos pais dos autores e da qual os autores são herdeiros” e condenou “b) o réu e as intervenientes a restituírem aos autores a identificada fracção, livre e devoluta no prazo de 30 dias a contra do trânsito em julgado da sentença” dela apelaram o Réu e os intervenientes, em cujas alegações concluem: 1ª) – Os Autores propuseram uma acção nominada – acção de reivindicação – que tramita como um acção declarativa, a um tempo de apreciação positiva (reconhecimento do direito de propriedade) e de condenação (na entrega da coisa) e que tem expressa previsão no Artº 1311º do Código Civil (adiante dito apenas C.C.).

  1. ) – Os recorrentes, sem esforço e por corresponder à verdade, reconheceram a titularidade do direito de propriedade dos recorridos sobre a facção que faz o objecto da relação material controvertida nestes autos, chamando apenas a atenção para questões de rigor processual que, de resto, foram convenientemente solucionadas.

  2. ) – Os recorrentes defenderam-se a partir do estatuído no Artº 1311º citado que, na sua previsão genérica e abstracta, contém uma verdadeira defesa por excepção, com todas as consequência, designadamente, com a aplicação de regra específica quanto ao ónus da prova.

  3. ) – De facto o tribunal de 1ª instância faz o trato sucessivo da fracção em causa, da qual diz que está descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º….20081212-H, tendo, pela apresentação Nº 2177, de 2012/07/25 sido registada a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos autores, por sucessão hereditária de Amílcar.

  4. ) – O tribunal deu como provado que os recorridos são os proprietários da fracção em causa, sendo certo que a partilha, ainda não efectuada (ou pelo menos ainda não registada) não atribui o direito de propriedade servindo apenas para definir as quotas que cada um dos herdeiros tem na coisa que pode ser 0 (zero) contra 100% (cem por cento) quando se dá uma adjudicação pela totalidade.

  5. ) – O pai dos autores faleceu em 11 de Novembro de 2009.

  6. ) – A fracção em causa é a casa de morada de família do réu e da autora, como resulta da matéria dada como provada.

  7. ) – O tribunal de 1ª instância decidiu a excepção da ilegitimidade no douto Despacho Saneador com base no preceituado no Artº 30 do Código de Processo Civil dado que entendeu que a autora é titular da relação controvertida por ter interesse directo em demandar.

  8. ) – Todavia o douto tribunal de 1ª instância não levou em conta o que estatui o Artº 33º/1 do Código de Processo Civil que impõe que, se a lei ou o negócio, exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.

  9. ) – Ora o Artº 1682º - A/2 do Código Civil refere de forma peremptória que a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família carece sempre de consentimento de ambos os cônjuges.

  10. ) – Assim sendo, a recorrida não pode ser aqui autora porque devia também ser ré, por imperativo legal e por se discutir a posse da casa de morada de família.

  11. ) – E esta decisão do douto tribunal de 1ª instância deve se revogada por ilegitimidade da autora e serem os recorrentes absolvidos da instância.

  12. ) – E isto porque que o tribunal de 1ª instância não aplicou o Artº 1.682º - A/2 do Código Civil, nem o previsto no Artº 33º/1 do Código de Processo Civil, fazendo errada eleição e aplicação do Artº 30º do deste último compêndio de leis.

  13. ) – Os recorrentes viveram, desde o divórcio do recorrente e da recorrida durante 10 anos sem quaisquer problemas ou reclamações, quando podia ter sido intentada acção para obter a posse da casa e, por isso, o recorrente nunca suscitou o incidente de atribuição do direito de habitar a casa da morada da família.

  14. ) – A fracção em causa é da recorrida desde a morte da sua falecida mãe, antes de ter sido intentada a primeira acção de reivindicação, proposta contra o recorrido que nessa altura sustentou, logo, que a fracção era também a casa de morada da família.

  15. ) – Assim não colhe o argumento de que a casa não é nem do réu, nem da autora, nem da comunhão, conjugal ou da compropriedade de recorrente e recorrida, sendo da herança ou de terceiro.

  16. ) – Por se tratar a presente causa de uma acção de reivindicação a primeira questão a analisar tem a ver com o direito de propriedade da fracção em causa atento disposto no Artº 1.311º/1 do Código Civil.

  17. ) – E, de facto, os recorridos pediram ao tribunal que declarasse estes como donos e legítimos proprietários da fracção em causa.

  18. ) – O tribunal de 1ª instância sustenta que a propriedade da fracção dos autos é da herança e não dos autores como herdeiros de seu pai e mãe e, partir desta asserção, constrói toda uma tese, para concluir que apesar da propriedade da fracção ser da herança os recorridos têm direito à sua restituição.

  19. ) – O tribunal “a quo” termina o seu decreto decisório por julgar a acção procedente e por reconhecer a propriedade da fracção dos autos como pertencendo à herança.

  20. ) – Esta decisão é uma verdadeira correcção ao lapso dos recorridos, na tese do tribunal, e condena em objecto diverso do pedido, devendo a expressão “objecto” ser interpretada em sentido amplo compreendendo o objecto imediato (a coisa) e o conteúdo (o direi to e o seu titular).

  21. ) – O tribunal “a quo” reconhece um direito que não foi pedido.

  22. ) – Esta decisão está ferida de nulidade por violação do preceituado no Artº 609º/1 articulado com o previsto no Art º 615º/1 alínea e) do Código de Processo Civil.

  23. ) – Aliás, do ponto de vista da construção teorética e jurídica o tribunal não pode fazer uma ligação entre o direito de propriedade pertença da herança e o facto de acção de reivindicação ter de ser exercida por todos os herdeiros.

  24. ) – Em primeiro lugar porque este tipo de acção, que implica a aquisição da posse (acção possessória) pode ser intentada apenas pelo cabeça-de-casal ou mesmo por qualquer dos herdeiros, como resulta dos Artºs 2.078º e 2.088º ambos do Código Civil.

  25. ) – Em segundo lugar porque a propriedade dos bens da herança pertence aos herdeiros e não á herança, tendo o tribunal de 1ª instância efectuada errónea interpretação do Artº 2.050 do Código Civil onde domínio e posse não se confunde e onde domínio quer dizer propriedade.

  26. )- A posse é aqui“prima facie”o“corpus", isto é, a prática de actos de apreensão, utilização e uso ou guarda das coisas.

  27. ) – O domínio é verdadeiramente a propriedade do bem que, enquanto não ocorrer a partilha, fica numa situação de regime idêntica à compropriedade, ficando esta assente em quota não definida, nem limitada e vindo, posteriormente, se o bem for adjudicado a um único herdeiro, a ser sua exclusivamente pertença.

  28. ) – Subjacente a esta ilação está o facto de a herança não ser um sujeito de direito e não ter personalidade jurídica, no sentido de que é uma pessoa de direito susceptível de ser titular de situações jurídicas (v.g. direi tos, poderes potestativos, deveres, sujeições, ónus, entre outros).

  29. ) – A herança, como património autónomo tem, isso sim, capacidade judiciária, nos termos do Artº 12º alínea a) do Código de Processo Civil, que é a susceptibilidade de ser parte em juízo.

  30. ) – Foi esta distinção que o douto tribunal de 1ª instância não fez, fazendo errada aplicação do Artº 12º alínea a) do Código de Processo Civil.

  31. ) – O tribunal de 1ª instância aborda ainda a questão da eventual existência de um contrato de comodato para dizer que à luz deste tipo de contrato a fracção devia ser, na mesma, restituída, mas a verdade é que nenhuma das partes suscitou a questão de forma imediata, pela singela razão de que, para haver comodato, é preciso um acordo de vontades nesse sentido e tal não ocorreu, não tendo por isso, sido alegado.

  32. ) – Verifica-se abuso de direito quando se exerce o direito de que se é titular com excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito, sendo que este excesso deve ser manifesto e clamoroso.

  33. ) – Resulta provado que os recorrentes sempre moraram na fracção que foi a casa de morada de família.

  34. ) – Resulta também provado que os recorridos, só cerca de catorze anos depois de ter claudicado a primeira acção de reivindicação, decidiram invocar, intentando a idêntica acção, o seu direito de propriedade e o seu direito à restituição da coisa, o que se diz sem conceder.

  35. ) – Durante todo este (longo) período de tempo, não estiveram os recorridos alheios ao que se passava (e passou) com a fracção, em sede de direito de propriedade.

  36. ) – E é ainda mais bizarro que tenha ocorrido o divórcio entre recorrente e recorrida e esta, o seu irmão e o seu pai não tenham intentado a acção que agora foi intentada.

  37. ) – O que seria normal é que decretada a dissolução do casamento a fracção fosse de imediato reivindicada e não foi e só o foi muito tempo depois – mais de uma década.

  38. ) – Ao não fazerem nada os recorridos mais não transmitiram senão a mensagem, claramente implícita, de que reconheciam a natureza de casa de morada da família à fracção em causa, tanto mais que o recorrente já tinha sinalizado a sua tese e convicção de que a fracção em causa era, efectivamente, a casa de morada de família.

  39. ) – Esta manifestação de vontade durante um dilatadíssimo período de tempo, e a inércia de actuação dos recorridos, não podem deixar de ser interpretados como contrários à vontade do...

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