Acórdão nº 1343/14.1TTLSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJER
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, o Ministério Público veio, nos termos do disposto no art.º 15º-A da Lei nº 17/2009 de 14 de Setembro e art.º 186º-K do C.P.T., na redacção introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de Agosto, intentou a presente Acção de Reconhecimento de Existência de Contrato de Trabalho contra “AA, CRL”, pedindo que se declare a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde 01/10/2003, entre o trabalhador BB e aquela Ré.

No essencial, alegou que na sequência de acção inspectiva realizada pela ACT nas instalações da Ré, foi constada a existência de indícios de uma situação de prestação de trabalho relativamente à Ré e ao prestador da actividade BB que, embora tenha celebrado com aquela um contrato de docência, o mesmo foi concebido e executado, desde o seu início, como um verdadeiro contrato de trabalho subordinado.

Regularmente citada, a Ré veio apresentar contestação, defendendo-se por excepção e impugnação.

Por excepção, arguiu a caducidade da participação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT); e, ainda, a falta de interesse em agir do Ministério Público, posto não alegar qualquer prejuízo ou desvantagem para o docente BB, enquanto dador de trabalho, nem a existência de litígio efectivo ou eventual, ou sequer mera divergência, entre as partes da relação contratual, quanto à qualificação do vínculo que as une, tal como não alega qualquer prejuízo ou desvantagem para o Estado.

Impugnando, contrapõe, no essencial, que da participação da ACT, que inspirou integralmente a petição inicial do Ministério Público, não resultam factos que, a provarem-se, sejam, por si só, de molde a concluir pela existência de contrato de trabalho.

Do “contrato de docência”, cujo clausulado é totalmente incompatível com o regime laboral, resultam referências expressas à exclusão da aplicabilidade desse regime; da participação da ACT resulta que BB teria sido contratado pela R. para leccionar 6 horas lectivas por semana, o que por si só não se afigura consentâneo com um contrato de trabalho; resulta, ainda, que a remuneração, por acordo das partes, é calculada de acordo com um determinado valor/hora; resulta, ainda, resulta que quanto a “férias” os Docentes estão condicionados pelo calendário escolar; resulta, também, que o Docente informa a sua disponibilidade, nomeadamente quais os dias da semana, que prefere para se deslocar ao seu local de trabalho.

Nada mais a ACT apurou, nomeadamente quanto a ordens instruções ou directivas que a docente, eventualmente, recebesse da R..

Conclui pugnando pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.

O Ministério Público apresentou resposta à defesa por excepção, pugnando pela sua improcedência.

Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu despacho ordenando a notificação do A., com os duplicado da petição inicial, contestação e resposta apresentadas, com a expressa advertência de poder, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (art.º 186ºL, n.º 4, e 186ºN, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho).

Concretizada a notificação, veio o trabalhador BB apresentar o requerimento a fls. 308, dele constando o seguinte: “Eu, BB, residente na Rua (…), Caxias, com o processo 1343/12.1TTLSB, referência 5725292, declaro que não pretendo aderir aos factos apresentados na petição inicial nem apresentar articulado próprio ou sequer constituir mandatário.

Mais declaro que estou totalmente de acordo com todos os factos constantes da contestação apresentada pela AA, por serem verdadeiros, bem como com as respectivas conclusões.

Declaro ainda, que o vínculo estabelecido entre mim e a AA é de um Contrato de Prestação de Serviços de Docência, o qual pretendo manter nos mesmos termos, não pretendendo qualquer reconhecimento de vínculo de trabalho, por não existir.” Concluídos os autos, o Senhor Juiz proferiu despacho determinando a notificação de tal documento ao Ministério Publico e à ré “para querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem” Pronunciou-se a Digna Magistrada do Ministério Público, reiterando o conteúdo da petição inicial e “manifestando – de novo – o interesse superior do Estado em ver esclarecida a natureza do vínculo jurídico que une aquele à Ré, o que apenas pode ocorrer na decorrência da produção de prova em audiência de julgamento, não relevando a declaração agora efetuada pelo trabalhador”.

Pronunciou-se igualmente a Ré, alegando ser assim inequívoca a falta de interesse em agir por parte do Ministério Público – excepção invocada na sua contestação.

I.2 Subsequentemente, pelo Senhor Juiz foi proferida decisão, dela constando, na parte que aqui interessa, o seguinte: -«(..) temos que o “trabalhador”, como acima se referiu, manifestou expressamente que queria manter o contrato de docência celebrado com a empregadora como de prestação de serviços, não pretendendo qualquer reconhecimento de vínculo de trabalho, por não existir.

Temos, assim, uma situação paralela à versada nos segundo dos referidos acórdãos, que só nos pode levar a concluir, salvo melhor entendimento, pela inutilidade da presente lide.

Na verdade, o principal interessado no reconhecimento do contrato como sendo de trabalho, por ser na sua esfera jurídica que se projectam os efeitos desse reconhecimento, com aas vantagens e desvantagens inerentes, veio dizer que não pretende tal reconhecimento, pelo que, a prossecução na lide, sendo certo que a mesma visa apurara vontade real das partes no conteúdo do contrato que celebraram, levaria, necessariamente, à improcedência da acção, constituindo, assim, um acto inútil, logo ilícito – cfr. art. 130.º do CPC.

E não se diga que há um interesse superior do Estado em ver esclarecida a natureza do vínculo jurídico que une o “trabalhador” à “empregadora”, que obsta a tal conclusão.

É que uma tal construção, além de afastada pela doutrina expendida nos arestos citados, atenta a natureza privada do contrato em questão e a disponibilidade do direito dos outorgantes de verem jurisdicionalmente definida a respectiva qualificação jurídica, violaria frontalmente o princípio da liberdade contratual nesta matéria, com consagração constitucional no art.º 47.º, n.º 1 da CRP.

E, no limite, levando ao extremo um tal entendimento, equivaleria a institucionalizar uma nova forma de escravatura, já que, o suposto trabalhador, poderia, sem ser “visto nem achado”, ver-se, a final, “condenado” a celebrar um contrato de trabalho contra a sua vontade.

Acresce, no caso dos autos, que não estamos perante um “trabalhador” analfabeto ou iletrado, à mercê das “manobras vis” da “empregadora”, mas sim de um professor Universitário que, atendendo à sua formação e experiência de vida, manifesta esclarecidamente a sua vontade, não havendo razões que levem a colocar em causa a validade de tal manifestação.

A inutilidade da lide é, assim, patente, impondo-se a consequente extinção da Instância.

Por tudo o exposto, nos termos do art.º 277.º al. e) do CPC, aplicável por força do art.º 1.º n.º2 al.a) do CPT, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

(..)» I.3 Inconformado com essa decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes: (…) I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões que se passam a transcrever (…): I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão colocada para apreciação consiste em saber se o tribunal a quo errou na aplicação do direito ao considerar verificar os necessários pressupostos para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a apreciação do presente recurso são os que constam do relatório.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO II.2.1 Comecemos por equacionar as posições em confronto.

O Tribunal a quo julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 277º, al. e) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 1º, n.º2, al .a) do CPT”, na consideração, no essencial, de que “(..) o principal interessado no reconhecimento do contrato como sendo de trabalho, por ser na sua esfera jurídica que se projectam os efeitos desse reconhecimento, com as vantagens e desvantagens inerentes, veio dizer que não procede tal reconhecimento, pelo que a prossecução da lide, sendo certo que a mesma visa apurar a vontade real das partes no conteúdo do contrato que celebraram, levaria, necessariamente, à improcedência da acção, constituindo, assim um acto inútil, logo ilícito – cfr. Art.º 130.º do CPC”. Sustentou-se, conforme invocado na sentença, nos acórdãos desta Relação e Secção, ambos proferidos em 24-09-2014, respectivamente, aos processos 4628/13.0TTLSB.L1-4 e 1050/14.5TTLSB.L1-4, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Insurge-se o recorrente Ministério Público, argumentando que a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho “tem subjacente interesses de natureza pública”, tendo o Ministério Público, nos termos da Lei que a instituiu “uma exclusividade de acção”, agindo “em nome e representação do Estado-Colectividade, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei e também visa proteger interesses de ordem pública, promovendo “interesse...

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