Acórdão nº 5105/12.2 TBSXL.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO BRIGHTON
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – Relatório 1- Os A.A. (...) instauraram a presente acção declarativa de condenação, nos termos do Decreto-Lei 108/2006 de 8/6, o Dr. (...), pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de 60.000 € título de danos não patrimoniais.

Para fundamentarem tal pretensão alegam, em resumo, que o R., advogado, foi nomeado patrono para deduzir oposição à execução para entrega de coisa certa que contra eles foi movida e que, apesar dos A.A. lhe terem entregue em mão, em 15/5/2010, o rol de testemunhas, o mesmo só entrou em juízo em 28/5/2010, decorrido que já estava o prazo para o efeito, motivo pelo qual não foi admitido.

Mais alegam os A.A. que, não tendo produzido prova em julgamento, a oposição foi julgada improcedente, mesmo após recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Tal situação motivou a execução do despejo, em 15/7/2012.

Com este despejo, referem os A.A. que ficaram muito abalados e aflitos, causando-lhes uma profunda depressão, pois habitavam a casa há 12 anos e aí tinham o centro da sua vida familiar.

Encontram-se ambos desempregados, com dois filhos a cargo.

2- Regularmente citado, veio o R. contestar, afirmando, em síntese, não ser verdade que o rol de testemunhas lhe tenha sido entregue em mão e em tempo, mas sim, depositado na sua caixa do correio, sem prévio ou posterior aviso.

Mais alega que não existe qualquer nexo entre a intempestividade da indicação das testemunhas e o despejo dos A.A..

Contesta, ainda, a quantia peticionada e a ausência de um critério para a mesma.

Conclui pedindo a condenação dos A.A. como litigantes de má-fé, por deduzirem pretensão infundada que injustificadamente ofende a honra e bom nome do R.. Assim, pede a condenação daqueles em multa e indemnização, na qual se inclua o valor de 642,60 € pagos por ele a título de taxa de justiça.

3- Depois de saneada a acção e seleccionada a matéria de facto provada e a provar, seguiram os autos para julgamento, o qual se realizou com observância do legal formalismo.

4- Foi proferida Sentença que julgou a acção improcedente, constando da sua parte decisória: “Em face do exposto e ao abrigo das normas legais invocadas, decido: a) Julgar improcedente por não provada a presente acção e em consequência absolver o Réu do pedido; b) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Autores em multa e indemnização por litigância de má-fé.

Custas pelos Autores, nos termos do Artigo 446º, n. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique”.

5- Desta decisão interpuseram os A.A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões: “1. Nos termos do artigo 685º-A do Código de Processo Civil, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de direito que determinou a absolvição do Réu.

2. Fazendo uma leitura ao essencial da factualidade que ficou demonstrada, no caso dos autos, o Tribunal a quo deu como provado a prática pelo Réu Advogado de um facto ilícito e culposo por omissão da entrega em tempo útil do requerimento de indicação das provas, num processo de oposição à execução para entrega de coisa certa, tendo sido esta considerada improcedente por falta de apresentação dos meios de prova, o que originou o prosseguimento da acção executiva para entrega de coisa certa que culminou no despejo, facto este que causou danos n/patrimoniais na pessoa dos recorrentes.

3. Assim, está fixada a sequência naturalística dos factos, que conduziu a um certo dano final.

4. Face aos factos apurados, dúvidas não há que o R. incumpriu os deveres constantes do artº 95º nº1 al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que o incumprimento dos deveres deontológicos faz incorrer o lesante em responsabilidade contratual.

  1. A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das “leges artis”, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado.

  2. O Réu, na qualidade de advogado, ao não apresentar em tempo útil, o requerimento de indicação das provas, constitui omissão reveladora de negligência muito grosseira, já a caminho de um nexo de imputação ético-jurídico do facto ao agente de grau superior, pois violou as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculado para com os autores, o que importa o não cumprimento defeituoso da obrigação, e o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 799º, nº 1, ambos do Código Civil.

  3. Para além do supra referido na 6ª conclusão, os recorrentes ao verem desentranhado o requerimento probatório concluíram, desde logo, que o Réu os tinha feito perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aqueles.

  4. O Réu violou, manifestamente, o dever de zelo entre outros, na condução do processo dos Autores.

  5. Esta violação foi causa dos danos não patrimoniais causados aos AA..

  6. Na verdade, os estados de alma dos autores deveram-se à referida conduta do recorrido. E é isto o que resulta da interpretação dos factos, nos termos dos arts. 236º a 238º do Código Civil, aplicável por força do disposto no art. 295º deste diploma legal.

    11. E se dúvidas houvessem, sempre o Tribunal a quo podia usar do disposto nos arts. 349º e 351º do Código Civil para inferir dos factos efectiva e expressamente provados, o facto da apontada conduta do recorrido ter determinado os danos dos autores.

  7. Daqui e em síntese resulta apurado, como supra referimos na 4ª conclusão, que a conduta do recorrido, no desempenho das obrigações legais decorrentes da sua nomeação oficiosa em apoio judiciário aos autores, violou o disposto no artigo 95ºnº1 al. b) do Estatuto dos Advogados.

  8. Neste caso, entendem os recorrentes que se verifica nexo de causalidade entre a violação de deveres deontológicos e o sofrimento dos AA..

  9. Porém, não é este o entendimento do Tribunal a quo, que entende não existir nexo de causalidade, apesar de estar provada a culpa do Réu e quando esta exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que devia e podia actuar de outro modo, a qual assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, Almedina, 388.

  10. Convocando o disposto no art. 563º Código Civil (nexo de causalidade), dele decorre que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

  11. Resulta da letra da lei que não é necessário uma causalidade directa, basta uma causalidade indirecta, ou seja, o autor da lesão é responsável por todos os factos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata, cfr. Pereira Coelho, Obrigações, pág.166.

    17. Tal significa que, no seguimento do art. 563º do Código Civil, a lei acabou por consagrar a teoria da causalidade adequada, segundo a qual uma conduta é causa de um resultado quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência directa daquela.

  12. No entanto, como se referiu na 16ª conclusão, não é necessária uma causalidade directa, bastando uma indirecta, a qual se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste, cfr. Ac. RE, 7-12-1993: BMJ, 432º-452 entre outros, Acs. do STA de 27.10.2004 (Proc. nº 01214/02); de 16.05.2006 (Proc. nº 0874/05) in: “www.dgsi.pt/jsta”; Vaz Serra in: BMJ n.º 84, pág...

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