Acórdão nº 6776/13.8T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelEZAG
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – A., LDA, intentou ação declarativa com processo comum sob a forma ordinária, contra Companhia de Seguros (…) S.A.

, pedindo a condenação da Ré a pagar à A.

€ 190.798,18, acrescidos de juros desde a citação até integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma: A A., que se dedica à atividade de venda e distribuição de tabaco, a Autora celebrou com a Ré vários contratos de seguro – titulados pelas apólices que referencia – transferindo para esta o risco da sua atividade e para garantia, no que ao objeto da presente acção diz respeito, do risco de furto e roubo dos respetivos bens e valores.

Bem como ainda um contrato de seguro de acidentes de trabalho.

Ora, no dia 24 de Março de 2010, pelas 7h07, ocorreu, nas instalações da Autora, um roubo com sequestro de alguns funcionários.

Desse assalto/roubo com sequestro, perpetrado por desconhecidos no dia, com arma de fogo, resultaram para a Autora os prejuízos materiais que referencia, no valor de € 190.406,18, os quais foram comunicados à R.

E, bem assim, a inutilização dos óculos de um funcionário, no valor de €392,00.

Estando a situação inclusa “no âmbito do objeto dos contratos de seguro em referência contratados entre a A. e R., e válidos à data do sinistro”.

Citada, contestou a Ré, dizendo, no essencial: Que dos prejuízos cujo ressarcimento vem reclamado pela A. – atentas as condições gerais das apólices respetivas e as circunstâncias já conhecidas do sinistro – apenas os relativos a tabaco, moedas e extintor, existentes junto às viaturas referenciadas, no montante de € 48.898,28, alegados pela A. no art.º 24º - II da sua petição inicial, estão cobertos pela garantia da apólice n.º 00686939.

Quantia aquela à qual é ainda necessário deduzir a respetiva franquia de 10% acordada para furto ou roubo de bens, Tendo a Ré disponibilizado já à A. a quantia assim devida, de € 41.371,46.

Como igualmente disponibilizou já a quantia de € 392,00, relativa “a danos de um empregado da Autora verificados durante o exercício da sua prestação laboral”, que “”têm enquadramento na garantia da apólice 00716509 de Acidentes de Trabalho”.

Remata com a procedência apenas parcial da ação, condenando-se a Ré “no pagamento da quantia de €.41.763,46 (sem juros) à Autora e, no mais, ser a Ré absolvida do pedido, com as legais consequências.” O processo seguiu seus termos – tendo lugar audiência prévia – com saneamento, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a ação “parcialmente procedente por provada”, condenou a Ré “a pagar à A. a quantia de € 181.201,32 (…), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.”, absolvendo a Ré “No mais que exceda a medida da condenação ora decidida”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “I. A Ré e Recorrente, Companhia de Seguros, não está obrigada a pagar à Autora e Recorrida, a quantia de €.136.197,53, relativa a uma situação expressamente excluída do contrato de seguro celebrado entre ambas.

  1. Deve ser alterada a redação no n.º 34 da matéria de facto provada, no sentido de aí passar a constar que No momento do assalto, o cofre-forte existente nas instalações da A., bem como a casa-forte, encontravam-se com as portas abertas, conforme foi alegado pela Recorrente no artigo 6.º da sua Contestação, e fixado como Tema de Prova na Audiência Prévia (cfr. ata de fls.__), e que resultou de forma clara não só do videograma constante do ficheiro com a designação “File20100324071313” junto como doc. 14, em CD-Rom, pela Recorrente, com sua Contestação, como também do depoimento de diversas testemunhas que se encontravam junto da referida casa-forte (e do respetivo cofre-forte) no momento do assalto, das quais se destacam os depoimentos de Diogo Pedrosa e de Nuno Gonçalves.

  2. Ficou provado que o contrato de seguro designado por “CA Roubo”, celebrado entre a Recorrente e a Recorrida excluía Os valores em cofres ou casa fortes, quando estes estejam abertos no momento do assalto, pelo que tendo ficado provado que, tanto o cofre como a casa forte, estavam abertos no momento do assalto, tal situação está expressamente excluída do contrato de seguro celebrado entre as partes, não estando a Recorrente obrigada a pagar à Recorrida a quantia de €.136.197,53 que foi retirada, pelos assaltantes, do interior do cofre existente nas instalações da desta.

  3. A cláusula que contém a citada exclusão é válida, não se aplicando o disposto no art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

  4. Não está correta a interpretação segundo a qual a expressão “assalto”, que consta da cláusula de exclusão em causa, se reporte apenas ao roubo e já não ao furto qualificado, pois para o “cidadão médio” um assalto tanto pode representar o que juridicamente (legal ou contratualmente) está definido por roubo, como por furto e, ademais, nenhuma das exclusões previstas no contrato distingue entre as duas garantias.

  5. Não existe qualquer motivo para o Tribunal entender que o seguro em causa podia ter criado a expectativa, designadamente na Requerida, de que o roubo era garantido em termos mais amplos do que o furto qualificado, já que a cláusula contratual que enumera e define ambas as garantias, começa até por referir o furto qualificado em primeiro lugar.

  6. Também não é correto afirmar-se, como o faz o Tribunal a quo, que, debaixo de ameaça de uma arma de fogo, “a circunstância da casa forte ou do cofre forte objeto do roubo estar com as portas fechadas não traduz uma diminuição relevante do risco de intrusão”, pois não era uma qualquer pessoa que poderia abrir o cofre, mas apenas o poderia fazer o gerente da Recorrida à data do assalto, Nuno Gonçalves, “que sabia os códigos de abertura respectivos, com que cada uma das portas (do cofre e da casa forte) estava equipada, e que são do desconhecimento dos restantes trabalhadores;” para além de que se não existisse diferença entre estarem abertas ou fechadas as portas do cofre no momento de um assalto, nunca teriam sido sequer inventados os cofres com retardador, hoje comuns, por exemplo, nas dependências bancárias.

  7. Também não é correto afirmar-se que a cláusula de exclusão deveria ser afastada do contrato celebrado entre as partes porque um cofre precisa de ser aberto e o facto de, por “mera coincidência”, haver um assalto nessa altura não pode ser motivo para ficarem excluídas as garantias, pois no caso de um assalto organizado, como sucedeu no presente caso, é seguro concluir que não foi inocente ou casuístico o momento do assalto.

  8. Para afastar a aplicação de uma cláusula contratual incontestada pela Recorrida, o Tribunal a quo efetuou oficiosamente uma série de conclusões precipitadas, forçadas e sem fundamento sobre o risco no âmbito da atividade seguradora, e no presente contrato em particular, desconsiderando completamente, por exemplo, a única prova efetuada nos presentes autos sobre essa matéria: o depoimento da testemunha Jorge Neto explicando a origem e justificação da exclusão em causa.

  9. Para além de incorreta, é também insuficiente a fundamentação constante da sentença para aplicação do princípio geral da boa-fé previsto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na anulação de cláusulas contratuais aceites e incontestadas pelas respetivas partes, por, designadamente, não proceder à concretização exigida no respetivo artigo 16.º.

  10. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, o disposto nos artigos 227.º, 405.º, 500.º e 998.º do Código Civil e no artigo 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.”.

Postula a revogação da “sentença recorrida, com todas as consequências legais.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II – Corridos que foram os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que, como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente; - se é válida a cláusula de exclusão de garantia constante do art.º 3º das Condições Gerais da apólice n.º 0065178; *** Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte: “1. A A. dedica-se à actividade de venda e distribuição de tabaco, tendo as suas instalações num armazém sito na Zona Industrial, em Casais da Serra, Milharado, designado por armazém 4, letras C, D e E, no qual guarda a mercadoria e os valores monetários que utiliza no exercício da mesma. (acordo das partes) 2. A R. tem por objecto a actividade de seguros. (acordo das partes) 3. No âmbito da sua actividade comercial a A. celebrou com a R. um contrato de seguro designado por “CA Comércio e Serviços”, o qual recebeu o número de apólice 00686939, no âmbito do qual a R. garantiu à A. o pagamento de uma indemnização, de acordo com a proposta subscrita pela A. e pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, tudo com o teor que consta dos documentos 1, 2 e 3 juntos com a contestação (fls. 63 a 81) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, relativamente aos danos causados aos conteúdos do edifício referido em 1., designadamente em caso de furto ou roubo, até ao valor do capital seguro de € 1.594.002,00. (acordo das partes) 4. No âmbito da sua actividade comercial a A. celebrou com a R. um outro contrato de seguro designado por “CA Comércio e Serviços”, o qual recebeu o número de apólice 00703186, no âmbito do qual a R. garantiu à A. o pagamento de uma indemnização, de acordo com a proposta subscrita pela A. e pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, tudo com o teor que consta dos documentos 1, 4 e 5 juntos com a...

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