Acórdão nº 236/14.7YHLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

I.

A Requerente, pessoa colectiva de direito belga, ao abrigo do art. 210-G do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (adiante CDADC), intentou procedimento cautelar comum contra a Requerida, peticionando: a) Que a requerida se abstenha de publicar, publicitar ou comercializar, por qualquer meio (lojas, website ou outros meios) os títulos/livros propriedade da requerente; b) A apreensão judicial dos suportes digitais dos títulos identificados no artigo 4° do requerimento inicial; c) Seja ordenada a notificação de diversas entidades, que enumera, para que se abstenham de publicar ou vender, seja por que via for (lojas, website ou outros meios), os títulos identificados no artigo 4°, propriedade da requerente, e consequentemente devolvê-los ao armazém da requerida; d) Para que a requerida venha aos autos informar os canais de distribuição que utiliza e os nomes e os endereços de todos os distribuidores dos títulos da requerente, para além dos indicados na alínea anterior; e) Seja feito um inventário completo de todos os títulos identificados no artigo 4° propriedade da requerente; f) Seja a requerida condenada a liquidar uma sanção pecuniária compulsória no valor de €1.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento de cada um dos presentes pedidos a contar da data de trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida e até integral cumprimento, nos termos do artigo 2100-G, n° 4 do CDADC; g) Seja decretada a inversão do contencioso nos termos do artigo 369° do CPC.

Alegou para o efeito, em síntese, que se dedica à edição, comercialização e publicação de livros infanto-juvenis; que é proprietária dos direitos de autor referentes a 52 obras literárias; que nos anos de 1998 a 2013 foram celebrados entre a requerente e requerida 52 contratos de cessão de tais direitos de autor, mantendo, no entanto, a requerente a propriedade sobre os mesmos; que, por essa cessão, a requerida ficou obrigada a pagar à requerente as retribuições respectivas (Royalties); que, para efeitos de apuramento dos royalties, a requerida ficou obrigada a manter os registos completos e exactos das vendas dos livros; que a requerida não pagou os royalties devidos nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, não tendo mantido os registos necessários para apurar os royalties devidos referentes ao ano de 2013; que em face do incumprimento contratual da requerida, por cartas do dia 22 de Abril de 2014, 15 de Maio de 2014 e 2 de Junho de 2014 a requerente resolveu os contratos mencionados; que a resolução dos referidos contratos foi comunicada à requerida, por via das mencionadas cartas e produziu efeitos imediatos, deixando a mesma de ter o direito de publicar e comercializar as obras em referência; que até à presente data, a requerida continua a actuar como se os referidos contratos não tivessem sido resolvidos pela requerente, comercializando os títulos em causa; que a requerida encontra-se em processo especial de revitalização (PER), antevendo a requerente que a mesma seja declarada insolvente, por falta de aprovação ou homologação do respectivo plano de recuperação, tendo fundado receio de que a requerida continue a vender ilegitimamente os títulos em causa, inclusive, a um preço inferior ao acordado entre as partes; que o facto da requerida continuar a agir no mercado português como se fosse a legítima titular dos direitos de autor da requerente, conduzindo à associação das duas empresas por parte do consumidor e editor médio, prejudica gravemente a imagem e o bom nome da requerente, a qual já perdeu diversas oportunidades de negócio com outras editoras; que, apesar destas dificuldades, a requerente concretizou uma parceria com a empresa "ZERO a OITO", celebrando com esta 4 contratos de cessão de direitos de autor, coincidentes com 4 títulos anteriormente cedidos à requerida, para publicação e comercialização exclusiva por parte desta; que, em virtude das razões supra evidenciadas, a referida editora não beneficia da exclusividade contratada; que o mercado português representa 25% do volume de vendas internacionais da requerente, prevendo um prejuízo, com referências aos anos de 2014 a 2026, num total de € 40.392,00, decorrentes da violação do seu direito de autor pela requerida; que, pela impossibilidade de concretização de novos contratos de cessão dos direitos de autor, a requerente prevê, para o mesmo período temporal, um prejuízo igual a €65.427,00; que aos mencionados prejuízos acresce os custos resultantes das prospecções de mercado, da gestão dos parceiros comerciais e gestão do impacto da marca da requerente no mercado português, no montante de € 10.000,00.

A Requerida apresentou oposição, onde, primeiramente, invocou a nulidade da citação, nulidade esta que foi julgada improcedente por despacho de 30.09.2014, tendo alegado, em suma, que decorre, desde 01-04-2014, processo especial de revitalização (PER) da requerida (processo (...)), com despacho de nomeação de administrador judicial provisório em 02-04-2014, tendo sido já apresentado plano de recuperação com 86,78 % de votos favoráveis; que a presente providência é inadmissível nos termos previstos no art. 17.º-E, n.º l do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), conduzindo à extinção do presente procedimento ou à existência de uma excepção dilatória inominada com a consequente absolvição da instância; que, caso assim não se entenda, os autos deverão ser declarados suspensos até que seja proferida decisão transitada em julgado relativamente à homologação do plano; que de qualquer modo, sempre será de entender que a declarada resolução dos contratos realizada pela requerente, é ineficaz, uma vez que tal declaração ocorreu já na pendência do dito PER, revelando uma actuação violadora do princípio da boa-fé, agindo em abuso de direito; que a requerida admite que deve à requerida, em virtude dos contratos em causa, com referência ao ano de 2010, a quantia de € 7.986,86, sendo certo que os valores em dívida referentes a 2011, 2012 e 2013, encontram-se abrangidos pelo PER, onde foi reconhecida uma dívida total de €110.381,82; que nada mais incumpriu a requerida quanto aos contratos em causa; que, antes das missivas onde a requerente declarou resolvidos os contratos, esta não interpelou a requerida para o pagamento sob pena de incumprimento definitivo; que a requerente, ao contrário do que alega, não é titular dos direitos de autor sobre as obras em causa, na medida em que os respectivos autores já faleceram há mais de 70 anos, tendo portanto, caducado o respectivo direito; que a requerente, quanto muito, é titular dos direitos autorais sobre as ilustrações, o que a requerida desconhece, sendo certo que a requerente não o demonstra; e que as medidas cautelares requeridas são desproporcionais, opondo-se à inversão do contencioso.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu: -julgar o presente procedimento cautelar totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se a requerida das concretas providências cautelares peticionadas pela requerida; - Indeferir o pedido de inversão do contencioso solicitado pela Requerente.

Não se conformando com tal decisão, interpôs a requerente o recurso agora sob apreciação, apresentando as seguintes conclusões: 1ª A ora apelada incumpriu os contratos de cessão dos Direitos de Autor celebrados com a ora apelante.

  1. Desde o ano de 2010 que a apelante não recebe os royalties devidos por virtude das vendas efectuadas pela apelada, cfr. facto 7) provado.

  2. E, desde o ano de 2013 que a apelada não mantém os registos de vendas actualizados para apuramento dos royalties devidos à apelante, cfr. facto 8) provado.

  3. Pelo que, alegado e provado que está o incumprimento dos contratos, não podem os mesmos deixar de se considerar como resolvidos, deixando a ora apelada de ter os Direitos de Autor que permitem a publicação, publicitação ou comercialização, por qualquer meio, dos títulos da apelante.

  4. Os Direitos de Autor, à semelhança dos Direitos Reais, são direitos absolutos, com eficácia erga omnes.

  5. Contrariamente aos direitos de crédito e de revitalização, em causa no âmbito do Processo Especial de Revitalização, que são direitos relativos.

  6. Pelo que, os Direitos de Autor sobrepõem-se aos direitos em causa no âmbito do Processo Especial de Revitalização, na medida em que têm uma dignidade superior.

  7. Acresce que, o Direito de Autor é uma forma de propriedade intelectual, legalmente protegida em virtude da sua função social e interesse público.

  8. Nessa medida e para tutelar os Direitos de Autor, foi criado um procedimento cautelar especifico paralelo aos demais procedimentos específicos do Código de Processo Civil ou previstos em legislação avulsa.

  9. A procedência destes procedimentos basta-se com a prova indiciária da titularidade dos Direitos de Autor e com a verificação da violação ou iminente violação de tais direitos.

    11 ª No presente caso, o Tribunal a quo, concedeu prevalência aos direitos relativos em causa no âmbito do Processo Especial de Revitalização, sobrepondo-os aos Direitos de Autor.

  10. Contudo, a apelante viu-se lesada no seu Direito de Autor nas suas duas as vertentes: a patrimonial e a moral.

  11. Não pode a apelante conformar-se com a douta sentença proferida, na medida em que a mesma não confere a dignidade legalmente conferida aos Direitos de Autor, abstendo-se de resolver o objecto do presente litígio.

  12. A decisão ora recorrida veio - e bem -, indeferir a referida excepção dilatória inominada invocada pela apelada, uma vez que a presente providência cautelar, não visa a cobrança de dívidas, mas sim, essencialmente, a proibição da violação de direitos de autor alegadamente perpetrados pela requerida, em concreto, a publicação, publicitação e venda de determinadas obras literárias, após alegadas resoluções contratuais declaradas pela requerente à requerida com a consequente perda da autorização para a prática de tais actos.

  13. Todavia e em total contradição com este...

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