Acórdão nº 115/08.7TASPS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução19 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I - Relatório 1. Em processo comum e sob acusação do Ministério Público, o arguido José Anselmo Ferreira Seixas foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo, na 1.ª Vara Criminal de Lisboa, acusado da prática de um crime de peculato, p. p. pelo artigo 375.°, n.° 1, do Código Penal.

* 2. No final, foi decidido, por acórdão de 3/06/2014, «julgar improcedente a acusação e consequentemente, absolver o arguido JS do crime de peculato, p. p. pelo art. 375.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual vinha acusado».

* 3.

O recurso: 3.1. Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1- Mediante Acórdão de 3 de Junho de 2014 foi o arguido JS absolvido do crime de Peculato pelo qual vinha acusado sendo julgada improcedente a acusação pública concluindo-se em tal Acórdão que para a prática do crime não bastaria que o arguido tivesse tal quantia na sua posse sendo necessário que tenha invertido esse título da posse passando a comportar-se como se fosse o verdadeiro proprietário, com consciência de fazer suas tais quantias.

2- Nos termos do art.412 n.º 3 alínea a) do C.P.P. no caso em análise, perante a prova produzida e a factualidade julgada provada, face aos meios de prova apreciados nos autos e analisados criticamente entendemos que deveriam ter sido julgados provados também os seguintes factos constantes da acusação e que permitiriam condenação do arguido.

3- Seguindo de perto o voto de vencido anexo ao Acórdão, o crime de peculato pressupõe, assim a posse ou a entrega de dinheiro ou coisa móvel, a funcionário, em razão das suas funções, por título não translativo da propriedade, isto é, que não implique a transferência da propriedade daqueles, com a obrigação de afectação do dinheiro ou da coisa a determinado fim ou uso, ou a posterior restituição.

4- Só haverá apropriação quando o agente passa a dispor da coisa como se sua fosse, revelando-se a mesma por actos objectivos que evidenciem essa apropriação. Em tal situação, o agente deixa de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se sua fosse, isto é, com o propósito de; a não restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada. Mas ainda aqui é necessário que esta omissão seja precedida de circunstâncias que inequivocamente revelem o animus domini.

5- Referido é no voto de vencido que a prova do dolo e da consciência da ilicitude dificilmente se alcança de forma directa, a não ser por confissão, havendo que proceder à conjugação da demais factualidade julgada provada com as regras da experiência comum e do conhecimento da vida para se poder concluir pela prova daqueles.

6- No caso em análise, perante a prova produzida e a factualidade julgada provada, entendemos que deveriam ter sido julgados provados também os supra mencionados factos.

7- A prova de tais factos resulta, em nosso entendimento, quer dos demais factos julgados provados, quer da análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em julgamento reproduzida e analisada no Acórdão, toda conjugada entre si e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, sendo que, quanto ao cadastro disciplinar, há que tomar em consideração o documento de fis 168e as declarações do arguido.

8- Dando-se cumprimento ao n.º 3 alínea b) do C.P.P., ou seja indicando-se a matéria de facto que implicaria decisão diversa porquanto: - Foi dado como provado que o arguido foi nomeado solicitador de execução no âmbito do Processo de Execução Comum n.º 417/03.9TBSPS-A, do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, em que era exequente a firma "Construtora São Pedrense, Ld", e executado António Nunes da Rocha, que no decurso de tal processo executivo foi penhorado e vendido um imóvel pelo preço de 210.500 euros, quantia que foi depositada na conta-clientes de solicitador de execução titulada pelo arguido, com o número 45248027568, sedeada na agência da Avenida Almirante Reis, n.º 72 A, em Lisboa, da instituição bancária "Millenium BCP", tendo 35.000 euros sido creditados no dia 30 de Novembro de 2005 e os restantes 175.500 euros no dia 13 de Dezembro de 2005 - (factos considerados provados sob os n.ºs 3 a 7).

9- Ficou igualmente provado que, enquanto solicitador de execução nos sobreditos autos de execução, o arguido estava obrigado a entregar aqueles 210.500 euros aos credores do executado António Nunes da Rocha naqueles autos de Execução Comum n.º 417/03.9 TBSPS-A e, na parte que sobrasse de tais pagamentos, a entregá-la ao executado, e que, para o efeito, foi o arguido notificado, em 22 de Fevereiro de 2007 e em 8 de Março de 2007, de despachos judiciais proferidos naqueles autos de execução, determinando que o pagamento aos credores deveria ser Graduado.

10- Da leitura de tais factos julgados provados resulta claramente que o arguido não procedeu aos pagamentos dos credores nos termos ordenados pelo juiz da execução quando, não respeitando nem a ordem fixada para o pagamento dos créditos graduados (pagou em primeiro lugar o credor graduado em terceiro lugar, a "Teilacel, Lda"), nem os valores judicialmente fixados (pagou à CGD - credor graduado em primeiro lugar - cerca de um ano depois de ter feito o primeiro pagamento e apenas a quantia de 85.537,42 €, quando o respectivo crédito graduado ascendia a 100.701,59 €).

11- Em face disso e dos diversos requerimentos que o arguido ia juntando aos autos de execução alegadamente para pedir esclarecimentos quanto à forma como devia proceder aos pagamentos - requerimentos constantes da certidão do processo executivo que consta de fls 1 a 66 dos presentes autos e nos quais é bem patente o seu carácter meramente dilatório (veia-se, a título de exemplo, que o MB da CGD. lhe foi indicado em 11.07.2007 - cfr. fls 43/44 - e que o respectivo pagamento apenas foi feito em 28.02.2008) - foi o arguido repetidamente notificado para proceder ao depósito à ordem do processo executivo do remanescente não pago aos credores (notificações de 03.05.2008 e 21.05.2008) - (veja-se o facto provado sob o n° 14).

12- Porém, recorrendo a novo expediente que consideramos dilatório - exigiu o NIB do Tribunal, cuja inexistência, pelas suas funções antecipadamente conhecia e da qual, apesar disso, foi esclarecido pelo Tribunal através do despacho constante de fls 59 - não procedeu, quando o podia fazer, o arguido a tal depósito, pelo que, na ausência deste, veio o arguido a ser destituído do cargo de solicitador de execução, por despacho de 30.09.2008, certificado a fls 201, vindo a ser substituído nessas funções pelo solicitador Carlos Almeida por decisão do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores de 04.11.2008 - (veja-se o facto julgado provado sob o no 15).

13- E notificado em 04.11.2008, pelo Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, para em dois dias úteis entregar, para além do mais, ao solicitador Carlos Almeida extracto de conta-clientes e recibos ou cópias de recibos que justificassem os respectivos movimentos de dinheiro relativos àqueles autos de Execução Comum n.º 417/03.9 TBSPS-A, e mais tarde, em 01.10.2010, para em três dias a contar daquela notificação, comprovar que deu cumprimento ao estipulado no art. 3°, al. b) do art. 129° do DL n9 88/2003 (Estatuto da Câmara dos Solicitadores), o arguido não deu cumprimento àquelas notificações, não tendo transferido qualquer quantia para a conta-clientes do solicitador de execução Carlos Almeida - (factos julgados provados sob os nos 16 a 18) esta facilmente identificável e sem qualquer obstáculo legal de movimentação.

14- Não obstante, apesar da destituição do cargo de solicitador de execução em 30.09.2008, da sua substituição por um outro solicitador em 04.11.2008 e das incumpridas ordens para entregar o remanescente do produto da venda do imóvel penhorado, inicialmente ao Tribunal (notificações de 03..05.2008 e 21.05.2008) e depois ao solicitador substituto (notificação de 04.11.2008), o arguido veio a proceder mais tarde ao pagamento de dois outros créditos, no montante de 20.150,72 €, em 22.09.2009, e de 15.070,96 €, em 21.09.2010 - (veja-se o facto julgado provado sob o n.º 11 c) e d».

15- Em audiência de julgamento, declarou o arguido que até ao momento não procedeu ao pagamento do remanescente por considerar que não se encontra destituído do cargo de solicitador da execução, já que o juiz do processo executivo que o destituiu não respondeu a um requerimento seu sobre a questão em que lhe solicitava esclarecimentos esclarecendo saber que fora notificado de tal destituição e que fora substituído por colega a quem não obstante notificado não procedeu á entrega de qualquer documento ou quantia mesmo após a entrega do respectivo NIB afirmando não ter de pagar da sua conta uma dívida que não era sua.

16- Não se afigura razoável tal argumento, nem o mesmo justifica a falta de entrega de dinheiro que não lhe pertence e que está indevidamente na sua posse há quase seis anos (veja-se que o arguido foi notificado dos montantes que deveria pagar aos diferentes credores em 08.03.2007 e que foi destituído do cargo em 30.09.2008) e foi notificado da remoção do seu cargo e da indicação do seu substituto que tem também conta cliente com as mesmas condições legais de movimentação.

17- Não se afigura aceitável, nem se vislumbra qualquer justificação razoável ou plausível para que o arguido retivesse, durante cerca de seis anos, a importância de 44.066,84 €, montante que consabidamente não lhe pertence, recusando reiteradamente a entrega que legitimamente lhe era solicitada quando noutros processos onde também foi substituído, como reconheceu procedeu à entrega do remanescente ao seu substituto.

18- Porém, ficou ainda provado que, no período que mediou entre 13 de Dezembro de 2005 e o dia 7 de Dezembro de 2010, o arguido transferiu daquela conta-clientes de solicitador de execução do "Millennium BCP", para...

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