Acórdão nº 637/10.OTVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelAFONSO HENRIQUE
Data da Resolução12 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: Relatório: A Autora, A. Seguros, S.A., devidamente identificada nos autos, intentou a presente acção, contra: A R. AC; Banco R, S.A.

Objecto do litígio: - A invalidade do contrato de seguro do ramo vida, titulado pela apólice 54/308524 celebrado no dia 11 de Abril de 2005, entre a autora e JC, entretanto, falecido, por inexactidão das declarações por este prestadas acerca do seu estado de saúde aquando do preenchimento da proposta de seguro.

Realizado o julgamento da causa foi proferida a seguinte sentença - parte decisória: “-…- DECISÃO: - Por todo o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente acção intentada por A. Seguros, S.A., contra AC e Banco R, S.A., em consequência do que as absolvo do pedido que contra ambos é formulado pela autora.

- Custas a cargo da autora.

-…-” Desta sentença veio a A. recorrer, recurso esse que foi admitido com sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1-Nos termos do disposto no art°7°, n° 3, al. d) da Lei u° 67/98 de 26 de Outubro, para que a ora Recorrente pudesse recolher, tratar e utilizar dados relativos à saúde do seu segurado JC, necessário era que se verificassem 3 requisitos, a saber: a) - autorização expressa e escrita deste; b) - utilização de tais dados para efeitos de defesa de um direito legítimo; c) - exercício de tal direito no âmbito de um processo judicial.

2-No caso dos autos, ocorreram os três mencionados requisitos legalmente exigíveis.

3-Nos termos do disposto na referida Lei 67/98, nenhum outro requisito é necessário para que à ora Recorrente seja permitido utilizar como meio de prova os documentos que, sob os nºs 5, 6, 8 e 9, juntou aos autos com a sua petição inicial.

4–Nomeadamente, não é legalmente exigível a autorização da CNPD para tal efeito, sendo que, tal autorização só é exigível para as situações previstas nos n°s.2 e 4 do art°7° da referida Lei 67/98.

5-Ao assim não ter entendido, a douta decisão sob recurso violou o disposto no art°7°, n° 3 da Lei n° 67/98 de 26 de Outubro, sendo, por isso, ilegal, e, por consequência nula.

6-Em consequência também, a prova testemunhal consubstanciada em tais documentos, não pode nem deve ser havida como nula, antes devendo ser tida como plenamente válida.

7-Tendo em consideração o teor dos mencionados documentos, o manifesto valor probatório dos mesmos, e o teor do depoimento da testemunha IM, ocorre "in casu" erro manifesto de apreciação da prova, em resultado do que, atento o disposto no art°662, n° 1 do Código de Processo Civil, deve o Tribunal da Relação alterar a resposta dada quanto à matéria de facto, dando como provados, para além do mais já como tal considerado na sentença recorrido, dar também como provados os seguintes factos: a)- JC foi seguido pelo médico francês ... a partir de Setembro de 2004 por lhe ter sido diagnosticado um colangocaremoma do hilo hepático; b)-Em consequência dessa doença JC foi submetido a uma intervenção cirúrgica em Setembro de 2005, bem como a quimioterapia e radioterapia; c)-Em 15 de Março de 2007 foi diagnosticada a JC doença hepática multi-nodular, que motivou uma nova intervenção cirúrgica; d)-Na sequência dessa intervenção cirúrgica, em Abril de 2007, foram detectadas a JC novas perturbações do foro hepático; e)-Em Setembro de 2007, JC apresentava uma alteração do seu estado geral com o aparecimento de múltiplas metáteses óssea; f)-JC omitiu informações essenciais sobre o seu estado de saúde quando respondeu às questões referidas em 7. a 11., vertidas no questionário mencionado em 6.; g)-(...) bem sabendo que ao agir dessa forma não estava a dizer a verdade; h)-(...) nomeadamente, não informando a autora de que padecia de doença hepática cancerígena que lhe havia sido diagnosticada em Setembro de 2004; i)-(...) e que foi a causa da sua morte; j)-No caso de JC ter respondido com verdade às questões referidas em 2.1.1.7 a 11 dos factos provados, a autora não teria aceitado celebrar o contrato de seguro transcrito em 2.1.1.1 desses mesmos factos.

Respaldada na matéria de facto assim e de novo fixada, deve a aplicação do direito, julgar procedente e provado o pedido e decretar a anulação do contrato de seguro, por invalidade substancial do contrato de seguro, nos termos do disposto no art°429 do Código Comercial, em vigor à data dos factos, com todas as consequências legais.

Contra - alegou o Ministério Público, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1 - O art.7°, n° l, da Lei n°67/98, de 26/10 (Lei de Protecção de Dados Pessoais), consagra um princípio geral de proibição de tratamento de dados pessoais relativos à saúde; os seus n°s.2, 3 e 4 são excepções a tal princípio.

2 - A prevista no n°3, al. d), ora invocada pela Recorrente, exige para poder ser dada por verificada, que esteja preenchida uma, de duas condições: exista disposição legal que permita a obtenção, utilização e junção a um processo judicial de documentação referente à saúde de alguém sem necessidade de autorização prévia da CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados); exista tal autorização da CNPD.

3 - «In casu» não ocorre qualquer uma das sobreditas condições, pelo que, atento o disposto no art.32º, nº 8, da CRP, a prova decorrente do documento clínico junto a fls.28 - alusivo ao estado de saúde do falecido JC - é nula e não pode ser valorada, o mesmo sucedendo com o depoimento da testemunha IM na parte em que depôs sobre o estado de saúde daquele e visto que neste ponto tal depoimento se baseou apenas na análise do citado documento.

4 - A materialidade fáctica apurada na douta sentença recorrida deverá ser integralmente mantida bem como a sua parte decisória, as quais não merecem quaisquer reparos.

Nestes termos e pelos expostos fundamentos, deverá manter-se a douta sentença recorrida, negando-se assim, provimento ao recurso.

As condições particulares do contrato de seguro identificado em 1., contêm uma cláusula com o seguinte teor: «Beneficiários: Em caso de morte ou 1AD2 ou ITP3 duma das Pessoas Seguras Banco R, S.A. até ao valor da dívida, sendo o remanescente pago ao sobrevivente (…).

5.

(...) e uma outra cláusula com o seguinte teor: «Cláusula de Benefício irrevogável 1.O beneficiário do capital seguro designado na apólice em referência é o Banco indicado na cláusula beneficiária.

2.O Banco declara que aceita o benefício que as presentes condições estipulam, até à concorrência do capital em dívida.

(…)» 6.

A proposta de seguro referida em 1. Integra um «questionário sobre o estado de saúde da pessoa segura» a que JC respondeu; 7.À pergunta nº2 do questionário referido em 6. sobre se se sentia em perfeito estado de saúde, JC respondeu que «sim»; 8.(…) e à pergunta nº7 do mesmo questionário sobre se já havia sido examinado em algum hospital, sanatório ou outro estabelecimento de saúde, respondeu que «não»; 9.(...) e à pergunta nº 9 do mesmo questionário sobre se já tinha sido submetido a controlo de saúde, respondeu que «não»; 10.(…) e à pergunta nº11 do mesmo questionário, acerca da última ida a um médico, afirmou que tal tinha ocorrido há um ano, com referência à data referida em 1. no âmbito de uma consulta de rotina no Centro de Saúde com resultado positivo; 11.(...) e à pergunta \n° 18 do mesmo questionário sobre s sofria ou já tinha sofrido de doenças do fígado ou vias bilares, respondeu que «não».

12.

Constam da proposta de seguro referida em 1., subscrita por JC, além de outros, os seguintes dizeres: Declaro que as respostas contidas neste questionário correspondem em absoluto à verdade, que não ocultei qualquer informação que pudesse vir a influir na decisão que a Seguradora venha a tomar acerca do seguro proposto, ainda que tenham sido escritas por terceiras pessoas (…) e autorizo-a a inquirir junto de quem entenda conveniente sobre o meu estado de saúde actual ou anterior, ou até mesmo após a minha morte, pedindo as informações que julgue necessárias, no estrito respeito pelo sigilo médico. Autorizo igualmente a consulta dos dados pessoais disponibilizados, sob regime de absoluta confidencialidade, a A. Seguros, S.A. desde que compatível com a finalidade de recolha dos mesmos»; 13. A autora aceitou celebrar com JC o contrato de seguro identificado em 1. face às respostas por este dadas ao questionário referido em 6; 14. Esse contrato de seguro entrou em vigor no dia 21 de Abril de 2005; 15. JC faleceu no dia 27 de Setembro de 2007.

  1. Factos não provados: 1-JC foi seguido pelo médico francês ... a partir de Setembro de 2004 por lhe ter sido diagnosticado um colangiocarcinoma do hilo hepático; 2-Em consequência dessa doença JC foi submetido a intervenção cirúrgica em Setembro de 2005, bem como a quimioterapia e radioterapia; 3-Em 15 de Março de 2007 foi diagnosticada a JC uma recidiva hepática multi-nodular, que motivou urna nova intervenção cirúrgica; 4-Na sequência dessa intervenção cirúrgica, em Abril de 2007...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT