Acórdão nº 2961/14.3TBOER.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelDINA MONTEIRO
Data da Resolução12 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I.

RELATÓRIO: A A. PV-S.A. propos acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a Ré PD-S.A.

pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 2.641.023,37 acrescida de juros vencidos e vincendos, e perfazendo os vencidos a quantia de € 755.542,47 e pedindo ainda o reconhecimento das obrigações da Ré a pagar-lhe os valores ponto verde (VPV) referentes às embalagens secundárias e terciárias que lhe declarar, e de declarar os pesos relativos aos sacos de caixa nos campos específicos para este tipo de embalagens e pagar os VPV correspondentes.

Para sustentar tal pretensão alegou, em síntese, que celebrou com a Ré contratos pelos quais esta transferiu para a A. as suas responsabilidades relativamente à gestão dos resíduos de determinadas embalagens pelas quais é responsável pela sua colocação no mercado nacional, e mediante o pagamento de contrapartidas financeiras.

Com a sua contestação a Ré invocou a excepção da incompetência material do Tribunal comum para julgar a acção, alegando para tanto que a A. funda a sua pretensão na licença que lhe foi atribuída para a gestão de um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens (SIGRE) e no contrato celebrado com a Ré, pelo qual esta transferiu para a A. a responsabilidade pela gestão de embalagens que coloca no mercado nacional, sendo que a adesão da Ré aos termos contratuais propostos pela A. é a concretização de uma imposição legal, e sendo que o conteúdo do contrato não pode ser conformado pelas partes, quanto ao preço e quanto ao seu objecto, já que o primeiro corresponde ao VPV aprovado pela APA.

E assim conclui que a relação estabelecida entre as partes deve ser qualificada como de natureza jurídico-administrativa, sendo dos tribunais administrativos a competência para conhecer do litígio emergente dessa relação.

Respondeu a A. pugnando pela improcedência de tal excepção, sustentando não se estar perante uma relação de direito administrativo mas antes perante uma relação de direito privado, desde logo porque a A. não está investida de prerrogativas de autoridade, e estando aqui em causa a responsabilidade civil contratual da Ré, que não cabe em nenhuma das previsões do artigo 4° do E.T.A.F.

A A. foi convidada a pronunciar-se sobre a excepção invocada pela Ré, o que fez, mantendo a posição já antes firmada.

Após, e por entender que não havia necessidade de se proceder à realização de Audiência prévia, o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão julgando como verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal comum, absolvendo a Ré da instância.

Inconformada com o assim decidido, a A. interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente a exceção de incompetência material, declarou o Tribunal recorrido incompetente em razão da matéria para conhecer dos presentes autos, absolveu a Apelada da instância e condenou a Apelante nas respetivas custas.

  1. É motivado pela impossibilidade de conformação da Apelante com uma decisão violadora das regras relativas à competência material dos Tribunais — cf. artigo 4.°, alíneas e) e f) do ETAF.

  2. Para se aferir da subsunção de determinado processo numa norma que fixa um determinado índice de competência há que atender-se apenas e em primeiro lugar, ao modo como o autor delineia o pleito na petição inicial, quer quanto aos elementos objetivos — pedido e causa de pedir — quer quanto aos elementos subjetivos — identidade dos sujeitos (cf., nomeadamente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2004, proc. n.° 04B875; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2007, proc. n.° 4929/2007-1 e de 05.11.2009, proc. n.° 28814/03.2YXLSB.L1-8; Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1979, p. 91).

  3. Atentando aos pedidos formulados pela Apelante e à sua causa de pedir (ou seja, os Contratos firmados entre a PV-S.A. e o PD-S.A. e a FN), verifica-se que a PV-S.A. assenta os seus pedidos na responsabilidade contratual da Ré, nos termos do artigo 798.° do Código Civil, matéria que não se inclui em qualquer das alíneas do artigo 4.° do ETAF.

  4. No que concerne à alínea e) do artigo 4.° do ETAF, nada do que é referido na sentença recorrida está em causa na presente ação — muito menos tal como delineada pela Autora —, não tendo a Apelante pedido ao Tribunal que apreciasse a validade de qualquer ato pré-contratual ou que apreciasse um contrato submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

  5. A Apelante peticionou na presente ação que (i) a Apelada fosse condenada ao pagamento de € 2.641.023,37, titulados por faturas não liquidadas e referentes a VPV devidos pela Apelada relativamente à transferência da responsabilidade pela gestão de embalagens primárias, secundárias e terciárias, que colocou no mercado, acrescidos dos juros aplicáveis, vencidos e vincendos, que (ii) seja reconhecida a obrigação da Apelada de pagar à Apelante os VPV referentes às embalagens secundárias e terciárias que declarar à PV-S.A., e que (iii) seja reconhecida a obrigação da Apelada de declarar os pesos relativos aos sacos de caixa nos campos específicos para este tipo de embalagem e pagar os VPV correspondentes.

  6. Tendo a Apelada invocado na sua Contestação que (i) "a A., incumprindo as obrigações legais, não oferece qualquer sinalagma que justifique tal pretensão [a contraprestação pela gestão dos resíduos de embalagens] ", pelo que a Apelada teria o direito de recusar o cumprimento da sua prestação nos termos dos artigos 428.° e ss. do Código Civil (norma de Direito privado), bem como (ii) o enriquecimento sem causa previsto no artigo 473.°, n.° 1 do Código Civil (também norma de Direito privado).

  7. O ponto decisivo para determinar o âmbito contratual da jurisdição Administrativa nos termos da alínea e) é a natureza do procedimento que antecedeu — ou que devia ou podia ter antecedido — a sua celebração.

  8. É patente a inexistência na sentença recorrida de qualquer facto que permita subsumir o objeto da presente ação e a relação contratual existente entre a Apelante e a Apelada a qualquer uma das realidades reguladas por esta alínea e) do artigo 4.° do ETAF: da sentença recorrida — ou sequer dos articulados das partes - não consta uma única menção (i) a um ato pré-contratual cuja validade esteja a ser questionada ou afirmada pela Apelante, (ii) a um único procedimento pré-contratual que tenha precedido a celebração do contrato celebrado entre Apelante e Apelada; ou (iii) a uma única norma legal (a lei específica a que se refere a alínea e) do artigo 4.° do ETAF) que submeta os Contratos existentes entre Apelante e Apelada a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público ou que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual dessa natureza.

  9. Como expressamente refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.03.2014 citado pelo Tribunal a quo, o "acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica é colocado, não no conteúdo do contrato, nem na qualidade das partes, mas nas regras de procedimento pré-contratuais aplicáveis".

  10. Como se vê, a sentença recorrida apenas refere (muito genericamente) aspetos relativos à qualidade da PV-S.A. (o facto de ser uma entidade licenciada e "ter por missão a satisfação" de "necessidades de interesse público") e ao conteúdo dos Contratos que constituem a causa de pedir na presente ação (o facto de os VPV serem aprovados pela APA).

  11. No entanto, a sentença nada diz relativamente a procedimento pré-contratuais aplicáveis.

  12. Aliás, refira-se a título de exemplo que nesse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.03.2014 citado pelo Tribunal a quo são expressamente identificados os factos de que depende a aplicação da alínea e) do artigo 4.° do ETAF, aí se justificando e referindo expressamente estar em causa a "verificação da existência e extensão de uma dívida do Réu emergente do fornecimento de bens e serviços, enquadrado nos concursos públicos referidos" no código dos contratos públicos.

  13. Em suma, aos Contratos que constituem a causa de pedir da Apelante não subjaz (nem deveria ou poderia subjazer) qualquer procedimento Administrativo pré-contratual regulado por normas de direito Administrativo (designadamente das normas do Código do Processo Administrativo ou o Código de Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008, de 29 de Janeiro).

  14. In caso, não existe qualquer lei específica que submeta os Contratos celebrados entre a PV-S.A. e o PD-S.A. e a FN (entretanto incorporada no PD-S.A. por fusão) a um procedimento Administrativo pré-contratual, pelo que, em suma, o litígio em apreço não é subsumível na alínea e) do artigo 4.° do ETAF.

  15. Como não o é, também, na alínea f) do artigo 4.° do ETAF, na medida em que esta alínea apenas se refere a causas relativas à interpretação, validade e execução: (i) de contratos de objeto passível de ato administrativo; (ii) de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de (iii) contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

  16. Desde logo, o Tribunal a quo não identifica nem explica em qual ou quais das diversas situações reguladas nesta alínea se enquadram os Contratos que constituem a causa de pedir nesta ação.

  17. Ao referir-se aos contratos de objeto passível de ato administrativo, a lei reporta-se aos contratos celebrados ao abrigo da autonomia pública contratual e que versem sobre a produção de efeitos jurídicos que a lei haja previsto serem atingidos mediante a prática de um ato administrativo, substituindo o ato administrativo pelo concreto negócio do...

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