Acórdão nº 571/14.4GBMTJ.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelRICARDO CARDOSO
Data da Resolução12 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. No âmbito do processo sumário nº 571/14.4GBMTJ do Juiz nº 1 da Instância Local do Montijo – Secção Criminal - da Comarca de Lisboa no qual são arguidos V e L, por decisão proferida em 10 de Dezembro de 2014, a fls. 94 nos autos em epígrafe referenciados o Tribunal “a quo” decidiu o seguinte: “Nestes termos e pelo exposto julgo a acusação parcialmente procedente por provada nos termos supra referidos e consequentemente decido: a. Absolver o arguido L, da prática de um crime dc furto qualificado, p. e p. pelos art.°s p. e p. pelo disposto nos artigos 203.° n.° l, 204°. n° 2. als. a) e e), com referência ao artigo 202°, als. b) e f), todos do Código Penal.

    1. Condenar o arguido V pela prática, em autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s 203.° n.° l, 204°, n° 2, al. e), com referência ao artigo 202°. al. f), todos do Código Penal na pena de dois anos de prisão.

    2. Considerando a personalidade do agente, a ilicitude apurada, o tribunal conclui que a censura do facto e a ameaça da pena, satisfazem os fins das penas, pelo que nos termos do art.° 50.° n.° l e 5 do Código Penal, determino a suspensão da execução da pena pelo período de dois anos, sujeita a regime de prova nos termos do art." 53º n.°s l e 2 do Código Penal.” 2.1. Inconformado com tal decisão o arguido V no interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões: “1. O arguido, ora recorrente, tendo sido julgado em Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, veio a ser condenado por Douta Sentença, como autor material, pela prática de um (1) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s 203° n.° 1, 204° n.° 2 al. e), com referência ao art. 202° al. f) todos do Código Penal, na pena de dois (2) de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos, sujeita a regime de prova nos termos do art. 53° n.° 1 e 2 do Código Penal 2. Com tal decisão condenatória, não se conforma o arguido, uma vez que não pode concordar com a qualificação jurídica dos factos e consequentemente com o critério e medida da pena.

  2. Isto porque, entende o recorrente que face aos factos dado como assentes, bem como ao depoimento do militar da GNR e ao contrário da sentença recorrida, ocorreu isso sim, a práctica de um crime de furto qualificado mas na sua forma tentada.

  3. Desde logo, porque, constata-se nos factos assentes que, o recinto em causa, trata-se de um espaço completamente vedado, sendo apenas acessível através de um portão.

  4. E que, o bem a ser supostamente furtado, tratava-se de um veículo pesado de mercadorias, o qual nunca chegou a sair do aludido recinto, não se tendo apurado que manobras estariam a ser realizadas com o mesmo 6. Ora, face a esta factualidade apurada e dada como assente, entende o recorrente que nunca terá ocorrido um pleno e autónomo domínio de facto sobre a coisa - requisito esse fundamental para que se preencha a consumação do furto - mas sim um mero e instantâneo domínio de facto.

  5. Pelo que, deveria o entendimento do Tribunal a quo, ter sido no sentido de que estamos perante a prática de um crime de furto qualificado na forma tentada e nunca um crime consumado.

  6. Posto isto, entende o recorrente face ao supra exposto, que foram violadas as normas constantes dos artigos 22°, 23°, 71°, 72°, 73° e 203° n.° 1 e 2, todos do Código Penal.

  7. Pelo que, o recorrente deveria ter sido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203° n.° 1 e 2, 204° n.° 2 al. e), com referência aos artigos 22° e 202° al. f), todos do Código Penal.

  8. E a pena de prisão deveria ter sido especialmente atenuada nos termos do disposto na al. b) do artigo 73° do mesmo diploma legal.

  9. Deverá consequentemente a pena aplicada em primeira instância ser reduzida para seis (6) meses de prisão suspensa na sua execução nos termos do artigo 50° do Código Penal, sujeita a regime de prova, podendo inclusive caso assim V.Exas. o entendam, o que se requer, ser substituída por pena de multa nos termos do artigo 43° do mesmo diploma legal, cujo montante deverá ser fixado dentro das condições económicas do recorrente.

  10. Crendo-se assim por todo o exposto, que esta será a reacção penal por excelência ao caso sub judice, satisfazendo-se deste modo, simultaneamente, as necessidades de reprovação e prevenção do crime.” 2.2. Respondeu o MºPº formulando as seguintes conclusões: “1. O crime de furto, p. e p. pelo artigo 203° do Código Penal, e, no caso com a qualificação do artigo 204°, n° 2, al. a), do Código Penal, consuma-se com a entrada da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceiro; 2. Tal ocorre quando a coisa é subtraída à posse de pessoa alheia e colocada na disponibilidade do agente, independentemente de existir apreensão, deslocação no espaço ou utilização por parte deste; 3. Ficou provado que o recorrente, de modo não concretamente apurado, logrou aceder ao interior do veículo e coloca-lo em funcionamento, bem como proceder à realização de manobras para o retirar do local onde se encontrava; 4. O crime pelo qual o recorrente foi condenado consumou-se a partir do momento em que este colocou o veículo em funcionamento, uma vez que, a partir desse momento, ficou em total controlo e domínio de facto sobre a coisa subtraída; 5. A consumação do crime de furto não exige a posse sossegada e tranquila da coisa, como pretende, ainda que de forma velada, o recorrente, nem, tampouco, a verificação de requisitos subjectivos, relacionados com a especial habilidade do recorrente em manobrar o veículo em questão; 6. No momento em que o recorrente foi interceptado, já o crime pelo qual foi condenado estava devidamente consumado; 7. Não merece qualquer censura a medida da pena concreta aplicada ao arguido, tendo em consideração os antecedentes criminais registados pela prática do mesmo crime pelo qual foi condenado nos presentes autos; 8. A decisão recorrida fez um correcto enquadramento jurídico da matéria de facto provada, pelo que deverá manter-se nos seus precisos termos.” 3. O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

  11. Subidos os autos, neste Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

  12. Foi realizada a competente conferência.

  13. O objecto do recurso versa a questão de saber se o crime de furto se reveste da forma tentada ou consumada; Da medida da pena e da substituição da pena de prisão por multa..

  14. Apreciação: 7.1. Observemos a decisão recorrida: “I — Relatório: Em processo sumário, o Ministério Público deduziu acusação contra: V, e L.

    imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s p. e p. pelo disposto nos artigos 203.° n.°l. 204°. n° 2, ais. a), e e), com referência ao artigo 202°. ais. b) e f). todos do Código Penal.

    Os arguidos não apresentaram contestação, nem arrolaram testemunhas.

    Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, conforme consta da respectiva acta.

    Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação da causa.

    Tudo visto e considerado. Cumpre decidir.

    II - Fundamentação Factos Provados Discutida a causa e produzida a prova, estão assentes os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: l. No dia 20 de Novembro de 2014, entre as 09h45m c as I0:00h. os arguidos V e L fazendo-se transportar num veículo ligeiro de passageiros, de marca Alfa Romeu, modelo 156. matrícula JB, dirigiram-se a um estaleiro cie obras de uma escola sita no Alto estanqueiro-Jardia, Montijo, área desta comarca, pertencente ao denunciante VA , tendo o arguido V a intenção de o assaltar.

  15. O aludido estaleiro encontrava-se vedado, em toda a sua extensão, por um muro e uma vedação de arame, e tinha um portão de acesso que se encontrava fechado com um cadeado.

  16. Ali chegados, o arguido V dirigiu-se ao portão do estaleiro, e de modo não concretamente apurado abriu o cadeado que o trancava, utilizando uma chave que trazia consigo, acedeu ao seu interior e deslocou-se para junto do veículo pesado de mercadorias da marca DA!", modelo 2300. e matrícula LZ. com o valor de cerca de € 6.000.00 (seis mil euros) que ali se encontrava, e que estava carregado com uma estrutura metálica, em ferro, no valor de € 10.000.00 (dez mil euros).

  17. Após. o arguido V estragou a fechadura da porta daquele veículo, acedeu ao seu interior, e. de modo não concretamente apurado, efectuou uma ligação directa, lendo colocado o motor deste em funcionamento.

  18. Quando procurava retirar o aludido veículo do interior do estaleiro onde se encontrava para encetar a fuga. veio a ser interceptado pelos elementos da GNR.

  19. Os bens retirados foram recuperados pelo seu proprietário.

  20. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido V actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de fazer seus o veículo e a carga que este tinha acondicionada, abrindo, para o efeito, o cadeado do portão, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem a autorização do respectivo dono.

  21. Sabia o arguido V que a sua conduta era proibida e punida por lei, o que não o impediu de a encetar.

  22. O arguido L tem os antecedentes criminais constantes de fls. 74 a 83.

  23. O arguido V foi condenado por sentença dc 29.09.2004 no âmbito do Processo Comum Singular n.° 334/03.2GAMTA do 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita, na pena de 150 dias de multa à razão diária de € 4.00. pela prática, em 14.06.2004 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

  24. O arguido V foi condenado por sentença dc 20.12.2005 no âmbito do Processo Comum Singular n.° 395/03.4GABRR do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, na pena de 190 dias de multa à razão diária de € 3.00...

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