Acórdão nº 11243/1.0SNT-B.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução03 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO ROSA ….. , residente na Rua ……, intentou contra HENRIQUE …….

e MANUEL ……., ambos residentes na Rua ……, acção declarativa de simples apreciação negativa, com processo comum, através da qual pede que: 1. Seja declarado que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por Ricardo ……, cidadão alemão residente e falecido em Portugal, no dia 14 de Fevereiro de 2002, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras de que espécie fossem, nem papeis de crédito de qualquer tipo; 2. Seja declarado que os réus não são titulares do direito que se arrogam de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer Bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro; Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão nos termos seguintes: 1. A A. é viúva de Ricardo ……., falecido em 14 de Fevereiro de 2002 - doc. nº. 1.

  1. O falecido marido da A. tinha nacionalidade alemã – doc. nº. 1.

  2. Em 2 de Maio de 1979 e 25 de Outubro de 1985, a A. e o seu marido celebraram contratos de sucessão (admissíveis na ordem jurídica alemã), que “anularam” em 15 de Janeiro de 1991, como se alcança do testamento que, certificado, traduzido e apostilhado - doc. nº. 2.

  3. O falecido marido da A. tinha três filhos, nascidos do seu anterior casamento, a saber: a) Pedro ….., pai dos ora RR.; b) António …… e c) Luís …….- doc. nº. 2 5. Em 9 de Novembro de 1987, os três filhos do marido da A. renunciaram, simultaneamente, para eles e para os seus descendentes (renúncia admissível na ordem jurídica alemã), aos seus direitos sucessórios como herdeiros legitimários de seu pai – doc. nº. 2.

  4. Em 24 de Junho de 1998 o marido da A. podia testar como livremente entendesse – doc. nº. 2.

  5. Naquela data, Ricardo ….., outorgou, em Estugarda, perante um representante do notário Martin …. o seu testamento - doc. nº. 2.

  6. Em tal testamento, o marido da A., com relevância para o mérito desta acção: a) Nomeou sua mulher Rosa ……, aqui A., sua única herdeira fiduciária liberta de todas as limitações e obrigações que constam do § 2136 do Código Civil alemão; b) Nomeou seu filho Pedro …… (pai dos ora RR.) seu herdeiro fideicomissário e c) Nomeou herdeiros substitutos sucedâneos os descendentes do seu filho Pedro …... - doc. nº. 2 9. O enteado da A., Pedro ……. morreu no dia 7 de Agosto de 2013 – doc. nº. 3.

  7. Aquele enteado da A., que havia sido instituído herdeiro fideicomissário por seu pai deixou como descendentes os ora RR., seus filhos - doc. nº. 4. - escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 3 de Outubro de 2013, lavrada de fls. 67 a 68 do Lº. 67 das notas do Cartório Notarial de Sintra a cargo da notária Senhora Dra. …… .

  8. Os RR. são os herdeiros fideicomissários, sucedâneos de seu pai, instituídos no testamento do marido da A. e avô paterno deles –doc. nºs. 2 e 4.

  9. Falecido o enteado da A. (e pai dos RR.), as relações entre a demandante e a mãe dos demandados degradaram-se, posto que ela quis imiscuir-se na administração dos bens da A. de forma que esta considerou inaceitável e não admitiu.

  10. A A. veio a descobrir que a mãe dos ora RR. utilizara de forma indevida, e para benefício próprio, uma procuração que ela lhe outorgara para movimentar a sua conta aberta no Banco Comercial Português.

  11. Razão por que corre actualmente neste Juízo – sob o nº. 4902/14.9T2SNT da 1ª. Secção, Juiz 2 – acção de prestação de contas movida pela aqui A. contra a mãe dos RR., Senhora D. Aida …...

  12. Suspeitando de que o Banco Comercial Português continuava a dar informações à viúva do seu enteado acerca da movimentação da conta a que deixara de ter acesso após a revogação da referida procuração, a A.

    decidiu transferir a maior parte do seu dinheiro para outro Banco, concretamente para a sucursal em Portugal do Deutsche Bank.

  13. Sucedeu, porém, que, com data de 3 de Março de 2014, os ora RR. dirigiram ao Deutsche Bank a carta – supostamente confidencial – na qual, para além de ignomínias várias – acusando a A., a quem tratam por “avó”, de estar demente e afectada pelo mal de Parkinson – os ora RR. ousaram afirmar que, quaisquer contas presentemente tituladas pela nossa avó junto do BCP e da UBS [Union de Banques Suisses] foram-lhe transmitidas por morte do nosso avô (Ricardo …..), pelo que, sendo eles, RR., herdeiros fideicomissários, em substituição do falecido pai deles, “…com o falecimento da nossa avó passará o mencionado património (…) para os respectivos descendentes [do pai deles], que somos nós. - doc. nº. 5 17. Os RR. pretendem que o dinheiro depositado nas contas da A. – quer no Banco Comercial Português, quer na Suiça, na UBS, quer, depois, na sucursal do Deutsche Bank em Portugal – faz parte da deixa fideicomissária do avô deles e marido da demandante.

  14. Com base na carta que dirigiram ao Deutsche Bank (doc. nº. 5), os RR. lograram que aquela instituição bancária bloqueasse a conta da A., que deixou de poder movimentá-la.

  15. A situação de incerteza criada pela conduta dos RR. acerca de todo o dinheiro depositado em nome da A. no Banco Comercial Português, na UBS e no Deutsche Bank fazer parte da deixa fiduciária do Senhor Ricardo ……, determinou graves embaraços e transtornos para a demandante, pelo que urge obter declaração judicial de que entre os bens e direitos deixados pelo Senhor Ricardo ….. e sujeitos às regras – do direito alemão – da substituição fideicomissária não figuravam quaisquer valores monetários, aplicações financeiras, nem papeis de crédito.

  16. E, efectivamente, por morte de Ricardo ….. foi instaurado o competente processo de imposto sucessório na (então) Repartição de Finanças de Sintra, onde foi autuado com o nº. 30016, no ano de 2002, e entre os – muitos – bens ali relacionados não figuram quaisquer valores em dinheiro, depósitos bancários, aplicações financeiras ou papeis de crédito – doc. nº. 6.

  17. Muito antes da sua morte, o marido da A. deu-lhe, efectivamente, diversas quantias em dinheiro que, por isso, eram apenas dela e não sujeitas a qualquer espécie de limitação ou restrição, designadamente as decorrentes das regras do fideicomisso liberado previsto no Código Civil alemão.

  18. São esses dinheiros, de que Ricardo ……. podia dispor livremente, como dispôs, em vida – e não por sua morte – a favor da A., que os RR. pretendem que um dia hão-de vir a ser deles por força da deixa testamentária do seu avô paterno.

  19. A dilucidação dessa problemática é de vital importância para a A. que está a ser gravemente incomodada pelos netos do seu marido, ora RR., que pretendem limitá-la na possibilidade de gastar o seu dinheiro como melhor entender.

    Citados, os réus apresentaram contestação, em 29.09.2014, impugnando factos articulados pela autora e invocando que: 1. O dinheiro que integra as seguintes contas bancárias: i) conta no Millennium BCP, com o NIB 0033……; ii) conta no Millennium BCP, com o NIB 0033…..; e, iii) conta no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal, com o NIB 0043……; faz parte da herança aberta por óbito do avô dos Réus, Ricardo ….., tendo tais contas bancárias sido arroladas no âmbito do procedimento cautelar de arrolamento que correu termos na 2a Secção do Juízo de Média Instância Cível — Sintra, Comarca da Grande Lisboa — Noroeste, sob o n° 4899/14.5T2SNT — Doc. 3 - sentença que decretou o arrolamento.

  20. A Autora, nos autos de procedimento cautelar que intentou e correram termos sob o n.° 441/14.6TVLSB, na 8a Vara Cível de Lisboa, requereu procedimento cautelar comum contra o referido Banco, pedindo que fosse ordenado o desbloqueio da conta n° 04001055819, aberta nos livros do banco em seu nome e que se abstivesse, por qualquer forma, de impedir a ali requerente de movimentar a mesma conta bancária, providência cautelar que foi indeferida – Doc. 4.

  21. A Autora tem 98 anos de idade, há muito que perdeu a sua autonomia, estando muito fragilizada, sofrendo de demência senil, que se vem acentuando, ouve muito mal e tem a capacidade de visão muito reduzida, sendo a sua "visão ao perto" de apenas 10%. E em 17 de Julho de 2014, foi requerida pelo Ministério Público a Inabilitação da aqui Autora, estando pendente, sob o n° 14081/14.6T2SNT, na 1ª Secção Cível — Juiz 5, da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste, a respectiva acção (de inabilitação) - doc. 5.

  22. Os Réus são os únicos herdeiros fideicomissários do seu avô, Ricardo ….

  23. Da herança aberta por morte de Ricardo ….. fazem parte bens móveis e imóveis de considerável valor, designadamente os imóveis relacionados sob as verbas 8 a 35, da Relação de Bens apresentada pela Autora no Processo de liquidação do Imposto sucessório por óbito do testador - doc. 6 junto com a p.i.

  24. Mas da mesma herança fazem também parte, ao contrário do que refere a Autora, além de outros bens, todos os valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos que existiam à data da morte de Ricardo ….., ocorrida em 14.02.2002.

  25. Através do testamento que outorgou em 24.06.1998, o falecido Ricardo ….. legou à Autora (excluindo-os, por isso, da sua deixa fideicomissária), apenas e só "os recheios, sem qualquer excepção (em especial móveis, carpetes, aparelhos de cozinha, televisor, rádio, aparelhagens estéreo, quadras, livros, candeeiros e apliques, objectos de decoração, abjectos de prata, utensílios caseiros, piano, órgão e todos os outros objecto móveis) que se encontram nas seguintes casas: - no Casal das Hortênses e do mesmo modo na casa anexa (...) na casa de jardim também ali situada, com terraço, cozinha e quartos e na casa com estufa também no mesmo local, lavandaria, terraço e secagem; - na casa de habitação da propriedade de São Bento, sita …….; - na casa da praia, na freguesia da ……, concelho de Lagos/ Portugal" - doc. 2 junto com a p.i.

  26. No testamento outorgado por Ricardo ….. em 24.06.1998 não foram excluídos da deixa testamentária a...

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