Acórdão nº 1473/11.1YXLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | ONDINA CARMO ALVES |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO RUI …., residente na Rua ……, intentou, em 11.07.2011, contra INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ….
., com sede ….., e VEÍCULOS E PEÇAS, S.A., com sede na ….., acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, através da qual pede a resolução do contrato de locação financeira celebrado com a 1ª ré e a restituição da quantia de € 6.023,14 ou, caso tal pretensão não seja atendível, a condenação das rés a entregarem-lhe uma viatura automóvel da mesma marca e modelo, nova, considerando-se as prestações já pagas por si, no valor de € 6.023,14, e mantendo-se o remanescente dos valores acordados no contrato junto como documento n.º 1, assim como as restantes cláusulas em vigor, ou seja, devendo o autor pagar à 1ª ré o montante global de € 17.253,46, descontando-se o valor já pago de € 6.023,14, bem como a condenação das rés no pagamento ao autor, por danos patrimoniais e não patrimoniais, da quantia de € 1.700,00, sendo as quantias supra referidas acrescidas de juros vincendos até integral pagamento.
Fundamentou, o autor, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte: 1. Celebrou, em Setembro de 2010, com a 1ª ré, na qualidade de locadora, um contrato de locação financeira, no qual foi fornecedora a 2ª ré, tendo por objecto um veículo de marca Smart, modelo Fortwo CDI 54-CV, do qual nunca usufruiu; 2. Em 17/12/2010, quando o mesmo apenas tinha 6380 km, teve uma avaria – anomalia no conversor de pressão de recirculação de gases -, dando entrada no concessionário da fornecedor - aqui 2ª ré - o que fez com que o autor tenha estado 4 dias sem utilizar o veículo; 3. Em 09/03/2011, o veículo, nessa altura com 11.353 km, entrou novamente no concessionário, dessa vez porque, por vezes, entrava em modo de segurança, o que fez com que o autor tenha estado 2 dias sem utilizar o veículo; 4. Em 16/03/2011, voltou a ter uma avaria, tendo sofrido inúmeras intervenções mecânicas não expectáveis.
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O autor relatou, por carta, à 1ª ré, as situações anormais verificadas com o veículo e ter-lhe pedido a sua substituição ou, em alternativa, a resolução do contrato, pedido ao qual a mesma não anuiu; 6. Em 29/03/2011 levantou o veículo no concessionário, data em que recebeu da 1ª ré uma carta na qual lhe referiu que a anomalia consistia apenas num mau contacto na ficha do corpo da borboleta e que o fornecedor já tinha procedido à correcção da mesma; 7. Mas, depois de 20 km a viatura teve de regressar ao concessionário com os mesmos sinais de avaria, tendo o autor estado 13 dias sem poder usar o veículo.
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Por esta razão, entregou o veículo à 2ª ré e interpelou a 1ª ré a resolver o contrato e a exigir que lhe fossem restituídas as prestações vencidas e pagas, mas esta nada fez; 9. O autor resolveu o contrato, pois o veículo não se encontra em conformidade com o contrato, que previa a possibilidade de o autor usufruir e, posteriormente, poder comprar o veículo, sendo a resolução a única solução ou, eventualmente, o veículo ser substituído por um novo; 10. Apesar das interpelações feitas, o autor não foi indemnizado pelo incumprimento do contrato de locação e, em termos coligados, pelo contrato de fornecimento, pelo que só a resolução do contrato com eficácia retroactiva, isto é, com a restituição das prestações pagas, permitirá reparar os danos causados pelas rés; 11. As rés são igualmente responsáveis pelos lucros cessantes, consistentes no facto de, durante os 19 dias da avaria do veículo, ter estado dependente da boa vontade de amigos e familiares para efectuar as suas viagens, o que lhe causou transtorno, afectando a sua actividade profissional, com redução do número de horas de trabalho efectivo, o que lhe causou danos no montante de € 600,00, aos quais acrescem a instabilidade emocional do autor, o desgaste provocado pelas constantes deslocações à fornecedora, aqui 2º ré e o facto de as rés não atenderem às suas pretensões, danos estes que se computam em € 1.100,00.
Citadas, a rés apresentaram contestação.
A ré, Instituição Financeira de Crédito, S.A. invocou, na sua contestação, em síntese, que: 1. Apesar de o autor peticionar a resolução do contrato consigo celebrado, socorrendo-se, para tanto, da cláusula 14ª das condições gerais, sob a epígrafe “contrato coligado”, pretendendo fazer repercutir a alegada desconformidade do contrato de compra e venda no contrato de locação financeira celebrado, não estando em causa um contrato coligado, não lhe é aplicável o disposto nessa cláusula, nem o disposto no artigo 18º do Decreto-lei n.º 133/2009, de 2 de Junho já que aquela mais não espelha do que o disposto neste normativo.
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Segundo o entendimento adoptado pelo Banco de Portugal, ao qual a ré adere, é que não havendo nos contratos de locação financeira uma concessão de crédito ao consumidor que se destine exclusivamente a financiar o pagamento do preço do contrato de fornecimento do bem, uma vez que o contrato de compra e venda é realizado entre a instituição de crédito e o fornecedor e não entre este e o consumidor, os referidos contratos não se enquadram no conceito de contrato de crédito coligado e daí que, os vícios do contrato de compra e venda não se podem repercutir no contrato de locação financeira celebrado entre o autor e a 1ª ré, não sendo válida a resolução com tal fundamento.
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Não tendo a 1ª ré tido qualquer intervenção na escolha do bem e respectivo fornecedor, não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação aos fins do contrato e daí que todos e quaisquer direitos do autor derivados da alegada desconformidade do bem devessem ser exercidos directamente pelo mesmo junto do fornecedor por si escolhido nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho e do disposto na cláusula 4ª, n.º 2, das condições gerais do contrato em questão.
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Mesmo que fosse aplicável o regime dos contratos coligados, não tendo o autor cumprido o prazo de dois meses de que dispunha para denunciar a falta de conformidade do bem, sempre o seu direito teria caducado; 5. O autor não fez qualquer prova de que não tenha obtido, em termos definitivos, a satisfação dos seus direitos junto do fornecedor e de, portanto, não poder exercer tais direitos junto do locador nos termos do artigo 18º do citado Decreto-Lei n.º 133/2009 e da cláusula 14ª das condições gerais do contrato; 6. O autor não fixou qualquer prazo admonitório à 1ª ré com vista ao cumprimento da alegada prestação em falta, não se convertendo, assim, qualquer mora em incumprimento definitivo o que também faz com que não se possa considerar a resolução válida e eficaz.
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O valor das prestações já pagas ascendem apenas a € 5.797,25 com I.V.A. incluído e as facturas continuaram a ser emitidas por serem devidas no âmbito do contrato de locação financeira celebrado, atenta a falta de fundamento para a sua resolução, sendo certo que ainda que esta tivesse fundamento, a consequência, conforme se retira do disposto no artigo 434º, n.º 2, do Código Civil, não seria a devolução das prestações pagas.
A 1ª ré deduziu ainda reconvenção, pedindo que se reconheça judicialmente a resolução do contrato de locação financeira celebrado, caso o autor não proceda, no prazo de quinze dias, ao pagamento das prestações vencidas e não pagas, acrescidas de 50% já que, não prejudicando a mora, o cumprimento defeituoso ou o incumprimento do fornecedor o cumprimento pelo locatário das obrigações assumidas perante o locador, o autor está obrigado a pagar-lhe as rendas vencidas, sendo que não liquidou as que se venceram a partir de 05/04/2011 até 05/11/2011.
A 2ª ré, Veículos e Peças, Lda., reconhecendo, na sua contestação, que o autor havia celebrado com a 1ª ré o invocado contrato de locação financeira, alegou, em síntese que: 1. O veículo em causa foi assistido na sua oficina, tendo os problemas apresentados ficado bem e definitivamente solucionados, sem que as avarias tivessem qualquer conexão entre si; 2. A 1ª prendia-se com o deficiente funcionamento do conversor do motor e a 2ª avaria era de carácter estritamente eléctrico e, apesar de o veículo ter ficado reparado do dito problema eléctrico, em 22/03/2010, o autor não procedeu ao seu levantamento de imediato, apenas o tendo feito sete dias depois, em 29/03/2010, altura em que o veículo voltou a ter uma avaria, dessa vez relacionada com o sensor de temperatura dos tubos de escape, que nada tinha a ver com a anterior e que também ficou resolvida, tendo sido dado conhecimento desse facto ao autor em 31/03/2011.
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As intervenções realizadas no veículo não tiveram quaisquer custos para o autor, tendo sido efectuadas ao abrigo da garantia, não havendo qualquer avaria que esteja por solucionar, inexistindo, portanto, fundamento para que sejam restituídas ao autor as prestações pagas no valor de € 6.023,14.
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O autor apenas esteve impedido de utilizar o veículo durante 10 dias (e não 19), desconhecendo-se se o autor tinha outro veículo para se deslocar, sendo as quantias peticionadas a título de privação do uso infundadas e manifestamente excessivas e que também não pode ser responsabilizada pela ocorrência das avarias e, consequentemente, pelos alegados danos não patrimoniais, sendo também a quantia pedida a este título descabida e exagerada.
Notificado, o autor respondeu às contestações e à reconvenção deduzida, invocando, em síntese: 1. A carta do Banco de Portugal a que alude a 1ª ré, para além de ser apenas uma carta-circular de boas práticas a observar pelas instituições de crédito, é posterior ao contrato em causa nos autos, sendo que a cláusula 14ª aí contida prevê expressamente os contratos coligados e a invocação da 1ª ré em sentido contrário constitui abuso de direito.
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Contrariamente ao que a 1ª ré invoca, a mesma responde pelos vícios da coisa locada nos termos do artigo 1034º, alínea c), do Código Civil por ter assegurado ao autor que o veículo locado tinha atributos que, não realidade, não possuía...
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