Acórdão nº 61/14.5PAALM.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | JORGE GON |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO: 1.
No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 61/14.5PAALM, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, acusado da prática dos seguintes crimes: um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), 2, 4 e 5 do Código Penal (tendo em vista a comunicação em audiência de alteração da qualificação jurídica dos factos); um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º do mesmo diploma legal.
A demandante C... em nome próprio e em representação da sua filha menor, D... deduziu também pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 5.500,00 a título de danos não patrimoniais por ambas sofridos, e bem assim os juros legais contados desde a notificação até efectivo pagamento.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, em conformidade com as citadas disposições legais, decide o tribunal: 4.1. Absolver o arguido A... da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, pelo qual se encontrava acusado; 4.2. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 (dois) anos e 6 ( seis) meses ( art. 50.º, n.º 1 e 5, do Cód. Penal ); 4.3. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível que foi deduzido por C... em representação da sua filha menor D... contra o arguido/demandado e, em consequência, nesta parte, absolve-se o mesmo do pedido que contra ele foi deduzido; 4.4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante C... e, em consequência, condena-se o demandado A... a pagar à demandante, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos, a quantia de € 3.500,00, a que acrescem os juros de mora nos moldes acima referidos.
(…).» 2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Verificando-se, quanto a alguns pontos dos "factos provados", inconsistências e contradições diversas na prova produzida, que por uma questão de economia aqui se consideram reproduzidas para todos os efeitos legais.
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Existindo estas contradições, não se vislumbra como pode o douto tribunal a quo concluir, com certeza, qual reflecte a verdade dos factos, afastando a aplicação do princípio in dubio pro reoe, em consequência, condenando o arguido.
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Resultando provado, no entender do Recorrente, que os factos que lhe são imputados não estão provados, por falta de prova.
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Falta de prova que não deve ser "suprida" pelo principio da livre apreciação da prova, porquanto este principio deve ser aplicado segundo as regras da experiência onde se "incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liafío, La Prueba en el Proceso Penal, 184)." 5. Considerando a especificidade da violência doméstica, que dificulta, entendemos a reconstituição dos factos, haverá que recorrer à chamada prova indirecta para se poder formular opinião e concretizar decisão, tão próxima da verdade quanto possível, sobre o que aconteceu.
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E, desta prova produzida no decurso da audiência de discussão e julgamento, entenda-se, prova testemunhal e tomadas de declarações, haverá que destacar a enormidade de contradições ocorridas nos depoimentos das testemunhas - seja entre si, como ao longo do próprio depoimento, conforme já demonstrado - e que não foram consideradas pelo tribunal a quo.
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Resultando destas contradições que o tribunal a quo deveria ter, s.m.o., ficado com um estado de dúvida, porquanto, não sendo a verdade absoluta tangível pelos mortais, deverá obter-se um estado de certeza muito elevado quanto ao desenrolar dos factos, o que não nos parece possa ter acontecido com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e, em consequência, deveria ter sido aplicado o principio in dubio pro reo, absolvendo-se o arguido.
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As testemunhas presentes na festa de aniversário assinalaram que o convívio entre o casal era normal, são, sem conflitos, o que não é compatível com a imputação que é efectuada ao arguido de maus-tratos psicológicos desde há largos anos.
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De qualquer forma, da prova produzida não resulta claro que o grau de culpa do arguido seja assim tão elevado e tão grave, motivo pelo qual tanto a pena aplicada, como a indemnização em que este foi condenado são exageradas devendo ser modificadas, porquanto, 10. O quantum indemnizatório por danos morais, cujo objectivo é a "reparação" e não a "reposição", e considerando a prova produzida quanto aos danos morais sofridos pela demandante é exagerado devendo em consequência ser reduzido a um quantum mais conforme para com o dano a reparar.
Termos em que, deverá o recorrente ser absolvido por falta de prova condenatória apta a tal, atentas as contradições ocorridas.
Se for outra a decisão desse Venerando Tribunal, peticiona-se que a sentença recorrida seja revista de modo a reflectir a prova efectivamente produzida, o grau de culpa e dolo efectivo do arguido decorrente dessa prova, devendo, ainda, ser reduzido a um valor justo e adequado o quantum indemnizatório concedido a titulo de reparação dos danos morais, como é de Justiça! 3.
Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de 1.ª instância à motivação de recurso, concluindo no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Subiram os autos a este Tribunal da Relação, tendo a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitido parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P. e colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação: 1.
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões a decidir no recurso são: - Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo; - A determinação da pena e o quantum indemnizatório.
Como questão prévia, suscita-se a questão da alegada ausência de documentação do depoimento da testemunha RS..., geradora, no entender do recorrente, de nulidade susceptível de ser arguida no próprio recurso e no prazo deste.
2.
A Decisão Recorrida: 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 2.1. O arguido viveu com a ofendida C... em comunhão de cama, mesa e habitação durante cerca de cinco anos, tendo a mesma cessado em Janeiro de 2014.
2.2. Do relacionamento amoroso entre arguido e ofendida nasceram duas filhas: a S... em 19/08/2011 e a M... em 31/03/2010.
2.3. O casal sempre fixou residência na área de Almada e residindo sempre com os mesmos, a filha da ofendida D... nascida em 22/06/1999.
2.4. Decorrido cerca de um ano e meio do inicio da relação amorosa o arguido passou com uma frequência quase diária e sempre que se embriagava a iniciar discussões com a ofendida apelidando-a de "vaca; puta; não serves para nada", fazendo-o na presença das menores.
2.5. Acresce ainda que durante tais discussões o arguido gritava, batia com as portas, agarrava objectos e partia-os contra o chão.
2.6. Assim, no ano de 2011, em data não concretamente apurada e estando a ofendida grávida da filha do casal S... o arguido chegou a casa e iniciou com a ofendida uma discussão na sequência da qual lhe desferiu um murro nas costas.
2.7. Acresce ainda que no dia 31 de Março de 2013 após o aniversário da filha M... e do baptizado da filha S... o arguido sem qualquer motivo iniciou uma discussão com a ofendida na qual a agarrou no braço direito e o torceu nas costas.
2.8. No dia 10 de Janeiro de 2014 o arguido uma vez mais chegou a casa embriagado iniciando com a ofendida uma discussão na sequência da qual a apelidou de " vaca; puta" e disse-lhe ainda "escreveste o teu destino; vais ver o que te vou fazer; rebento-te toda".
2.9. O arguido sabia que com as suas condutas e mais precisamente ao dirigir as expressões injuriosas, que rebaixava e humilhava a sua companheira, bem como dirigia-lhe as ameaças com o objectivo de provocar medo e inquietação.
2.10. Mais, sabia e, queria o arguido com as suas condutas causar dores e mau estar físico na companheira.
2.11. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, em obediência ao mesmo desígnio de crueldade e malvadez, com a...
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